"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 12 de maio de 2016

O consumismo, a propaganda e a mulher na década de 1920

Na década de 1920 firmou-se não só um "estilo de vida americano", mas também a cultura de massas americana, graças à conjugação da produção em série, da propaganda e das vendas a crédito. O rádio, o cinema, os jornais e as revistas foram os grandes divulgadores do american way of life. O número de aparelhos de rádio nos lares americanos saltou de 100.000, em 1922, para 2 milhões, em 1925. A frequência semanal aos cinemas duplicou, atingindo no final da década 100 a 115 milhões de espectadores. As estrelas de cinema tornaram-se os grandes símbolos de sucesso e passaram a ditar moda e costumes.

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Já no início do século XX, as cadeias de lojas e os catálogos de vendas pelo correio popularizaram os artigos fabricados em série (roupa pronta, comida enlatada, móveis, eletrodomésticos etc.) e difundiram informações e valores para muito além dos grandes centros metropolitanos. Contribuíram para um novo nível de estandardização da vida cotidiana e de homogeneização das das diferenças entre o campo e a cidade.



O sistema de pagamento a prestações encorajava as pessoas a consumir além das suas possibilidades. Em 1925, os consumidores americanos utilizaram a venda a prestações para comprar mais de dois terços dos móveis e eletrodomésticos e pelo menos três quartos dos automóveis, pianos, máquinas de lavar, máquinas de costura, geladeiras, gramofones etc.

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Industriais e publicitários norte-americanos da década de 1920 usaram todos os meios para estimular no público o desejo de possuir bens. Anunciavam os aparelhos eletrodomésticos como equipamentos que poupavam trabalho e tempo à mulher. Seduziam o público com imagens de aspiradores, máquinas de lavar roupa e ferros elétricos associadas a figuras de mulheres modernas e elegantes, que mesmo na cozinha usavam salto alto e maquiagem. Os publicitários tornaram-se verdadeiros manipuladores do comportamento humano. Souberam explorar as descobertas da Psicologia sobre a motivação das ações, utilizando imagens e associações de ideias que despertavam emoções no consumidor, incitando-o a comprar. Aos poucos, a propaganda foi deixando de fornecer informações objetivas sobre um produto para transformá-lo em "necessidade que melhorava o nível de vida da família". Inventando necessidades, a propaganda impelia o consumidor a comprar.

Os publicitários logo perceberam que o mercado consumidor era predominantemente feminino, Na década de 1920, as pesquisas mostravam que 80% das compras nas grandes cidades dos Estados Unidos eram feitas por mulheres, Por isso, a maior parte dos anúncios passou a ser dirigida às mulheres, em especial às donas-de-casa. Criou-se a ideia de que o consumo era a tarefa primordial da dona-de-casa. "Ir às compras" era moderno, elegante e "importante" - dizia a mensagem subliminar dos anúncios nas revistas femininas. A nova imagem da mulher substituía a figura tímida, delicada e submissa de antes pela da mulher decidida e sociável. A mulher moderna ideal gostava de se divertir, mostrava-se atraente para os homens e sabia o que queria. A publicidade deu uma nova concepção consumista às propostas feministas, isto é, a mulher moderna "sabe o que quer" porque decide o que comprar. Um anúncio de produtos domésticos publicado no Chicago Times em 1930 proclamava: "A mulher de hoje obtém tudo o que quer. O voto. Finos forros de seda para substituir volumosos saiotes. Objetos de vidro em safira azul ou em âmbar resplandescente. O direito a uma carreira. Sabonetes combinando com as cores de seu banheiro".

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Não se pode pensar a cultura de massas da década de 1920 como se fosse o padrão de toda a sociedade americana. O crescimento econômico e seus resultados materiais estavam distribuídos de forma desigual nos Estados Unidos. Até a década de 1930, as mulheres negras que trabalhavam nas plantações de tabaco em Durham, Carolina do Norte, por exemplo, lavavam a roupa de suas famílias em bacias no quintal, utilizavam latrinas fora de casa e cozinhavam em fogões a lenha. Além da diferença do poder de compra, havia outros elementos que mantinham as desigualdades: enquanto a maior parte das casas urbanas podia contar com energia elétrica, água canalizada e fornecimento municipal de gás, grande parte das áreas rurais não possuía esses serviços.

No Brasil, as revistas femininas da época já anunciavam as maravilhas domésticas para a mulher moderna. No entanto, mesmo nas residências de famílias ricas, o trabalho pesado era deixado à mão-de-obra barata de arrumadeiras e faxineiras, conforme lembra uma empregada doméstica: "Para limpar o assoalho eu espalhava areia nas tábuas e esfregava de joelhos, com um tijolo. Depois, varria, jogava água e puxava com um pano torcido, rodo não existia. Imagina como ficava o rim de quem esfregava o tijolo!". (Citado em BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.)

RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: imagem e texto. São Paulo: FTD, 2002, p. 102-4.

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