"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 3 de abril de 2012

Moradia e vestimenta dos escravos nas fazendas de café

As senzalas - habitações coletivas dos negros escravos - eram construções bastante longas, sem janelas (ou com janelas gradeadas), dotadas de orifícios junto ao teto para efeito de ventilação e iluminação. Edificadas com paredes de pau-a-pique e cobertas de sapé, possuíam divisões internas e um mobiliário que se resumia a um estrado com esteiras - ou cobertores - e travesseiros de palha. Às vezes, e se era o caso, havia também um estrado para o escravo guardar seus pertences. Em algumas fazendas, nem as divisões internas eram efetuadas. Em outras, as senzalas eram menores. Em quase todas, os casais desfrutavam de uma situação especial, morando em pequenos barracos de pau-a-pique cobertos com folhas de bananeiras. Embora não houvesse empenho notável em "fazendas de reprodução" (como as que haviam nos Estados Unidos), constata-se a preocupação em se dar um mínimo de conforto aos casais para que eles reproduzissem força de trabalho para o senhor.

Os solteiros dormiam em casas separadas - homens e mulheres - e as crianças ficavam com as mães. É importante notar que, apesar de todos os inconvenientes registrados pela família dos senhores - ruído, odor, medo - a senzala era construída junto à casa-sede da fazenda. Afinal, por maiores inconvenientes que essa prática pudesse ter, não era nada comparada à preocupação que tinha o proprietário em zelar pelo seu patrimônio.

E o escravo era, frequentemente, o que de mais valioso o senhor "possuía".

No século XIX, as numerosas manufaturas de algodão espalhadas pelo país especificavam que sua produção não se destinava aos brancos e livres, porém aos negros escravos. Era um tecido grosso com o qual costuravam-se calças, camisas e uma espécie de colete longo, destinados a proteger o escravo durante o ano inteiro. As mulheres, dependendo do trabalho realizado, usavam saia e blusa de chita ou cretone.

Havia uma diferença substancial na vestimenta de escravos urbanos e rurais e dentre estes, entre os que trabalhavam no campo e os escravos domésticos. Nos campos, principalmente no verão, os escravos eram cobertos por trapos que se deterioravam rapidamente pela ação do esforço realizado e das intempéries. Sol excessivo e chuva não eram, geralmente, motivos para a interrupção do trabalho. Já os escravos domésticos, escolhidos dentre os que eram considerados mais bonitos (pelos padrões estéticos dos proprietários brancos), recebiam roupas sempre limpas, inteiras e às vezes até luxuosas, como era o caso de certas mucamas.

Negro e negra numa fazenda, Rugendas

Na cidade já não era possível deixar o escravo seminu. Mesmo assim, parece que os proprietários, por economia, tentavam fazer isso: são frequentes os registros a respeito de leis e portarias que tinham por função reprimir aquilo que era considerado abusivo e atentatório à moral e aos bons costumes. Escravo seminu podia dar multa ao patrão.

A representação que nos chega do negro escravo, particularmente aquele que trabalhava no campo, é a de um bruto selvagem. Mais ainda, ele nos é apresentado como uma figura primitiva, dominada pelo instinto. Sua figura, temível e atraente, povoa a imaginação dos "civilizados", fascinados por seu "estado natural". Esses estereótipos, que persistem até hoje em nossa sociedade, decorrem, na verdade, não de alguma característica do negro em si, mas do seu papel social e de sua aparência possível, ambos determinados pelo senhor branco...

PINSKY, Jaime. A escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 50, 52.

4 comentários: