"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 6 de março de 2011

Cultura como mercadoria

Os ceifeiros (detalhe), Pieter Brueghel


Na sociedade  capitalista, comida não serve apenas para alimentar as pessoas: serve também como produto tanto para aquele que planta e vende quanto para o consumidor que paga um preço por ela, sem falar nos atravessadores, intermediários, que nem produzem e nem consomem, apenas comerciam.

Da mesma forma que a comida, tudo na sociedade capitalista, além do seu valor intrínseco ou utilitário é mercadoria: tem um preço, uma estratégia de venda, pessoas que podem ou não comprá-la e assim por diante. Não é difícil pensar em outros produtos com os quais se dá o mesmo fenômeno: um automóvel, um apartamento, roupas, etc. Em nossa sociedade, ter acesso a estes produtos não depende de quão necessários eles possam ser para alguém e sim que condições de pagar por eles as pessoas têm. Em relação à cultura ocorre o mesmo.

Um filme para ser produzido e visto depende de verbas, técnicas competentes, bom esquema de distribuição, além das simples "ideias na cabeça". Um livro também sofre um processo de industrialização e de comercialização. Quanto à música nem se fala! Sai mais barato comprar nos EUA uma matriz já gravada e reproduzi-la aqui, do que juntar músicos num estúdio e pagar os custos de uma gravação original. No caso da música há ainda o fato de que para muitos a melodia é suficiente, tornando-se desnecessária a tradução enquanto que livros necessitam de traduções caras e produções editoriais próprias. Daí a enorme facilidade de penetração cultural por intermédio da música.

Através de repetições frequentes, molda-se o gosto tanto de apreciadores de música como de telespectadores. Dessa forma, o jovem brasileiro conhece melhor certas musiquetas produzidas por um obscuro grupelho inglês ou americano (que dentro de três ou quatro anos deixará de existir) do que clássicos da música popular brasileira.

Da mesma forma sabemos perfeitamente como se constrói um forte apache típico do oeste americano, mas não temos a menor ideia de como era uma cidade brasileira do século passado, como Sorocaba das feiras de muares, para não falar dos acampamentos dos bandeirantes ou do mobiliário das "casas grandes" do período açucareiro.

Isto tudo ocorre porque a informação cultural transforma-se em mercadoria com etiqueta, preço e tudo. Só o desenvolvimento de uma consciência histórica bastante crítica poderá permitir às pessoas se darem conta disso e eventualmente lutarem pelo direito à cultura desejada e não à cultura imposta.

Jaime Pinsky. A cultura como mercadoria. In: PINSKY, Jaime et alli. História da América através de textos. São Paulo: Contexto, 2004. p. 135-136.

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