"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 16 de julho de 2011

Berços esplêndidos

Cama medieval. Século XIV

O célebre escritor alemão Thomas Mann dizia que a cama é um móvel transcendental, onde ocorrem os mistérios do nascimento, do amor e da morte, e que à noite se transforma em navio mágico no qual embarcamos para o mar dos sonhos. Fonte de inspiração de muitos artistas, para nossos antepassados a cama tinha mil outras utilidades além de lugar de repouso.

Os antigos gregos dormiam, comiam e celebravam suas festas em leitos ricamente decorados; os romanos faziam tudo isso em seus relaxantes divãs. Na Idade Média, a cama era um luxo reservado aos poderosos. Para um nobre medieval, receber visitantes placidamente deitado em sua cama era sinal de prestígio e prova de superioridade diante do recém-chegado. Mas nem as famílias aristocráticas dispunham de leitos individuais para cada um de seus membros. O normal era ter em casa uma grande cama que era compartilhada por pais, filhos e até convidados, se houvesse. Também os animais domésticos eram tranquilamente admitidos e ase aninhar nesse leito coletivo - mesmo porque eles ajudavam a manter seus donos aquecidos nas longas noites de inverno europeu. [...]

Para a maioria dos mortais, o lugar de dormir não era exatamente um primor de conforto, para não falar em higiene. Dormia-se em enxergas de palha, que, além de absorverem  a umidade, eram a moradia ideal para toda a espécie de insetos. O leito do imperador Carlos Magno (742-814), que ele dividia com convidados, conforme o costume da época, consistia em um manto de palha estendido sobre uma base de madeira. Era coberto com um colchão forrado de plumas, em cima do qual  se estendiam lençóis. Uma almofada ficava na altura da cabeça. Como soberano que era, certamente Carlos Magno contava com a criadagem para lhe renovar a palha de vez em quando. [...]

Desde a Antiguidade, fazia-se política na cama. Alexandre Magno, da Macedônia decidia os destinos de seu império do alto de sua cama de ouro. Os imperadores romanos davam audiências reclinados em luxuosos divãs. Francisco I, rei da França (1494-1547), tinha por hábito premiar o almirante Bonnivent, chefe de sua esquadra, após cada batalha vitoriosa, com o honroso convite para partilhar de sua cama por alguns momentos. O monarca Felipe IV, o Belo (1268-1314) fez de seu dormitório a sala de reuniões mais concorrida de todo o reino da França. Ao redor de sua luxuosa cama - de veludo azul bordado com lírios dourados - se reuniam os conselheiros, os ministros, os representantes das corporações e os embaixadores estrangeiros. [...]

Depois da Revolução Industrial, que gerou a sociedade competitiva e apressada dos dias atuais, ficar muito na cama passou a ser visto como grave defeito de personalidade e sinônimo de improdutividade e vagabundagem.

Ao mesmo tempo, porém, a tecnologia cada vez mais avançada oferece aos apreciadores camas cinematográficas, de dar inveja aos potentados de antigamente: vibratórias, redondas, com cobertores elétricos e colchões de água, que ondulam suavemente a qualquer movimento e até com bar e equipamentos de som e vídeo acoplados.

Berços esplêndidos. Superinteressante. São Paulo: Abril, p. 60-61. n. 006, mar. 1988.

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