"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 14 de abril de 2012

Conjuração Mineira: "Dez vidas dar!"

Jornada dos Mártires, Antônio Parreiras

Vila Rica [...] foi um dos palcos de manifestações da crise do sistema colonial.

As contradições com a metrópole cresciam à medida que os aluviões auríferos se esgotavam. A partir de 1750, a Coroa decidiu que o rendimento anual do quinto deveria ser de 100 arrobas, pois os relatos da Intendência davam a entender que a diminuição da arrecadação devia-se mais à fraude e ao extravio que ao declínio da produção. O que faltasse para atingir esse total era anotado. Seria pago de qualquer forma, quando o rei decidisse, numa vila escolhida arbitrariamente e de surpresa, para evitar levantes. Era a derrama, que tanto aterrorizava a população da capitania de Minas. Sua decretação era prenúncio de violência por parte das autoridades, através dos "Dragões": invasões de domicílios, saques, prisões e torturas dos que protestassem.

De um lado, a opressão metropolitana. De outro, a crise econômica na região aurífera. Como pano de fundo, a incentivar a rebeldia, notícias da vitória dos norte-americanos contra os ingleses, em 1783, e das manifestações pré-revolucionárias na França. Tudo isso fazia crescer o nível de consciência dos setores intermediários da sociedade, que tinham maior acesso aos meios de cultura: padres, militares, literatos, estudantes, a pequena burguesia urbana empolgada com as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade. Essa percepção da exploração metropolitana aparecia nos versos dos poetas, como nestes de Cláudio Manuel da Costa, rico advogado, criador de porcos e gado, senhor de muitos escravos que acabou morrendo na prisão, para onde foi levado pelo crime de conspirar:

"O vasto empório das douradas Minas
Por mim o falará: quando mais finas
Se derramam as lágrimas no imposto
Clama o desgosto de um país decadente."

Muitos conspiraram, sonhando com um país onde só eles mandariam. Homens poderosos, ricos e influentes, donos de mansões em Vila Rica, participaram da fase preparatória do movimento. Estes foram mais tarde alijados do processo, exatamente por causa do seu prestígio: o escrivão do inquérito omitiu trechos, houve farsa na cronologia do movimento apresentada ao governador. A "lei" beneficiava os mais ricos...

O projeto dos conspiradores defendia a livre produção, com apoio ao desenvolvimento de manufaturas têxteis e siderúrgicas, além do estímulo à produção agrícola, através da doação de terras às famílias pobres. [...] A condenação da escravidão era apenas moral; afinal, muitos participantes do movimento tinham escravos nas suas casas ou nas suas terras.

As frustrações pessoais confundiam-se com as necessidades coletivas e tudo contribuía para levar os mineiros à revolução. Muitos conjurados tinham dívidas altíssimas com a Coroa portuguesa. Na devassa - inquérito instaurado para apurar os "crimes" - Joaquim José, o Tiradentes, diz:

"o fato de ser alferes influiu para transformar-me em conspirador, levado a tanto que fui pelas injustiças que sofri, preterido sempre nas promoções a que tinha direito. Uni as minhas amarguras às do povo, que eram maiores, e foi assim que a ideia de libertação tomou conta de mim".

No plano político, os conspiradores divergiam. Enquanto alguns defenderam a formação de uma república federativa [...] outros preferiram um regime monárquico constitucional.

O que se acertou de imediato foi a transferência da capital para São João d'El Rei, ficando em Vila Rica a universidade que seria fundada [...]. Decidiu-se também a adoção de uma bandeira com o lema Libertas quae sera tamem e o início do levante para o dia da cobrança da derrama pelo governador visconde de Barbacena. Naquele ano de 1789 ela atingia 384 arrobas.

Grandes planos, que não foram muito além das salas de reunião. Isolados da grande massa do povo, pensando em armas para o levante só no último momento, os sediciosos eram estruturalmente fracos, mesmo com o possível apoio dos Estados Unidos, que tomaram conhecimento da conspiração a partir de um contato entre Thomas Jefferson, seu embaixador na França, e o estudante José Joaquim da Maia.

Assim, para acabar com a Conjuração Mineira foi suficiente a denúncia do coronel Silvério dos Reis, devedor de grossas somas à Fazenda Real, homem "doloso, fraudulento e falsificador", confirmada por Brito Malheiros e Inácio Pamplona.

Prisão de Tiradentes, Antônio Parreiras

A devassa, iniciada em Minas, durou quase três anos, encerrando-se na capital. A primeira sentença, condenando 11 acusados à morte, foi modificada pela rainha Dona Maria I, que estabeleceu o degredo perpétuo para aqueles dez pelos quais o Tiradentes daria dez vidas, se as tivesse. A única que de fato tinha lhe foi tirada, numa condenação em que serviu de bode expiatório. Joaquim José, dentre os processados, era o mais pobre e o menos letrado. Os padres envolvidos cumpriram suas penas em conventos penitenciários de Portugal.

Resposta de Tiradentes, Leopoldino Faria

Exemplo para os moradores da colônia, advertência para que ninguém ousasse tramar contra o rei, a sentença de Tiradentes tinha requintes de crueldade:

"depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais público será pregada em poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postos onde o réu teve suas infames práticas, e a casa em que vivia será arrasada e salgada".

Tiradentes esquartejado, Pedro Américo

Para as autoridades metropolitanas, tudo estava resolvido.

ALENCAR, Francisco et alli. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 88-90.

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