"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Rebeldias e sublevações na América espanhola: os índios

Trabalho compulsório indígena. Detalhe de mural do pintor mexicano Diego Rivera.

Índios e negros lutaram de formas distintas contra amos europeus e seus descendentes. O historiador chileno José Toribio Medina publicou documentos dos tribunais da Inquisição que relatam processos por feitiçaria exercida contra os dominadores. Serviçais, tanto homens como mulheres, são acusados de envenenar seus patrões com filtros mágicos, orações. Muitos são os brancos persuadidos de que suas doenças, mal-estares e desventuras têm origem nas ações secretas e diabólicas de seus dependentes e subordinados.

À parte a imaginação dos supersticiosos conquistadores e colonizadores, não há dúvida de que negros, índios e mestiços com acesso direto a seus amos, tenham aproveitado a oportunidade para matá-los com poções venenosas; para praticar contra eles artes malignas, de cuja eficácia pode-se, obviamente, duvidar.

Há ocasiões em que a rebelião começa sob o aspecto de uma reforma religiosa. É o que acontece em 1712 entre os maias dos altos de Chiapas (sul do México), em meio a profunda crise do sistema colonial. Após a imensa depressão que caracteriza o século XVII há um renascer da economia mercantil. Crescem as exigências tributárias e novas terras em poder dos índios lhes são expropriadas. O primeiro bispo natural da região, Alvarez de Vega, na cidade de San Cristóbal, antes mesmo de ocupar seu cargo decide, na Guatemala de onde é originário, aumentar os direitos que as paróquias têm a obrigação de oferecer ao bispado. Isto obriga os sacerdotes - geralmente indivíduos de origem humilde e pouca renda - a aumentar a pressão sobre os fiéis. Quem não tem dinheiro, deve oferecer milho, cacau e peças de tecidos. Assim, o bispo organiza o comércio em grande escala dessas mercadorias. Os nativos denunciam a espoliação a que estão sendo sujeitos. A esta situação, soman-se espanhóis e crioulos de San Cristóban que, compulsoriamente, vendem roupas, utensílios e vários produtos aos indígenas, sem preocupar-se se podem ou não pagar. Os devedores vêem seus bens embargados, perdem suas terras e gados. O intercâmbio forçado provoca um verdadeiro marasmo.

O movimento de 1712 inicia-se a partir da descoberta de uma "imagem que fala" da Virgem Santíssima, feita por um jovem da comunidade de Cancuc. A instabilidade psicológica gerada pela crise - diz Henri Favre - se canaliza em termos religiosos. Não tarda o surgimento da insurreição armada.

Na região de Tucumán (hoje Argentina), entre 1657 e 1665, os índios calchaquís se sublevam, liderados por um aventureiro espanhol chamado Pedro Bohorquez, o qual reclama para si a coroa incaica. O falso inca instala sua capital e organiza sua corte; tenta discutir com a autoridade colonial usando seu poder. Entre os antecedentes deste movimento, cuja importância certamente não foi subestimada pelos contemporâneos, cita-se a sublevação dos índios diaguitas e calchaquís na mesma região, entre os anos 1630-1635.

No Peru, entre várias rebeliões, citaremos duas. A primeira começa em 1743 quando o índio Juan Santos se proclama o "último inca", e nas montanhas de Chanchamayo passa a usar o prestigioso nome de Atahualpa II, rei dos Andes. Os revoltados ocupam o forte de Quimirí e enforcam os soldados prisioneiros. A resposta não tarda e o forte é bombardeado pelos espanhóis. A rebelião se arrasta. Seis anos mais tarde, corre o rumor que Juan Santos foi assassinado por seus partidários. Os índios que vivem nas cidades - e até esse momento silenciosos simpatizantes do rei dos Andes - começam conspirar abertamente. Em Lima, as reuniões se realizam na colina de Amancaes, e o número de conspiradores ascende a mais de dois mil. Os planos da insurreição são revelados por um mestiço chamado Jorge Gobea, traindo o movimento e o governador prende os chefes, entre os quais há alguns negros. Logo após as torturas (capazes de "fazer um mudo cantar") seis dos chefes são enforcados e esquartejados e suas cabeças expostas publicamente.

O Vice-rei persuadiu-se de que a repressão terrorista servira para inibir futuras tentativas. Equivocou-se. Em 29 de setembro de 1749 em Huarochiri, quase às portas de Lima, mais de 20 mil nativos estão em formação de combate. Em maio de 1750, após árdua luta - na qual a traição tem um papel relevante -a acaba tudo. A divisão e a anarquia entre os sublevados, aliadas à traição, foram decisivas para a derrota.

A outra insurreição [...] acontece no Peru em novembro de 1780. Seu chefe é José Gabriel Condorcanqui, que se dizia bisneto do décimo-sexto inca, executado em 1571 em Cuzco. José Gabriel passa a usar o nome do seu bisavô, Tupac Amaru; é cacique da província de Tuita e foi aluno brilhante em Colégio de Nobres. Ainda que tenha traços de origem indígena, Condoscanqui se veste como um cavalheiro espanhol e mostra um comportamento e uma cultura refinados. Seu movimento é claramente social: é contra a brutal exploração do índios nas minas e nas oficinas artesanais; contra os castigos físicos executados pelos amos e autoridades coloniais; contra a violência; as cobranças e multas dos corregedores, temíveis funcionários; contra os tributos abusivos.

A sublevação de Tupac Amaru, que conta também com o apoio de outros líderes como Tomás Catari e Tupac Catari [...], sacode o império espanhol e seus ecos chegam a Buenos Aires e Santiago do Chile. As massas nativas do Peru, de grande parte da Bolívia e de regiões do norte argentino, somam-se ao movimento. Após intensas batalhas, nas quais os índios mostram grande valentia, mas também indisciplina, o poder espanhol triunfa e José Gabriel tem seu corpo esquartejado por quatro cavalos. Previamente, cortaram-lhe a língua. Depois de morto, cortaram-lhe a cabeça. Pedaços de seu corpo foram levados no lombo de mulas aos lugares onde a insurreição fora mais forte. Ficaram expostos para lição daqueles que pretendessem seguir seu exemplo. Não obstante, três anos mais tarde, a rebelião ressurge novamente, desta vez liderada por Felipe Velazco, que adota o nome de Tupac Amaru Yupanqui. Entre o povo, corre o boato de que Tupac Amaru não está morto.

Os historiadores discordam sobre os objetivos finais do formidável movimento de Tupac Amaru. O autor do mais importante trabalho sobre o assunto, Boleslao Lewin, opina que o objetivo perseguido é a total expulsão dos espanhóis e a instauração de um Estado indígena.

POMER, León. História da América Hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 122-123.

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