"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 14 de março de 2011

As mulheres na sociedade egípcia

Detalhe da pintura mural da tumba de Nebamun que mostra dançarinas e instrumentistas. c. 1350 a.C. 

Texto 1. Os relevos e pinturas dos túmulos fornecem imenso e importante material para estudar a vida cotidiana dos antigos egípcios. Apesar de os grandes túmulos terem pertencido apenas aos membros dos grupos sociais mais ricos, algumas cenas de seu interior permitem-nos lançar um olhar sobre o cotidiano de grande parte da população.

As informações transmitidas por estas cenas podem ser complementadas por objetos de uso diário, que eram muitas vezes sepultados com seus proprietários. Os textos literários e administrativos são também importantes.

Assim, é possível conhecer um pouco o papel das mulheres no Egito antigo analisando a decoração dos túmulos. Nessas cenas, a esposa ou a mãe do proprietário do túmulo têm maior destaque. Em geral, as duas aparecem vestidas de forma simples mas elegante, sentadas comodamente com o homem à mesa de oferendas. Por vezes, elas acompanham o homem quando ele observa cenas de trabalho.

No outro extremo, encontramos as mulheres ocupadas em trabalhos domésticos, fazendo pão e cerveja, fiando ou tecendo. São atividades feitas, provavelmente, em aposentos domésticos de uma casa mais rica.

A cor amarela da pele das mulheres indica, entre outras coisas, uma menor exposição ao sol do que a dos homens, representados com aparência mais avermelhada. Isso sugere uma reclusão maior da mulher.

É possível que não fosse seguro para elas se aventurarem pelos espaços externos. Um texto de Ramsés III afirma: "Tornei possível à mulher egípcia seguir o seu caminho, podendo as suas viagens prolongar-se até onde ela quiser, sem que qualquer outra pessoa a assalte na estrada", o que implica não ter sido sempre este o caso. 

Nos túmulos mais antigos as mulheres estão ausentes dos trabalhos de maior destaque e das diversões mais agradáveis. Para além das cenas de tocadoras de instrumentos e de dançarinas acrobáticas, o papel das mulheres nesse período parece ter sido muito restrito.

As mulheres não tinham quaisquer títulos importantes e, à exceção de alguns membros da família real e das rainhas, dispunham de pouco poder político.

O título que detinham em geral era o de senhora da casa. Quase todas eram analfabetas. (Adaptado de: BAINES, John; MÁLEK, Joromír. O mundo egípcio. Deuses, templos e faraós. Madrid: Edições del Prado, 1996. v. 2. p. 190-205.)

Modelo de mulher moendo grãos. 1º Período Intermediário - início do Reino Médio (2134-1991 a.C.)


Texto 2. O lugar da mulher no Egito Antigo é essencial. Para convencer-se disso é suficiente estudar a documentação desse período: desde estatuetas de terra ocre do Neolítico até os relevos que exaltam a beleza de Nefertiti, ou o encanto matizado de helenismo de Cleópatra. Os traços físicos sublinham as origens afro-asiáticas da população; as representações, os objetos e as inscrições comprovam o interesse atribuído à beleza, aos penteados, às vestimentas, aos cuidados do corpo e do gosto pelos perfumes preciosos.

A mulher tem um estatuto próximo ao do homem. Os textos jurídicos tratam do casamento, da gestão dos bens, sem esquecer o divórcio, o futuro do patrimônio dos filhos e as questões de herança. Mas, qualquer que seja sua posição social, a mulher é primeiramente uma dona de casa, que administra o cotidiano com seus imprevistos, vela pela manutenção corrente da casa, ocupa-se dos filhos, sem esquecer os pais idosos. Na alta sociedade, as esposas de funcionários administram a vida doméstica e, eventualmente, acolhem os hóspedes e preparam as festas. Como nas áreas rurais, a casa possui um bom número de criadas, cujos vínculos são bem diversos: da liberdade à completa servidão.

Na arte egípcia, encontram-se numerosas representações de mulheres nos trabalhos de artesanato - tecelãs de linho, padeiras etc. - bem como nos trabalhos dos campos. São representadas também como carregadoras de oferendas em procissões. Por último, encontram-se muitas "carpideiras", cujas lamentações acompanham a dor das famílias durante os dias que dura o ritual fúnebre. (SALLES, Catherine (dir.). Larousse das Civilizações Antigas 1: dos faraós à fundação de Roma. São Paulo: Larousse do Brasil, 2008. p. 66.)

Cena de banquete. Tebas, Reino Novo, XVIII dinastia, ca, 1400 a.C.

Texto 3. Em épocas posteriores a tradição realçou a sedução e a afabilidade das mulheres egípcias. Isto ajuda a nos dar a impressão de uma sociedade que lhes concedia maior independência e uma condição mais elevada do que a recebida pelas suas irmãs em outras civilizações. Deve-se atribuir certa importância a uma arte que representa as damas da Corte vestidas em belos e reveladores tecidos de linho, lindamente penteadas e adornadas de jóias, usando cosméticos cuidadosamente aplicados, cujo fornecimento merecia muita atenção dos mercadores egípcios. Não se deve dar peso excessivo a isto, mas até mesmo a impressão pictórica da maneira pela qual as egípcias da classe governante eram tratadas, é importante e revela dignidade e independência. Os faraós e as suas consortes – e outros casais nobres – são por vezes retratados também com uma intimidade de sentimentos não encontrada em parte alguma na arte do antigo Oriente Próximo antes do primeiro milênio antes de Cristo, sugerindo uma verdadeira igualdade emocional que dificilmente pode ser considerada acidental.

As belas e atraentes mulheres representadas em muitas pinturas e esculturas podem refletir um certo potencial político do seu sexo, inexistente em outros lugares. Na prática, muitas vezes o poder era transmitido pela linhagem feminina. Uma herdeira conferia ao marido o direito à sucessão: daí haver grande preocupação com o casamento das princesas. Muitos casamentos reais uniam irmão com irmã, aparentemente sem efeitos genéticos insatisfatórios; alguns faraós se casaram com suas próprias filhas, talvez mais para evitar que alguém se casasse com elas do que para garantir a continuidade do sangue real. Algumas consortes exerceram importante poder, e uma chegou até a ocupar o trono, fazendo questão de aparecer nos rituais com uma barba cerimonial postiça, usando roupa masculinas e adotando o título de faraó.

Também há muita presença feminina no panteão egípcio, notadamente no culto a Ísis, o que é sugestivo. A literatura e a arte enfatizam que o respeito pela esposa e pela mãe ultrapassava os limites da nobreza. Tanto as histórias de amor quanto as cenas da vida familiar destacam um erotismo suave, descontração e informalidade. Algumas mulheres sabiam ler e escrever, e há uma palavra egípcia para designar a mulher escriba, mas é claro que não havia muitas ocupações oferecidas à mulher fora do lar, exceto as de sacerdotisa ou prostituta. No entanto, as mulheres abastadas podiam dispor dos seus bens e os seus direitos legais parecem em muitos aspectos semelhantes aos das mulheres sumérias. (ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 106-107.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário