"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 31 de março de 2013

O passado amoroso decomposto 2: do Renascimento à Revolução Francesa

Cena do filme "Ligações perigosas", dir. Sthefen Frears


O neoplatonismo do Renascimento teria sido para as elites cultas um meio de esquecer e empurrar para baixo do tapete a repressão sexual à qual deviam se habituar. Não se casar jamais por prazer e não casar jamais sem o consentimento daqueles a quem se devia obediência eram leis nas casas aristocráticas. O casamento era um negócio de longa duração que não podia começar sem a opinião de parentes e amigos. A bem dizer, atrás da concepção cristã do casamento, há a hebraica. Ambas preocupadas em eliminar o amor-paixão do casamento e a impor à mulher sua obediência ao marido. O lugar do amor ficava sendo, portanto, a literatura. Literatura em que, ao contrário, a mulher reinava e era adorada, distribuía ou recusava favores livremente. Mas sempre em um cenário em que se bifurcavam dois amores: o de fora e o de dentro do matrimônio. E o de fora, levando, invariavelmente, a dolorosas dificuldades.

No teatro elisabetano, por exemplo, quando se apresenta a ideia de um poderoso amor, ao mesmo tempo carnal e espiritual, ele se liga diretamente ao tema da paixão e da morte. Lembram-se de Romeu e Julieta? A maior parte dos autores dos Tempos Modernos, dos poetas de corte aos moralistas populares, todos bordaram, com preciosismo ou realismo, variações sobre esses pontos. Até fundindo-as. Mas há uma tônica quase permanente: o poder do amor, a atração mútua dos corpos ou o perigo representado pelos charmes femininos [...].

Existem, sem dúvida, exceções. Lope de Vega, que domina o teatro do Século de Ouro espanhol, dá um lugar ao amor em suas múltiplas comédias. Ele figura ao lado da busca pelo prazer, característica de seu tempo. É o prazer o elemento que permite o triunfo do casal sobre todos os obstáculos jurídicos ou humanos que se oponham ao seu desabrochar. Mas a maioria dos escritores fica com Cervantes que, em suas Novelas exemplares, de 1613, prefere celebrar os amores honestos e pudicos, mesmo os de uma pequena cigana ou de uma servente de albergue, às paixões sem freios.

Os progressos da repressão sexual tiveram algumas consequências interessantes. Uma delas foi a de levar a sociedade ocidental, em princípio condenada a respeitar a decência e o pudor, a uma obsessão erótica ligada, muitas vezes, ao culto clandestino da pornografia. O início do Renascimento expõe, sem disfarces, as virtudes do sexo assim como o charme de seus preparativos. E o faz sem cerimônias. Os aspectos carnais do amor se exprimem com franqueza radical; os poetas que buscam sem falso pudor as alegrias do leito ou do beijo e confessam preferi-los às carantonhas de devoção parecem, em sua sinceridade, escandalosos. Aproveitando-se da revalorização da Antiguidade, artistas variados tentaram unir a inconstância do apetite erótico com a filosofia de que era preciso viver o momento presente.

As diversas etapas do amor sensual ou do desespero amoroso nunca foram tão bem cantadas como o fizeram, por exemplo, Ronsard e Shakespeare. São autores que celebram o êxtase nascido da satisfação do desejo. O Renascimento italiano, por sua vez, inaugurou o culto alegre e realista da licença amorosa. Em suas rimas voluptuosas, a beleza que se venera com toda a liberdade é a do Paraíso antes do pecado [...]. Mas a ordem moral burguesa, que então se instalava, empurrava para baixo do tapete o domínio dos escritos proibidos, o quadro da nudez e de corpos enlaçados. Enquanto a Vênus de Botticelli despia-se na tela, nos quartos, os corpos se cobriam.

O paradoxo da Reforma Católica foi o de coincidir, na Europa aristocrática, com os desenvolvimentos da civilização renascentista. Misticismo e pecado, normas e desregramento coabitavam na prática e nas representações. Sermões tenebrosos sobre o Juízo Final conviviam com uma literatura erótica cuja especificidade era o gênero pastoral, caro às cortes que se deliciavam em ouvir ou ler sobre amores de pastores e pastoras. Eles convidavam os espectadores e leitores a gozar o melhor de sua juventude, a viver plenamente, a beber, a comer, a folgar. Entre céu e inferno, a aproveitar cada dia, antes que a morte os levasse. Sua mensagem era direta: terapia de alegria e de contentamento pessoal, o bom uso do sexo não dependia, senão, da disposição física dos parceiros.

Mas os séculos ditos "modernos" do Renascimento não foram tão modernos, assim. Um fosso era então cavado: de um lado os sentimentos, do outro, a sexualidade. Mulheres jovens de elite eram vendidas, como qualquer animal, nos mercados matrimoniais. Excluía-se o amor dessas transações. Proibiam-se as relações sexuais antes do casamento. Instituíram-se camisolas de dormir para ambos os sexos. [...] Para as igrejas cristãs, toda a relação sexual que não tivesse por fim imediato à procriação se confundia com prostituição. Em toda a Europa, as autoridades religiosas têm sucesso em transformar o ato sexual e qualquer atrativo feminino em tentação diabólica. Na Itália [...] condenava-se a morte os homens que beijassem uma mulher casada e, na Inglaterra, decapitavam-se as adúlteras; em Portugal, queimavam-se, em praça pública, os sodomitas. 

Durante o século XVII, autores como Descartes, filósofo francês, tentam explicar a natureza exata do amor como fruto de uma emoção da alma, emoção diversa da agitação do desejo. O amor: oblação, dedicação e abandono de si. O desejo: posse, narcisismo, egoísmo. [...] O erotismo é visto como ruinoso e não foram poucos os que tentaram sublinhar a que ponto uma paixão podia ser fatal. O amor no casamento, por sua vez, consolidava-se na representação da "perfeita amizade" ou de união, no coração, de duas almas por meio do amor divino. O sexo era, por vezes, mencionado, mas, na amizade, a razão tinha de dominar o ardor da carne. E a razão era, nesse caso, vista como uma força ou benção divina.

Estudando a vida privada na Europa moderna, o historiador Orest Ranum percebeu que se o casamento envolvia a mistura de corpos, isso ocorria menos por amor apaixonado do que por dever; para garantir a procriação e a continuidade das famílias. As relações sexuais não eram necessariamente íntimas ou amigáveis. O ato requeria apenas privacidade. [...]

[...]

[...] Na época das Luzes o casamento foi objeto de um movimento literário ambíguo. Inspirada pela mitologia medieval e cortesã, a paixão pré-romântica, ilustrada por Werther de Goethe, publicado em 1774, insistia em punir a sexualidade. Quando o filósofo Rousseau, por sua vez, introduz o que pensava sobre o amor para uma sociedade aristocrática em busca de prazeres, suas preocupações de valorizar a inocência e a virtude apenas reiteram uma longa tradição de idealização, correspondente, sobretudo, à vontade de esconder, se não de esquecer, o ato carnal.

Outra corrente de letras europeias, contudo, celebrou a sexualidade com bem menos recato. No mesmo século XVIII, textos poéticos e literários exprimem os desejos de uma elite obcecada pela busca de volúpia sensual e do uso das técnicas eróticas mais perfeitas. Fruto da repressão sexual que suprimia até o nu da pintura - tão exposto no Renascimento -, essa sensualidade cerebral exacerbava o mito intelectual da virilidade, do qual Don Juan é um símbolo. Falante e galante, esse século só tratava de amor nos salões aristocráticos e, mesmo assim, sob as mais estritas regras de etiqueta cortesã. [...] O laço entre a hipocrisia das convenções, próprias às camadas ricas, e a tensão erótica que elas contribuem a reforçar, fornecerá o tema essencial para a libertinagem. Inspirada pela máscara da boa educação, essa retórica exprimia os constrangimentos de uma sociedade galante que matava o amor ao transformá-lo em vício. Falar de sexo tornou-se uma compensação agradável para o vazio espiritual de uma elite. O retrato mais nítido desta situação foi feito por Choderlos de Laclos, em seu As ligações perigosas.

[...]

Por volta de 1700, as cortes galantes, os chamados "salões preciosos" e mesmo os contos de fadas - muito na moda, então - realimentam o ideal do amor impossível. [...]

Os escritores franceses do século XVIII vão impor um novo modo de representar a paixão. Malgrado a presença de textos libertinos, a época da Revolução Francesa daria visibilidade ao culto romântico da paixão, ligando-o mais estreitamente à dor do que à felicidade. [...]

PRIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 78-85.

sábado, 30 de março de 2013

O passado amoroso decomposto 1: da Mesopotâmia ao Renascimento

O jardim do amor, Loyset Liedet

A herança vem de longa data. Amores gravados em pequenas tábuas de argila datadas de 1750 anos antes de Cristo, atestam, no distante passado, as manifestações de amantes apaixonados ou enciumados. Aí se canta a fidelidade ou se leem declarações escancaradas como "tenho sede do teu amor", "você é a única". Mais de um milênio depois, Cântico dos cânticos revela palavras que transpiram amor e erotismo: "Beija-me na boca, tuas carícias são melhor do que vinho...". Isso em plena Bíblia, em uma reunião de textos profanos em que Deus sequer é mencionado.

Mas é no coração da Idade Média que encontramos sinais das mudanças que nos interessam. No fim do século XI, trovadores introduzem novas relações entre homens e mulheres. Para melhor visualizar a cena, pense o leitor em uma daquelas iluminuras medievais: em vergéis floridos, casais de enamorados são retratados com delicadeza. Elas com grandes coifas e cintura marcada por vestidos elegantes que desnudam, levemente, colo e ombros. Eles, trajados com curtas capas acinturadas de largas pregas e calças colantes que sublinham a estrutura musculosa do corpo. A linguagem dos olhares e das mãos diz tudo: o jardim é o lugar de passeios galantes que avivam a espera e retardam os carinhos. O amor puro é aí cantado em versos. Versos que celebram a continência sexual conservando, contudo, uma coloração carnal que agrada à aristocracia. Nessa época, a aventura do amor cortês erigiu como tema a exaltação carnal e espiritual nas relações amorosas entre homens e mulheres. Exaltação mais idealizada do que prática, mais descrita do que vivenciada. Emprestada de sociedades vizinhas, notadamente a árabe, tal aventura fervilha de imagens sobre a submissão do amante à sua dama, valorizando, ao mesmo tempo, qualidades viris, como a coragem, a lealdade e a generosidade, encarnadas no cavaleiro. Associada aos ideais da cavalaria, a erótica trovadoresca prometia aos que servissem na corte a alegria de serem distinguidos com um amor nobre e desinteressado. Era o amor cortês e dele deriva a palavra cortesia.

Porta-vozes dessa cortesia, os trovadores escrevem poesias e as colocam em música. Cada um escolhe a esposa de um senhor a quem consagra seus versos. A dama era posta em um pedestal, enquanto o homem se esforçava por ganhar seus favores. Tratava-se de uma situação nova, pois, até então, um homem que dirigisse a uma mulher casada uma canção de amor era punido com a morte. Na canção, todavia, a dama não era mais o objeto de que podia dispor à vontade, seu senhor e mestre. Era preciso merecê-la. Invertem-se os papéis. O homem vê-se menos conquistador do que conquistado. E a mulher, menos presa do que recompensa. O amor, por sua vez, é tão mais ardente quanto impossível.

O sentimento amoroso, essência de todas as virtudes, reproduzia as condições sociais então existentes. Ele traduzia um "serviço" de tipo feudal, mas, também uma série de provas que consistiam em um método de purificação do desejo. Para manifestar o valor de seu amor e merecer a eleita, o cavaleiro, deitado no mesmo leito que sua dama, separado dela por uma espada ou uma ovelha, símbolo da pureza, observava a estrita castidade. Todos os esforços de conquista terminavam, quando muito, em um casto beijo. Na intimidade amorosa, assim como em sociedade, o perfeito amante não era mais do que o fiel servidor de sua dama. Seus deveres consistiam em lhe satisfazer as vontades, em lhe agradar, em não amar mais ninguém, em ser discreto. Longe de ser mórbida por impor aos amantes a graça de contemplar o corpo nu da dama ou o asag, em que tudo era permitido menos o ato sexual: a ética dos trovadores foi um fenômeno estritamente moralizador e incrivelmente regrado. Em matéria amorosa foi a grande invenção do século XII. [...]

[...]

O momento em que a poesia trovadoresca se expande é, também, aquele em que o Concílio de Latrão, reunido em 1215 pelo papa Inocêncio III, elabora a legislação do matrimônio, alçado a sacramento em 1439, em outro Concílio: o de Florença. Desde o século VIII a Igreja bate-se em favor da monogamia. Sim, pois os reis francos eram polígamos e a poligamia era um meio de exibir riqueza, poder e alianças políticas. [...] A reforma gregoriana no século XI define, portanto, que os casados devem respeitar a monogamia e os clérigos, se manter celibatários. Uns quanto os outros nunca foram totalmente fiéis às exigências da Igreja. Concubinas e amantes, como sabemos, existiram. Mas a poligamia desapareceu.

Tais decisões atingiram, de uma maneira ou de outra, as normas comunitárias que, de alto a baixo da escala social, regulavam as uniões conjugais no Ocidente cristão. Variando regionalmente, segundo tradições e culturas dos povos europeus, os ritos matrimoniais espelhavam sempre uma aliança que atendia, antes de tudo, a interesses ligados à transmissão do patrimônio, à distribuição de poder, à conservação de linhagens e ao reforço de solidariedades de grupos. [...]

Mais importante do que as uniões abençoadas, eram as "promessas de casamento", feitas pelo homem à família da noiva - os chamados esponsais ou desponsórios. Comemorados com grandes festas e troca de presentes, autorizavam, aos olhos da comunidade, a coabitação dos futuros cônjuges. A intervenção eclesiástica nesse processo tornou-se crescente a partir do século XIII, mas adaptou-se, em geral, aos costumes de cada lugar.

Assim, em meados do século XVI, já existiam, do lado católico, dois objetivos a propósito do casamento: reafirmá-lo como sacramento, pois protestantes como Lutero o julgavam apenas uma "necessidade física". E convertê-lo em instituição básica da vida dos fiéis, eliminando os ritos tradicionais e substituindo-os por uma cerimônia oficial e, aí, com padre e altar.

[...]

Ao longo da Idade Média, enquanto trovadores cantavam amores impossíveis, os teólogos repetiam o aforismo de São Jerônimo: "Adúltero é também o marido muito ardente por sua mulher". Mas por que maridos não podiam amar apaixonadamente suas esposas? Porque para a antiga moral cristã, inspirada no estoicismo, a sexualidade nos fora dada exclusivamente para procriar. Era perverter a obra divina, servir-se dela por outras razões. Santo Agostinho, no século V, resumia o casamento à procriação e ao cuidado com os filhos. O prazer puro e simples era "concupiscência da carne", esterilidade que submetia a razão aos sentidos. E pior: na sua opinião, a força do desejo não viria de Deus, mas de Satanás.

[...]

Durante a Idade Moderna, outra definitiva transformação acrescentou-se a essa tendência. Com o surgimento de um contrato que passou a exigir a presença de um padre e de testemunhas, a obrigatoriedade da promessa dos esposos, mais a presença do dote, das mãos sobrepostas, do anel e do princípio de indissolubilidade, as fronteiras entre as exigências do sacramento e as outras formas de convívio afetivo foram ficando cada vez maiores. Criou-se uma dicotomia. Por um lado, um sentimento regido por normas mais organizadas, além de critérios práticos de escolha do cônjuge: o chamado "bem-querer amistoso". De outro, o sentimento ditado por razões subjetivas, por vezes, inexplicáveis. Ou seja, lentamente construía-se um tipo de amor no casamento e, outro, fora. 

[...]

Nos textos do apóstolo Paulo, o amor fora do casamento, a fornicatio, a immunditia é implacavelmente condenada. A principal razão do matrimônio era a de responder ao desejo físico dos esposos por uma obrigação recíproca.  [...]

[...]

Se os padres da Igreja retomaram, por sua conta, as justificativas estoicas do casamento, São Paulo, por sua vez, mostrava ter reservas a esse respeito. O problema não parece lhe interessar. Ele o trata, de passagem, a propósito da mulher. Embora se salve pela maternidade, é ela que introduz o pecado no mundo - e não o homem. A fecundidade e a capacidade de procriar é tomada em conta como uma compensação para a inferioridade do sexo feminino. Malgrado sua preferência pela virgindade, São Paulo admite sem reserva o casamento e a união perfeita entre homem e mulher. [...]

[...]

Grande ausente dos registros cotidianos, o sentimento, todavia, multiplica-se nos registros literários. E desde a Idade Média, pois se situa, comumente, o nascimento da imagem do amor-paixão [...] na civilização cortesã do século XII. Suas características seriam feitas de valores hostis ao casamento. Valores esses que fragilizavam a fidelidade conjugal. Sim, porque o amor cortês proibia terminantemente que se fizesse amor sem amor. [...] A exaltação amorosa, exaltação alheia a leis e regras, feita de devoção ao amado ideal, conduziu a aristocracia do início do Renascimento a valorizar, teórica e literariamente, a dama. Ou seja, a mesma mulher que era subserviente na vida real, condenada por São Paulo a obedecer. Próximo, às vezes, de um erotismo ao mesmo tempo erudito e interiorizado, seu conteúdo se alimenta a partir do século XVI de certa filosofia então muito na moda: o neoplatonismo. [...]

Ao chegar a Idade Moderna, três mudanças fundamentais têm lugar na sociedade ocidental: o Estado centraliza-se e seus tentáculos começam a invadir áreas em que ele nunca, antes, penetrara. Até mesmo a vida privada. Entre alguns exemplos dessa interferência poderíamos destacar o estímulo à oficialização dos casamentos e a perseguição aos celibatários; o reforço à autoridade dos maridos, que passam a exercer uma espécie de monarquia doméstica; a incapacidade jurídica das esposas, a quem não era consentido realizar nenhum ato sem autorização de seus maridos; e quanto aos filhos, estes não podiam casar sem autorização dos pais.

Uma segunda mudança: as Reformas Protestante e Católica, além de incentivar novas formas de devoção e piedade, tornaram suas igrejas mais vigilantes sobre a moral de seus fiéis. Entre os católicos, a Inquisição perseguia, além de heresias, crimes "sexuais", como a sodomia, o homossexualismo e as posições de coito julgadas pecaminosas. E, por fim, a divulgação da leitura e do livro tornou os indivíduos mais aptos a desembaraçar-se de velhas amarras. Mas a literatura, também, os deixou mais sujeitos a alimentar representações comuns e compartilhadas sobre temas como o amor e seu antagonista, a paixão.

[...]

PRIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 69-78.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Mulheres trabalhadoras no Ocidente entre 1875 e 1914


Mulheres trabalhando numa fábrica de armamentos durante a Primeira Guerra Mundial

Em suma, essa parte do mundo agora experimentava, nitidamente, a assim chamada "transição demográfica" a partir de alguma variante do antigo padrão moderno do baixo índice de natalidade compensado pela baixa mortalidade. Precisamente como e por que sobreveio esta transição, é um dos maiores enigmas com que se defrontam os historiadores de demografia. Historicamente falando, o acentuado declínio da fertilidade, nos países "desenvolvidos", é absolutamente novo. A propósito, a ausência, em grande parte do mundo, de um declínio conjunto da fertilidade e da mortalidade explica a espetacular explosão da população global, desde as duas guerras mundiais: pois, enquanto a mortalidade tem caído extraordinariamente, em parte devido à melhora do padrão de vida, em parte pela revolução na medicina, o índice de natalidade, na maior parte do Terceiro Mundo, permanece alto e apenas está começando a declinar após o intervalo de uma geração.

No Ocidente, o declínio das taxas de natalidade e o de mortalidade eram melhor coordenados. Ambos, evidentemente, afetavam a vida e os sentimentos das mulheres uma vez que o mais notável desenvolvimento relativo à mortalidade era a queda acentuada da mortalidade dos bebês de menos de um ano, fato que se tornou inequívoco durante as últimas décadas que precederam 1914. [...] Não obstante, é razoável supor que o fato de ter menos filhos foi, na vida das mulheres, uma mudança mais notável do que a de ver sobreviverem mais filhos seus.

[...] mesmo durante o período de rápido crescimento populacional nos séculos XVIII e XIX, a taxa de natalidade europeia, nos países "desenvolvidos" e em desenvolvimento do Ocidente, era mais baixa do que a do Terceiro Mundo no século XX; e a taxa de crescimento, por mais espantosa que seja pelos padrões do passado, era mais modesta. Não obstante, e a despeito de uma tendência geral, embora não universal no sentido de uma proporção maior de mulheres se casarem e de o fazerem mais jovens, o índice de natalidade baixou: ou seja, o controle deliberado da natalidade deve ter-se difundido. [...]

Outrora, decisões tais como estas haviam sempre formado parte da estratégia da manutenção e extensão dos recursos familiares, o que significava - dado serem os europeus, em sua maioria, gente do campo - a salvaguarda da transmissão das terras, de uma geração para que lhe sucedia. Os dois mais surpreendentes exemplos de controle da progênie, a França pós-revolucionária e a Irlanda pós-fome, foram, principalmente devidos à decisão dos camponeses ou dos fazendeiros de impedir a dispersão do patrimônio familiar, reduzindo o número de herdeiros em condições de reivindicar parte dele [...]

As novas formas de controlar a dimensão da família não eram, quase certamente, devidas aos mesmos motivos. Nas cidades, sem dúvida, eram estimuladas pelo desejo de um padrão de vida mais alto, particularmente entre as classes médias baixas que se multiplicavam e cujos membros não se podiam permitir ao mesmo tempo a despesa decorrente de uma grande ninhada de criancinhas e o acesso a uma oferta maior de bens de consumo e serviços, agora disponíveis, pois no século XIX ninguém, exceto os velhos indigentes, era mais pobre que um casal com escassos rendimentos e a casa cheia de crianças. Também eram devidas às mudanças que, a esta altura, tornavam as crianças um fardo cada vez maior para os pais, uma vez que frequentavam a escola ou recebiam treinamento durante um prolongado período, permanecendo, portanto, economicamente dependentes. As proibições relativas ao trabalho de menores e a urbanização do trabalho reduziram ou eliminaram o modesto valor econômico representado pelas crianças para os pais, por exemplo, em fazendas onde podiam se tornar úteis.

Ao mesmo tempo, o controle da natalidade indicava significativas mudanças culturais, seja em relação às crianças quanto ao que homens e mulheres esperavam da vida. Se os filhos deviam ser mais bem-sucedidos que seus pais - e, para a maioria das pessoas, na era pré-industrial, isto não fora possível nem desejável - era preciso que tivessem melhores oportunidades na vida; e famílias menores tornavam possível dedicar mais tempo, mais cuidados e mais recursos a cada um dos filhos. Assim como, sob um aspecto, um mundo de mudança e de progresso abriria oportunidades de melhoria social e profissional de uma geração para a seguinte, poderia, igualmente, ensinar aos homens e às mulheres que sua vida não estava limitada a ser uma réplica da de seus pais. Os moralistas reprovavam os franceses, com suas famílias de apenas um filho ou dois; não pode haver dúvida, porém, de que na privacidade da conversa sobre travesseiros, isso sugeria novas possibilidades aos casais.

O aumento do controle da natalidade indica, portanto, certa penetração de novas estruturas, valores e expectativas na esfera das mulheres trabalhadoras ocidentais. Não obstante, a maioria delas foi afetada apenas marginalmente por esse fato.

HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 1992. p. 272-275.

quarta-feira, 27 de março de 2013

A conquista da última fronteira e o massacre dos povos indígenas nos Estados Unidos


Pastagens, Henry F. Farny

Entre as décadas de 1860 e 1880, cerca de metade da atual área dos Estados Unidos já estava ocupada e era explorada por norte-americanos, incluindo zonas recém-incorporadas como Kansas e Nebrasca. Cidades como São Francisco e Sacramento eram bastante movimentadas e a produção agrícola estava firme no vale do Willamette, Oregon. Entre essas duas "fronteiras", os povoados da costa do Pacífico e os estados imediatamente a oeste do Mississipi, estendia-se o chamado "Grande Deserto", uma imensa região de pradarias, planícies e montanhas, praticamente intocada por qualquer civilização de origem europeia.

A ocupação dessa "última fronteira" se deu por várias razões, quais sejam, a liberdade religiosa (no caso dos mórmons) ou o desejo de obter terras e ouro. Entre 1859 e 1876, houve "corridas do ouro" para pontos dispersos que mais tarde se tornariam os estados de Nevada, Colorado, Idaho, Montana, Arizona e Dakota do Sul.

Da noite para o dia, surgiram cidadelas de centenas - por vezes milhares - de pessoas, entre garimpeiros, prostitutas, mercadores, jogadores, bandidos comuns, e diversos grupos cujas profissões eram mais bem aceitas para os rígidos padrões morais do Leste: professores, advogados etc. Passada a euforia da cata fácil de pepitas na superfície, muitas dessas cidades mineiras eram, literalmente, abandonadas, transformando-se em cidades-fantasma. Por vezes, a essa primeira fase seguia-se outra de uma exploração mais sistemática dos veios de ouro mais profundos, utilizando-se de maquinaria cara. No último quartel do XIX, as "febres de ouro" norte-americanas duplicaram a oferta mundial de ouro.

Além da construção dessas cidades, a ocupação do Grande Deserto levou a novos choques com populações indígenas, culturas que, no geral, viviam da caça aos búfalos e dependiam de amplos espaços para esse fim. Embora os indígenas tenham, muitas vezes, massacrado populações "brancas", o contrário é que provocou um dos episódios mais horripilantes da história recente dos Estados Unidos. O Massacre de Sand Creek em 1864, por exemplo, em que foram mortas por um destacamento de tropas federais muitas centenas de homens, mulheres e crianças de uma tribo que tentava se render.

Os sioux, nação indígena das planícies do Norte, e os apaches, do Sudoeste, foram os povos que mais resistência bélica ofereceram aos invasores. O primeiro massacre foi feito pelos sioux em uma população de "brancos", em Minnesota, em 1862. Durante os anos da Guerra Civil e década de 1870, os embates com os sioux e muitas outras tribos continuaram, mesmo que esporadicamente. O último e sangrento combate entre sioux e norte-americanos estourou em 1876, quando começou a "corrida do ouro de Dakota". Os garimpeiros acabaram ocupando uma região que havia sido prometida aos indígenas pouco antes, Black Hills, provocando as primeiras escaramuças. O conflito terminou apenas em 1890, quando um levante em Wounded Knee, Dakota do Sul, resultou num massacre da população indígena.

No sudoeste, as guerras com os apaches haviam se prolongado até a captura de Jerônimo, um dos últimos líderes daquela nação, em 1885.

Mesmo antes do episódio de Wounded Knee, o sistema de vida dos indígenas havia sido destruído pela dizimação dos búfalos. Desde o governo Monroe (1817-1825), a política oficial fora transferir os ameríndios para terras além da "fronteira branca", sempre de maneira inábil e, por vezes, cruel, gerando campanhas de protesto entre indigenistas nas cidades e levantes indígenas como os descritos. A crítica mais feroz da política federal em relação aos nativos foi Helen Hunt Jackson. Seus livros, de grande sucesso, A Century of Dishonor (1881) e Ramona (1884), romantizaram as tribulações dos povos indígenas, comovendo boa parte da opinião pública. De qualquer forma, mesmo os defensores dos indígenas acreditavam que se tratava de culturas menores ou inferiores e que os nativos deviam ser trazidos para os "benefícios da civilização branca" e ser assimilados na "cultura dominante".

Uma bem-intencionada lei, em 1876, previa colocar indígenas em reservas mais bem estruturadas e montar escolas (normalmente protestantes) que os alfabetizariam e os introduziriam na sociedade norte-americana. Isso se provou desastroso, na medida em que não se consultou, em nenhum momento, as reais necessidades e vontades de nenhuma nação ameríndia, e as terras acabaram nas mãos de colonos americanos que as usavam para especulação fundiária. Destruídas as autoridades tribais e submetidas ao Estado, na maior parte das vezes, ausente, as comunidades indígenas entraram o século XX em grandes dificuldades. Em 1934, essa política mal orientada foi revogada pela Lei de Reorganização dos índios, numa tentativa, também desastrada, de "proteger o que sobrara da vida tribal".

O fim da "cultura das pradarias" começou ainda mais cedo, com a implantação de gado em terras antes ocupadas por búfalos. O fim dessa indústria pecuária se deu com as desastrosas nevascas de 1885-86 e 1886-87, quando milhões de cabeças de gado vacum congelaram ou morreram de fome. Para evitar novos problemas da mesma natureza, os fazendeiros abandonaram os costumes tradicionais, cercaram as pastagens e contrataram funcionários fixos para as fazendas, responsáveis pelo conserto de cercas e plantio de forragem. Morria, dessa forma, a era clássica do vaqueiro norte-americano, o cowboy que oferecia seu serviço por curtas jornadas e percorria cidades em uma vida errante e incerta. Esse vaqueiro lendário reencarnaria na ficção de escritores como Zane Grey, e depois no cinema e televisão, sempre de forma bastante romanceada.

A ponta de lança desse último impulso de conquista da fronteira, não foi nem o ouro, nem o gado, mas as estradas de ferro, maiores vendedoras de terra para colonos, uma vez que tinham interesse em fomentar o assentamento de populações nas áreas que serviam às ferrovias transcontinentais. Nos últimos trinta anos do século XIX, mais terra foi colonizada do que em toda a história americana anterior.

A lenda sobre a "última fronteira" originou-se ainda em 1893, quando o historiador Frederick Jackson Turner afirmou que, ao desaparecer a fronteira, em 1890, encerrava-se um período da história do país. Até aquele momento, para Turner, a fronteira "modelara o caráter e as instituições do país, servindo também como válvula de segurança para os descontentes urbanos", dado que muitos marginalizados das cidades teriam migrado para "fazer o Oeste".

Essa "tese da fronteira" foi contestada por outros historiadores em produções mais recentes, uma vez que mais terras governamentais haviam sido postas à disposição da colonização na década que se seguiu a 1890 do que na década anterior. Essas terras, em sua maioria, ao contrário da lenda de um território de pequenos agricultores laboriosos e pioneiros, caíram nas mãos de especuladores. Por último, para desmontar a tese de Turner e seus seguidores, é preciso lembrar que os trabalhadores urbanos que tentavam "fazer o Oeste", muitas vezes, vinham sem treinamento, equipamentos, poupança ou crédito e acabavam seus dias em grandes dificuldades ou vendendo suas terras a especuladores. Os índices de migração, desde a Guerra Civil, mostram que a maioria das pessoas que queria fugir da pobreza movia-se do campo para a cidade e não o contrário.

Seja como for, o legado óbvio desse último Oeste foi, com seus vigilantes, xerifes de fronteira e associações de criadores de gado, a criação de uma tradição de justiça rude. Junto da violência, um dos traços mais evidentes da lenda da fronteira foi a idealização de uma terra de liberdade individual e de igualdade. Até hoje, em filmes que trabalham com ideias do senso comum, as pessoas que querem liberdade fazem uma viagem pelo Oeste, percorrendo suas estradas desertas, pradarias e parando em cidades que há um bar que reúne todos os tipos de gente e onde a lei é levada pelas "mãos dos justos".

Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Moraes. A conquista da última fronteira. In: KARNAL, Leandro. (org.). História dos Estados Unidos - das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2010. p. 161-164.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Os índios na visão dos portugueses


A descoberta da terra, Cândido Portinari

Saindo de Portugal no dia 9 de março de 1500, a frota de treze navios comandada por Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, depois de quase sete semanas de viagem. Ou melhor, chegou a uma terra desconhecida: o Brasil não tinha ainda esse nome. O que então aconteceu, sabemos hoje através das cartas escritas por Pero Vaz de Caminha - escrivão da frota - e enviadas ao rei D. Manuel. [...]

O que mais chamou a sua atenção foram os habitantes - para ele - muito estranhos em seus costumes. No domingo de Páscoa, dia 26 de abril de 1500, Caminha anotou que esses habitantes - que serão chamados de índios - viviam "como aves, ou alimárias monteses, às quais o ar faz melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque seus corpos são tão limpos e tão gordos e formosos que não pode mais ser. Isso me faz presumir", continua ele, "que não têm casas nem moradas em que se acolham, e o ar, a que se criam os faz tais". Esta última suposição foi corrigida no dia seguinte com o regresso dos degredados - mandados para sondagem -, que trouxeram a notícia de uma aldeia, a uma légua e meia da costa, com nove ou dez casas compridas "como esta nau capitânia", escreveu Caminha.

À bela aparência do índio, à sua robustez, de corpo asseado, saudável, Caminha relacionou imediatamente as aves e alimárias. Ele não economizou, apesar disso, palavras para mostrar o seu encanto e espanto por essa vida, surpreendentemente preservada em estado bruto. Como os animais se degradam no cativeiro, Caminha presumiu que os índios não têm casas para morar. Portanto, aqueles habitantes foram equiparados aos animais selvagens, criados em liberdade.

No dia 26 de abril já fazia cinco dias que a armada de Cabral se encontrava no Brasil. Nesses cinco dias, aos poucos, os contatos com os índios foram se estreitando. No dia 23, quando se deu o primeiro contato entre índios e portugueses, houve troca de presentes, mas a distância. Já no dia seguinte, Afonso Lopes trouxe dois índios a bordo da nau capitânia, em primeira visita. Na manha de sábado, dia 25, novo encontro para troca de presentes, mas aí juntaram-se perto de duzentos índios. Nesse mesmo dia, eles auxiliaram os portugueses trazendo "cabaços de água e tomavam alguns barris que nós levávamos", disse Caminha. Porém, de parte a parte permanecia um receio, pois, se traziam a água, não demonstravam ainda total confiança, como nota Caminha: "não que eles de todo chegassem à borda do batel. Mas, junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos". Na Páscoa, três dias depois do primeiro encontro, notou que "como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadouro". No dia 30 ele registra finalmente que os índios "estavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles".

Observando atentamente o modo de vida dos índios, Caminha concluiu que "eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame [mandioca], que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam". Enfim, ele não viu indício de que os índios trabalhassem. Aparentemente, eles não faziam nenhum esforço para se proverem do necessário, pois a natureza era generosa. Por isso, eram robustos. Não apenas robustos, mas também formosos, "de bons rostos e bons narizes, bem feitos", observa Caminha. E essa boa aparência não estava relacionada com trabalho. Não havia trabalho. Não lavram nem criam, segundo Caminha. Apesar disso, eram numerosos. No dia 27 de abril, Caminha contou perto de quatrocentos ou quinhentos índios.

Desconhecendo o trabalho árduo ou simplesmente o trabalho, muito embora numerosos, os índios eram, apesar disso, robustos e bem dispostos. Sem esforço colhiam e se alimentavam de raízes e ervas, frutos saborosos, peixes, mariscos, caranguejos, ostras, lagostas e camarões. A impressão de Caminha era de que os índios viviam em meio à abundância.

De fato, no final do século XVI, Gabriel Soares de Sousa, um morador do Brasil, falava dos índios como bons caçadores e pescadores, grandes mergulhadores. No livro que escreveu - Tratado descritivo do Brasil -, não há o menor indício de que viviam na pobreza ou na miséria.

Essa existência sem trabalho, mas abundante em provisões, só poderia ser atribuída, afinal, à bondade da terra. Os camarões, por exemplo, impressionaram Caminha numa refeição: entre eles, disse, "vinha um tão grande e tão grosso como em nenhum tempo o vi tamanho".

Menos atento aos índios que à natureza, Pero Lopes - que veio em 1530 ao Brasil, com seu irmão Martim Afonso - escreveu que "em um dia matávamos 18 mil peixes, entre corvinas e pescadas e enxovas [...] assim que lançávamos os anzóis na água, não havia demora para recolher os peixes". Ele afirmou que o pescado daqui era o mais saboroso que havia experimentado. Dizia que a caça era abundante e havia muito mel.

[...]

A natureza não agride o homem. Ao contrário, parece favorecê-lo de todas as formas, facilitando a sua existência. Os bons ares não corrompem, pois "nenhuma carne nem pescado apodrece", afirmou Pero Lopes. Mesmo no verão, quanto "matávamos veados e trazíamos a carne dez, doze dias sem sal, não fedia".

Assim, os primeiros portugueses acreditavam que a abundância da terra era de tal ordem que o homem estava seguro em suas provisões no presente e, tanto quanto se podia prever, também no futuro. Os mantimentos eram inesgotáveis. Vivia-se ou se poderia viver, portanto, a folgar. O trabalho era, simplesmente, desnecessário.

Sobre o clima, Caminha disse que "a terra em si é de muitos bons ares, assim frios e temperados..." - quer dizer, o clima aqui era muito ameno. Os que vieram depois dele reforçaram essa visão idealizada: o clima do Brasil era tal que a natureza por si só preservava a saúde dos homens. Em dez meses de Brasil, como registrou Américo Vespúcio, "não só nenhum de nós morreu, mas poucos adoeceram". Opiniões idênticas expuseram Manuel da Nóbrega, Anchieta, Simão Vasconcelos, Fernão Cardim, Gandavo e outros que aqui vieram no século XVI.

Esse elogio da temperatura amena é compreensível para os homens habituados aos rigores do inverno europeu. [...]

Segundo o historiador Sérgio Buarque de Holanda, o paraíso era insistentemente definido como o lugar em que o frio e o calor não se extremavam e onde os alimentos não apodreciam facilmente.

De fato, no Brasil, os portugueses pareciam ter descoberto o paraíso, pois Pero Lopes não falava com admiração que a carne, mesmo no verão, depois de "doze dias sem sal, não fedia"? Ele parecia estar diante do paraíso, quando relatou que "a terra é a mais formosa e aprazível que eu jamais cuidei de ver não havia homem que se fartasse de olhar os campos e a sua formosura". [...]

[...] E essa visão paradisíaca foi ainda reforçada pela nudez dos índios. Sem a preocupação de cobrir suas "vergonhas", eles pareciam ser a imagem perfeita do homem inocente que desconhecia o pecado, como Adão e Eva antes do fruto proibido. Caminha fala com admiração daquelas "três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos mui pretos e compridos pelas espáduas e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tinham nenhuma vergonha". Sobre uma outra, ele dirá que "era tão benfeita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições fizera envergonhar, por não terem a sua como ela".

[...]

Mas essa idealização paradisíaca não durou muito. À medida que os portugueses foram se instalando, uma nova visão - desta vez, depreciativa - começou a ser elaborada. [...]

As cartas de Caminha não continham apenas idealizações. Como arguto observador, ele percebeu outras importantes peculiaridades da sociedade indígena. Ele notou que entre os índios "andava um aí que falava muito aos outros que se afastassem [dos portugueses] mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo", desconfiando, assim, que entre eles talvez inexistisse alguém com poder e autoridade no sentido conhecido pelos portugueses.

Quando na noite de sexta-feira, 24 de abril, dois índios foram conduzidos por Afonso Lopes à nau capitânia, notou Caminha que os visitantes "não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão". Não obstante, Cabral - que era o Capitão - cuidara de se apresentar impecavelmente, "sentado em sua cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e ao pé uma alcatifa por estrado. Sancho Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa". "Bem vestido", "com colar de ouro" e tendo os demais aos seus pés: Caminha esperava que os visitantes, sensíveis a esse ritual, acabassem por se inclinar ou reverenciar Pedro Álvares Cabral. Mas a estudada encenação do poder foi em vão. Os dois não deram atenção especial ao capitão, como Caminha esperava.

Num outro dia, 26 de abril, "o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo" para atravessar o rio, numa ostensiva demonstração de autoridade perante os índios ali reunidos e misturados aos portugueses. Do outro lado da margem, chamou a todos, mas apenas alguns índios curiosos chegaram até ele, "não porque o reconhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem nem tomam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio", conclui Caminha.

[...]

Na Bahia de Todos os Santos, trinta e um anos depois, exatamente no dia 13 de março de 1531, Pero Lopes, no entanto, teve uma impressão oposta à de Caminha: "os principais homens da terra", disse ele, "vieram fazer obediência ao Capitão", que era Martim Afonso de Sousa. Tal comportamento, entretanto, fora provavelmente recomendado por Diogo Álvares Correia - Caramuru -, que, segundo Pero Lopes, vivia há vinte e dois anos entre eles. Talvez esse "fazer obediência" não significasse mais que gestos mecânicos e formais que tinham sentido apenas para os portugueses, ângulo pelo qual preferiu interpretá-los Pero Lopes.

Para Caminha, a própria existência desses "principais" estava em questão [...]. Se entre os índios houvesse um chefe investido de poder, Cabral teria com quem dialogar. [...] A ausência desse centro - ou seja, de um rei ou de outra autoridade - não permitia o vislumbre de qualquer ordem social humana concebível pelos portugueses. A aparente pulverização da sociedade indígena foi sentida como algo ameaçador. Para os portugueses, a agressão, sempre possível, foi percebida como ferocidade animal, selvagem, muito precariamente contida até ali. Por isso, Caminha não fala em relações pacíficas com os índios, mas em "amansá-los", pois pareciam não ter um chefe com suficiente autoridade para assinar acordos e obrigar os súditos a cumpri-los. "Amansá-los" significava, pois, manter a paz por meio da iniciativa unilateral dos portugueses.

Entre os índios, portanto, Caminha não conseguiu identificar nenhum indivíduo provido de autoridade, capaz de representá-los perante o capitão e falar em nome daquela gente. [...]

Numa carta atribuída a Américo Vespúcio e endereçada a Francesco de Medici, a sociedade indígena é descrita de maneira muito peculiar. Segundo Vespúcio, os índios não têm economia porque "não têm bens de propriedade; porém tudo lhes é comum" e "não há entre eles comerciantes nem comércio"; não têm política porque "vivem juntos sem rei nem império, e cada qual é senhor de si". não têm religião nem justiça porque "não possuem templos nem leis, nem são idólatras"; não têm propriamente exércitos ou generais porque "guerreiam-se entre si, sem arte nem ordem"; e, para suprema desordem, não têm família nem casamento porque "tomam tantas mulheres quantas querem, e o filho se junta com a mãe, e o irmão com irmã, e o primo com a prima, e o caminhante com a que encontra. Basta a vontade para matrimoniarem, no que não observam ordem alguma".

Essa visão revela, antes de qualquer coisa, uma profunda incompreensão dos europeus em relação às sociedades indígenas. Ao contrário do que diz Vespúcio, elas tinham, sim, uma ordem, mas completamente diferente daquela que se conhecia nas sociedades europeias do período. [...] O português Pero de Magalhães Gandavo, sintetizou bem o que os europeus pensavam sobre as sociedades indígenas. Disse ele que na língua tupi não havia as letras F, L e R e disso concluiu que era "coisa digna de espanto porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem terem além disso conta, nem peso nem medida". [...] Mas o francês Jean de Léry, que esteve no Brasil em 1557, ficou admirado com a disciplina em meio à aparente desordem, ao dizer que os índios "não observam ordem de marcha, nem categoria; os mais valentes, porém, vão na frente e marcham juntos, parecendo incrível que tanta gente se possa acomodar espontaneamente e se erguer ao primeiro sinal para uma nova marcha".

O jesuíta Manuel da Nóbrega escreveu que entre os índios "os que são amigos vivem em grande concórdia entre si e amam-se muito [...]. Se um deles mata um peixe, todos comem dele; e o mesmo de qualquer animal de caça". [...]

Os portugueses perceberam, portanto, que as sociedades indígenas eram igualitárias: dividiam alimentos entre si, desconheciam a propriedade privada. Assim, livres da ganância, não brigavam por riquezas. Por esse motivo, não precisavam de Estado ou governo. Se tinham chefes - "principais" -, a eles obedeciam por vontade própria, não por obrigação.

Todavia, essas qualidades aparentemente positivas não entusiasmaram os portugueses. Pois, se o igualitarismo era, em princípio, uma coisa boa, a falta de autoridade que disso decorria era condenada como um defeito muito grave. Por exemplo, os índios "têm muitas mulheres", escreveu Nóbrega. Por isso, Fernão Cardim, também jesuíta, ficou em dúvida se havia casamento entre os índios, não só porque aos homens era permitido ter muitas mulheres, mas também por as "deixarem facilmente por qualquer arrufo ou desgraça, que entre eles aconteça". Gabriel Soares de Sousa, que viveu na Bahia no final do século XVI, estranhava, por sua vez, que "os machos destes tupinambás não são ciosos e, ainda que achem outrem com as mulheres, não matam ninguém por isso". Em resumo, a união entre homens e mulheres era instável devido à falta de autoridade dos maridos sobre suas esposas.

Da mesma forma, os portugueses notaram a inexistência da autoridade paterna. Os índios, afirma Cardim, "amam os filhos extraordinariamente [...] e não lhes dão nenhum gênero de castigo [...] [e] estimam mais fazerem bem aos filhos que a si próprios". [...]

Desse modo, se o marido não exerce sua autoridade sobre a esposa, e os pais sobre os filhos, não poderia haver ordem familiar, assim como a ausência de governo provocava a desordem social. Essa era a conclusão dos portugueses. Passava-se, assim, de uma visão inicial mais simpática para uma outra, depreciativa e preconceituosa dos índios.

No final do século XVI, os portugueses já tinham feito um amplo inventário sobre a natureza das sociedades indígenas [...],

KOSHIBA, Luiz. O índio e a conquista portuguesa. São Paulo: Atual, 2012. p. 7-16. 

sábado, 23 de março de 2013

A trajetória dos índios no continente americano

Não se sabe quando o continente americano foi povoado, qual a antiguidade do ser humano na América. Alguns estudiosos consideram que a presença humana é antiquíssima. A arqueóloga Maria Conceição Beltrão investigou sítios na Bahia e propôs que ali houvesse vestígios de um antepassado humano, o Homo erectus, entre 500 mil e 1 milhão de anos. Teriam chegado à América do Sul por uma ponte de gelo, que possivelmente ligava a África Meridional à Patagônia. Outros estudiosos pensam que apenas a nossa espécie, o Homo sapiens, tenha chegado à América. A pesquisadora Niède Guidon, ao estudar sítios arqueológicos no Piauí, sustenta que ali havia ocupação humana há mais de 50 mil anos. Teriam chegado àquele local por duas vias possíveis: ou pelas ilhas do Pacífico ou pelo Oceano Atlântico. Ainda com relação à Alta Antiguidade, outros estudiosos, como o biólogo Walter Neves, propõem que havia mesmo uma migração humana anterior à última glaciação - provavelmente há mais de 20 mil anos - de grupos humanos diferentes dos índios que conhecemos hoje. Eles teriam vindo da Ásia pelo estreito de Bering, colonizado o continente, mas não teriam sobrevivido à chegada mais recente, na última glaciação, dos antepassados dos índios atuais, chamados de mongoloides em virtude de suas características físicas, como o olho puxado.

Na verdade, não há muitas evidências concretas da presença de grupos humanos anteriores e diversos da população indígena. Os estudos mais recentes sobre a pré-história mundial não apresentam motivos, até o momento, para aceitar essa presença de grupos humanos anteriores aos asiáticos ou mongoloides. Os arqueólogos Chris Gosden e Clive Gamble são dois estudiosos que ponderam pela dificuldade das hipóteses da presença do Homo sapiens na América há muitos milênios. Nossa espécie teria saído do continente africano há apenas cem mil anos e sua chegada à América tardaria muito tempo. A navegação e colonização das ilhas do oceano Pacífico são muito tardias, apenas nos últimos milhares de anos, o que dificulta a teoria da chegada mais antiga por essa via. Por fim, não há vestígios humanos numerosos e bem datados que possam fundamentar essas hipóteses.

Sobram, entretanto, evidências da presença indígena a partir dos últimos 12 mil anos. As análises genéticas, linguísticas e arqueológicas parecem indicar que a colonização do continente pelos índios se deu de Norte a Sul a partir do estreito de Bering, tendo ocupado toda a imensa área do Alaska à Patagônia em poucos milhares de anos.

Como podemos narrar e interpretar a história indígena nos últimos milhares de anos? Isso depende do ponto de vista que adotarmos e do nosso objetivo.

O modelo interpretativo mais difundido visa a entender, a partir de um número limitado de variantes, os grandes momentos dessa trajetória. Essas variantes são o domínio técnico do mundo material (tecnologia) e a consequente configuração das relações de poder na sociedade, referente ao grau de estratificação social existente. Essa abordagem deriva do evolucionismo, surgido na Biologia, aplicado às sociedades humanas. A partir dela, estuda-se o passado indígena observando o processo que leva ao conhecimento crescente das técnicas, com a passagem de um estágio menos elaborado a outro tecnologicamente mais evoluído.

Segundo a narrativa construída a partir desse enfoque, o uso da pedra permitiu a confecção de artefatos líticos necessários à caça, à pesca e à coleta. As sociedades primitivas, de caçadores e coletores, eram nômades e viviam em assentamentos temporários, pois mudavam de lugar com frequência. Elas tinham também uma estrutura social pouco diferenciada, com chefes e xamãs que exerciam um poder brando sobre o grupo. Esses foram os primeiros habitantes do continente americano, que viveram assim por milhares de anos.

Após esse período, em alguns lugares apenas, certos grupos humanos passaram a dominar novas técnicas, passado a produzir vasos de cerâmica e a domesticar plantas e animais. Com isso, tais grupos tornaram-se mais sedentários e constituíram aldeias maiores e mais estáveis. Como resultado desse processo, as diferenças sociais aumentaram. Os caciques adquiriram um poder mais efetivo e os conflitos entre as tribos indígenas intensificaram-se, com um grande aumento das guerras e, até mesmo, com a formação de confederações de tribos, que lutavam umas contra as outras.

Por fim, da evolução dessas sociedades, em algumas partes do continente americano, surgiram Estados. Na América do Sul, isto ocorreu apenas nos Andes. Ali, alguns grupos atingiram um domínio tecnológico excepcional, por meio de uma produção agrícola intensiva e elaborada, com a produção de grande excedente que podia ser acumulado por uma elite dominante. Isso permitiu o desenvolvimento de um Estado que abrangia uma sociedade muito bem estratificada, como a inca, com um sistema monárquico elaborado, com uma corte real e, com o tempo, a formação de um verdadeiro império, que se estendia por uma imensa área nos Andes. O domínio tecnológico dos metais permitiu a formação de um grande exército. O uso da escrita possibilitou a administração do império. Processos semelhantes ocorreram na América Central, com os maias, e na América do Norte, com os astecas.

Podemos apresentar, de forma esquemática, essa perspectiva no seguinte quadro:

Perspectiva tecnológica evolucionista da História indígena

Tecnologia

Estrutura social
Formação política
pedra
caçadores e coletores
xamanismo

cerâmica
agricultores
cacicado tribal

metais e escrita
populações urbana e rural
monarquia e império


classes sociais



Essa perspectiva é muito útil para compreender, em grandes traços, processos tecnológicos, sociais e políticos.

Posteriormente, os estudiosos de língua inglesa procuraram aprimorá-la, com a definição de cinco etapas esquemáticas:

* Hunters and gatheres (caçadores e coletores)
* Agriculture (agricultura)
* Rank (classe social, graduação)
* Chiefdoms (chefias)
* State (Estado)

Segundo esta gradação, temos uma imagem piramidal explicativa de que, no passado mais remoto, havia apenas caçadores e coletores, sendo que alguns evoluíram para, numa etapa mais recente (em 1500 d.C.), chegar a formar um Estado imperial, como o inca:

Estado imperial
Chefias ou cacicados
Tribos com estratificação social
Agricultores sedentários e ceramistas
Sociedades de caçadores e coletores itinerários

A perspectiva evolucionista chegou a ser criticada por diversos estudiosos por dar a entender que haveria uma progressão valorativa: da "simplicidade e barbárie" dos caçadores e coletores para a "sofisticação e complexidade" das sociedades com classes sociais, estratificação, cidades, províncias e até um império, como o inca. Como se fosse melhor viver em um império do que em uma tribo. Além disso, a progressão evolucionista, adotada sem as devidas ressalvas, pode dar a falsa impressão de que cada etapa põe fim à anterior, quando, na verdade, mesmo à época dos incas, coexistiam caçadores, coletores, agricultores, tribos confederadas e cacicados. E, mais do que isso, tinham lugar ao mesmo tempo, numa mesma cultura, tecnologias de diferentes "etapas tecnológicas". Por exemplo, o uso dos metais não significou o abandono total do uso da pedra. (Mesmo nos dias atuais, é possível observar sua aplicação na separação dos grãos do milho nos campos europeus, em particular no espanhol.) Igualmente, comunidades que adotaram a agricultura nem por isso deixaram de caçar ou coletar quando tinham oportunidade. (Hoje, como obtemos alguns tipos de cogumelo? E certos tipos de trufa? Por meio da coleta, claro, e neste aspecto somos coletores.)

Entretanto, essa classificação não foi abandonada pelos estudiosos, pois, sem a carga valorativa, tem sido muito útil para compreender alguns aspectos da trajetória indígena e, nesse sentido, continua sendo empregada. Com ela, podemos visualizar a importância das transformações tecnológicas e seus impactos na estrutura social e política das sociedades indígenas. Contudo, esta não é a única maneira de se observar a experiência histórica dos índios e outras abordagens, que, por exemplo, se baseiam na valorização da diversidade cultural, nos ajudam a ter uma visão mais acurada, pois complementam aquela baseada na evolução tecnológica.

Essas outras abordagens, chamadas por alguns de "culturalistas", por enfatizar as especificidades culturais, apresentam uma visão mais difusa do passado indígena e não fazem uma classificação que possa ser comparada àquela proposta pelo evolucionismo.

Nessa perspectiva, o nomadismo da floresta tropical, modo de vida praticado por diversos grupos humanos como os nucaques, é explicado não como o resultado de uma tecnologia primitiva, mas é tido como fruto de escolhas culturais desses grupos que os levaram a não quererem adotar outras tecnologias. Poderiam ter domesticado animais e plantas ou desenvolvido a cerâmica para armazenamento de alimentos, já que tiveram contato com povos que dominavam tais técnicas, mas escolheram, por suas disposições simbólicas e culturais, não fazer nada disso.

No extremo oposto, os incas criaram um grande império, com escrita, corte real e as melhores estradas do mundo no século XV. Porém, muitos povos sob seu jugo mantiveram-se como tribos de agricultores, sem grande diferenciação interna e pouco contentes com o fato de terem de pagar tributos para o Estado imperial inca. Só aceitavam o domínio inca por imposição militar, mas sua visão de mundo nada tinha a ver com a inca.

Ainda no mesmo século XV, outros povos da América viviam em tribos confederadas e em guerra entre si, como os tupis.

As classificações e esquemas podem ser didaticamente úteis, mas sempre podem ser reavaliados. Por exemplo, estudos das sociedades indígenas americanas têm mostrado que muitos conceitos explicativos como os fundados no colonialismo e na dominação social (que reconhecem "inferioridades" e "superioridades" entre culturas e povos distintos) devem ser revistos. Os índios nunca utilizaram a roda e nem por isso as estradas incas deixaram de ser as melhores do mundo à sua época, no século XV. A ideia da "domesticação" de animais não se aplica a muitas sociedades indígenas que como os nucaques não usam os animais em cativeiro para produzir alimentos ou outros bens, mas os incorporam em seu convívio de maneira simbólica e espiritual. A oposição radical entre sociedades letradas e ágrafas tampouco parece muito esclarecedora. Em primeiro lugar, sistemas de escrita foram utilizados por indígenas, como no caso da grafia por ideogramas dos maias. Os incas usaram um método original, composto por cordas e nós para registrar sua língua quíchua. Em seguida, como argumenta o estudioso britânico Gordon Brotherston, os desenhos corporais, os penachos, os vasos de cerâmica, as pinturas em couro e nas paredes das cavernas, tudo isso e muito mais consistem em sistemas de escrita, de transmissão de informação de maneira sofisticada e complexa (tão longe, portanto, da simplicidade atribuída aos índios ainda por alguns).

Outras visões antes consagradas também têm sido criticadas, como a que afirma que nas sociedades caçadoras e coletoras há necessariamente uma divisão de tarefas por sexo, ou seja, o homem é o caçador e a mulher é quem faz a coleta e que, por isso, o homem é hierarquicamente superior à mulher. Essa imagem contradiz os resultados de estudos, tanto de comunidades indígenas vivas, como do passado, que mostram que, em muitas delas, às mulheres cabem múltiplas funções e não só as chamadas "domésticas". Eles revelam a existência de grupos indígenas em que a posição da mulher é proeminente, algo muito distante da imagem da mulher passiva que os europeus que os contataram traziam consigo. Basta lembrar que, quando chegaram ao Amazonas, os colonizadores encontraram mulheres guerreiras que chefiavam suas tribos e, por isso, deram a elas o nome das míticas lutadoras gregas antigas: "amazonas". Esse nome deriva da posição hierárquica excepcional dessas índias, também no campo da guerra, considerado pelos colonizadores como apanágio masculino. A arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt estudou os assentamentos pré-históricos amazônicos, assim como a cerâmica marajoara, com sua onipresente representação dos atributos femininos da fertilidade e concluiu, de forma enfática, que as mulheres ocupavam uma posição hierárquica relevante. Para além do caso bastante conhecido das amazonas, estudiosas têm mostrado que, em outras tribos indígenas, as mulheres também exerciam papéis sociais muito importantes e valorizados. A arqueóloga cubana Lourdes Dominguez estudou diversas tribos indígenas, dentre as quais as de língua aruaque, presentes tanto no Caribe, como na América do Sul - povos que viviam no Brasil, na Venezuela e nas ilhas caribenhas. Entre eles, encontrou tribos em que as principais divindades eram femininas e a linhagem era materna, tanto no que se refere à descendência como à herança, de modo que a criança era considerada pertencente à família da mãe, assim como os bens eram passados por linha materna. Documentos do início da colonização também se referem a "cacicas", no feminino.

É bom notar que, apenas nas últimas décadas, com a crescente participação das mulheres como estudiosas das sociedades indígenas, foi possível perceber que nem todas as sociedades indígenas eram (ou são) patriarcais. [...] 

Nessa mesma linha, também cabe comentar [...] sobre a diversidade de sexualidades registrada em tribos indígenas. Pesquisas têm mostrado a existência de sociedades indígenas que reconhecem mais do que dois sexos. A arqueóloga norte-americana Barbara L. Voos é uma das estudiosas desses personagens sociais que não são considerados nem "homem" nem "mulher", mas estão em uma terceira categoria designada "muxes" pelos zapotecas, "berdaches" pelos illinois, "winktes" pelos lacotas, "ikoneta" pelos ilinos, "egwakwe" pelos chipewas, "axi" pelos xumaxes, "miati" entre os hidatsas, entre muitos outros nomes que variam de tribo a tribo. O que importa é o reconhecimento da existência de pessoas que não são tratadas como homens ou mulheres, são vistas como de um outro tipo.


Dança para o berdache, George Catlin


Isso se reflete nas relações sociais estabelecidas dentro do grupo. Um grupo indígena, por exemplo, que admite homens, mulheres, e homens que vivem como mulheres e vice-versa, organiza as relações humanas de uma maneira particular. Esta conclusão é um alerta contra as óticas interpretativas que ignoram a diversidade de sexualidades e de relações de gênero entre os indígenas, mas também na nossa sociedade. E é por isso também que esse tema é muito importante hoje [...], no Brasil, pois embora nossa sociedade reconheça a existência de gays, lésbicas e transgêneros, entre outros, com vários direitos garantidos por lei, ainda há muito preconceito e discriminação por conta de suas diferenças.

FUNARI, Pedro Paulo; PIÑON, Ana. A temática indígena na escola: subsídios para professores. São Paulo: Contexto, 2011. p. 38-49.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Os pobres na Europa do século XVI

Os aleijados, Pieter Bruegel

[...] A causa da intensa carestia do custo de vida e das dificuldades encontradas na aquisição de trigo e pão na cidade e jurisdição de Provins era a grande quantidade de pessoas que havia nela, das cidades e dos povoados de Bray, de Sens, de Auxerre [...], de Borgonha, da Champagne, do Bourbonnais [...], pessoas que se lançaram em multidão através de toda a região de Provins, alguns para comprar trigo e pão, outros para encontrar trabalho, sem pedir outra remuneração que o pão e a sopa que lhes garantiam o sustento [...].

[...] É impossível descrever o infortúnio e a pobreza dessa época miserável, e creio que todo aquele que ler esta ou qualquer outra história escrita sobre essa carestia e esse período de fome não conseguirá crer. Dentro das muralhas da cidade de Troyes, na Champgne, apareceu um grande número de estrangeiros pobres que não pertenciam à cidade nem à referida região, e os habitantes da cidade não sabiam que medida tomar. Para se desfazer deles fizeram proclamar pelas ruas que tais estrangeiros não poderiam permanecer na cidade mais do que vinte e quatro horas, medida acatada pelos estrangeiros pobres.

Porém, além deles, havia na cidade uma quantidade ainda maior de pobres que pertenciam à própria cidade e aos povoados que a circundavam, até o ponto em que os ricos começaram a temer que se produzisse uma revolta ou uma sublevação dos pobres contra eles e, visando conseguir expulsá-los da cidade, os homens ricos e os governadores da cidade de Troyes se reuniram em assembléia, dispostos a encontrar uma solução para o problema. A resolução deste conselho foi a de que se tinha de expulsar os pobres da cidade e não admiti-los mais. Para tanto, mandaram assar pão em quantidade para distribuí-lo entre os pobres, os quais seriam reunidos numa das portas da cidade sem que soubessem o que se tramava e, distribuindo a cada um a parte correspondente de pão e uma moeda de prata, os fariam sair da cidade por aquela porta, que seria imediatamente fechada após passar o último dos pobres, e, por cima das muralhas, lhes diriam que fossem viver com Deus em outro lugar e que não mais voltassem à cidade de Troyes antes da colheita seguinte. E assim foi. Os pobres expulsos depois da distribuição se mostraram horrorizados e alguns deles, chorando, procuraram um caminho a tomar para chegar a algum lugar onde pudessem ganhar a vida, enquanto outros amaldiçoavam a cidade e seus habitantes que assim os expulsaram, olhavam o último naco de pão que lhes havia sido distribuído e desejavam sua própria morte, muitos ter-se-iam alegrado se a terra se abrisse sob seus pés e os tragasse.

Poucos dias depois que os habitantes de Troyes se fizeram valer dessa artimanha para se desfazer dos pobres da cidade, a doença e a morte caíram sobre eles tão violentamente que não houve maneira de escapar, e [...] há quem diga que esta morte lhes foi enviada por Deus como castigo por haverem expulsado os pobres.

Documents inédits de l’Histoire de France. In:  BRAUDEL, Fernand. Las civilizaciones actuales. Madri: Editorial Tecnos, 1969. p. 359-360.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Os domingos, o sal e as escrituras


O mais antigo painel do Cristo: Saint Catherine's Monastery (Sinai), século VI.

A atual forma do cristianismo, as observâncias e os dias santos, aparecem aos poucos. O domingo, inicialmente, não era necessariamente o dia do Senhor. Os judeus haviam reverenciado o sábado como seu dia e, de início, os cristãos tendiam a reverenciar esse dia como o coração da semana. São Paulo começou a conferir ao domingo o dia de reverência, uma vez que era o dia da ressurreição de Cristo. Quando o imperador Constantino tornou-se cristão e fez com que o Império Romano entrasse em conformidade com sua nova fé, sua lei de 321 declarou o domingo como sendo o dia de adoração na cidade, mas, não, no interior. Lá, as vacas e cabras tinham de ser ordenhadas, a colheita feita e a terra arada, independente do dia.

A Páscoa logo tornou-se a época especial do calendário dos cristãos, mas sua data exata não foi escolhida facilmente. Ao longo das costas da Ásia Menor, o coração inicial da Cristandade, o dia de Páscoa não era primeiramente no domingo. Durante anos, os teólogos cristãos discutiram sobre o dia ideal em que a Páscoa deveria cair. Seu desacordo foi mais estridente em 387; naquele ano, na Gália, o Domingo de Páscoa foi celebrado em 18 de março. Na Itália, aconteceu exatamente um mês depois e, em Alexandria, foi ainda mais tarde, sendo celebrado em 25 de abril. No sétimo século, uma região da Inglaterra celebrava o Domingo de Ramos no mesmo dia em que outra parte celebrava a Páscoa. A unidade da Cristandade era frequentemente muito precária.

Muitos dos dias especiais do ano cristão vinham muito tarde. Durante três séculos, as primeiras igrejas ao redor das margens do Mediterrâneo não celebravam o nascimento de Cristo. Com o tempo, os cristãos, com bastante sensatez, aproveitaram da oportunidade dos festivais populares que tinham há muito tempo sido reservados para marcar o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte. Assim, em Roma, o dia 17 de dezembro tinha sido celebrado como o dia pagão das festividades, conhecido como Saturnália, mas esse dia de regozijo acabou sendo tomado à força pelos cristãos e mudado para 25 de dezembro, quando foi proclamado ser o dia do nascimento de Cristo. Mesmo quando Roma decidiu de uma vez por todas celebrar o atual dia de Natal, os cristãos em Jerusalém aderiram, ao contrário, ao dia 6 de janeiro.

Como o dia do nascimento de Cristo, o dia especial reservado a Maria, a mãe de Cristo, demorou a achar um lugar no calendário cristão. Em 431, o Conselho de Éfeso deu a Maria um papel de honra; e o seu dia, 25 de março, cada vez mais tornou-se conhecido como o Dia da Anunciação. À medida que crescia o culto a Maria, um culto de menos vulto se desenvolveu em torno de sua própria mãe, Ana: e um dia chamado de "a concepção de Santa Ana" acabou sendo reverenciado na cidade italiana de Nápoles. Por centenas de anos, Maria recebeu mais veneração nas igrejas do oriente do que nas do Ocidente.

O cristianismo lentamente adaptou alguns de seus rituais vindos da vida cotidiana dos romanos. Por exemplo, quando um bebê romano chegava ao seu oitavo dia, alguns grãos de sal eram colocados em seus pequeninos lábios, na fé de que o sal afastaria os demônios que poderiam, do contrário, prejudicar a criança. Quando a igreja cristã, em seu início, batizava seus novos seguidores, ela benzia um bocado de sal e, imitando o costume romano, dava-o aos batizados. Isso era para manter o ensinamento de Jesus que, sabendo como os pobres desperdiçavam no uso do sal, escolheu o sal como símbolo para o que era precioso e raro. Quando foi às montanhas, disse a seus discípulos: "Vós sois o sal da terra".

Em muitos dos lugares em que grandes quantidades de cristãos se reuniam, eles se envolviam em debates animados entre si. Discutiam porque vinham de vários partes do Império Romano, discutiam porque Cristo às vezes falava em parábolas e não deixava muito claro seu significado para aqueles que ouviam sua mensagem em segunda mão, discutiam porque confiavam naqueles que, depois da morte de Cristo, escreveram seus ensinamentos e ofereceram visões conflitantes do mesmo sermão ou milagres. E, às vezes, os cristãos discutiam entre si porque cada um lia nas palavras de Cristo o que eles próprios queriam ler. Ainda assim, um sinal de unidade era inegável; os viajantes geralmente se sentiam em casa, pelo menos em espírito, quando entravam numa igreja cristã longe de casa.

Por pelo menos quatro séculos, o cristianismo era como um metal quente despejado de fornos em moldes de formatos variados. Às vezes, um forno quase explodia ou o fogo era apagado. Frequentemente, os fornos eram remodelados e, muitas vezes, eram ampliados. Os moldes eram mudados repetidas vezes, de forma que se os primeiros seguidores de Cristo tivessem voltado a viver novamente, não teriam reconhecido muito bem muitas das crenças e rituais da igreja que eles tinham ajudado a fundar. Teriam ficado mistificados por outro fato: o fim do mundo, tão iminente em seus olhos e um estímulo tão insistente em suas profundas crenças, ainda esperava no futuro.

Enquanto isso, a cidade de Roma estava deixando de ser o coração do vasto império. Os exércitos do império e sua procissão de generais famosos começaram a substituir as velhas instituições de Roma como centro do poder. Além disso, a cidade era sitiada muito longe em direção à extremidade ocidental de um império cuja verdadeira riqueza e equilíbrio da população ficava na extremidade oposta do Mar Mediterrâneo. Consequentemente, no ano 285, o império foi dividido, por facilidade administrativa, em dois: o Império do Ocidente, governado a partir de Milão, e o Império do Oriente, governado a partir da cidade de Nicomédia, localizada no Mar de Mármara, a cerca de 100 quilômetros a leste da atual cidade de Istambul, florescendo, em pouco tempo, com majestosos prédios.

Na história, muitos acontecimentos fundamentais são moldados por forças, movimentos e fatores escondidos, mas, ocasionalmente, uma pessoa quase sozinha muda a direção do mundo. Um menino que vivia na cidade de Nicomédia em seus anos de maior orgulho, quando batalhões de pedreiros praticamente se atropelavam, veio a ser um desses moldadores de grandes acontecimentos. Constantino era o filho de um oficial de exército que subiu de cargo rapidamente e tornou-se o imperador da metade ocidental do império. Quando o imperador Constantino foi morto em batalha em York, na Inglaterra, em 306, o filho, com um pouco mais de 20 anos, foi aclamado pelo exército como sucessor de seu pai. Constantino provou ser um grande general. Para a surpresa de muitos, ele era extremamente solidário com o cristianismo. Na França, seis anos depois, ele se converteu. Em suas campanhas militares, daí em diante, trazia consigo uma capela portátil que seus serventes podiam rapidamente instalar dentro de uma barraca, possibilitando, assim, que os serviços religiosos fossem realizados para ele e seus companheiros em questão de poucos minutos.

Constantino acreditava que o cristianismo era intrinsecamente adequado a ser seu aliado. Não desejava dominar o Estado, por já estar há muito tempo acostumado a um papel mais humilde. Com a tendência de ser internacionalista, não mostrava o fervoroso sinal nacionalista às vezes visível no judaísmo. Podia se encaixar perfeitamente num império multirracial. Por tratar todos de forma igual, o cristianismo parecia bastante adequado a um império que consistia de gregos, judeus, persas, eslavos, germanos, ibéricos, romanos, egípcios e muitos outros. Seu único defeito era que nem sempre demonstrava respeito ao imperador e sua pretensão à divindade; mas, uma vez que Constantino se tornou cristão, esse defeito foi automaticamente eliminado.

Na história do cristianismo, nenhum acontecimento sequer, desde a crucificação de seu fundador, foi tão influente quanto a mudança de atitude do jovem imperador Constantino no ano 312 d.C. Ele oferecia tolerância cívica aos cristãos, e restaurou propriedades que tinham sido confiscadas deles. Com sua mãe, começou a construir grandiosas igrejas, uma das quais tão distante quanto Jerusalém.

Até então, os cristãos provavelmente não constituíam mais do que um em cada 12 habitantes do vasto Império Romano, mas agora, de repente sentados numa posição privilegiada ao lado do imperador, seus adeptos rapidamente se multiplicaram. Pela primeira vez, havia mais pessoas dentro do império frequentando os cultos de adoração cristãos aos domingos do que as sinagogas aos sábados. Os residentes das cidades que um dia podem ter escarnecido dos cristãos achavam-se perguntando se, no novo clima religioso, eles poderiam ganhar promoção ou favores seculares se fossem vistos frequentando um local de adoração cristão.

Em comparação, as sinagogas, que às vezes tinham estado a favor dos governadores romanos, eram agora desprezados. Em menos de um século, os judeus perderam seu direito de casar-se com cristãos, a não ser que mudassem de religião, e perderam seu direito de servir ao exército. Não podiam tentar converter outras pessoas a sua religião; em vários lugares, as multidões destruíam sinagogas. Os padrinhos do cristianismo foram, na verdade, declarados ilegítimos. Na era anterior, alguns judeus em algumas cidades tinham tentado prejudicar os cristãos, voltando as autoridades romanas contra eles. Mas, agora a banda tocava do outro lado, e tocava mais alto e cada vez mais.

Constantino não era bem um cristão ortodoxo (ele colaborou para que seu filho fosse morto) mas não se desviou de sua crença de que Deus estava a seu lado. Havia só uma religião para seus olhos e aqueles que não aderissem a ela eram uma ameaça ao império. Tornou-se ainda mais fervoroso em sua fé.

Constantino morreu em 337 e foi enterrado na cidade ainda pequena de Constantinopla, que ele havia planejado. O auge de Roma havia nitidamente passado e havia perdido sua supremacia para essa nova cidade do Oriente.

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BLAINEY,  Geoffrey. Uma breve história do mundo. São Paulo: Fundamento Educacional, 2004. p. 82-85.