"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 17 de novembro de 2012

Em direção à Polinésia / Ilha de Páscoa / Maoris

Moais, Ilha de Páscoa

O mundo ainda encontrava-se dividido em centenas de minúsculos mundos que eram quase independentes. Enquanto a Europa e a China formavam cada uma grandes mundos, com o tráfego fluindo entre si, a África, as Américas e a Australásia consistiam de vários mundos pequenos e isolados [...].

[...] Em toda a história humana, houve somente três grandes passos que cruzaram os mares para povoar grandes terras desabitadas: um foi a migração, há mais de 50.000 anos atrás, da Ásia para a Nova Guiné e Austrália, outro foi a migração da Ásia para o Alaska há mais de 20.000 anos, seguido pela lenta ocupação de todo o continente americano; o terceiro, em tempos bem recentes, foi a migração dos povos da Polinésia para uma extensa faixa de ilhas desabitadas dos oceanos Pacífico e Índico. Uma das marcas de que essa migração é recente é que ela aconteceu na era cristã [...].

[...]

A lenta migração em direção às ilhas começou no sul da China, de clima tropical e coberta de florestas. [...] Uma vez em terra, eles estabeleciam seus modos de vida [...]; faziam suas próprias ferramentas de pedra, sabiam fazer o tipo de cerâmica na época comumente usada na China e, provavelmente criavam porcos, galinhas e cães. Não há dúvidas que eram hábeis na navegação. [...]

Sua sucessão de viagens lentamente movia-se para o leste, intermitentemente, de ilha em ilha. Nos mil anos que se seguiram, esses povos do mar chegaram às ilhas das Filipinas, das quais pedaços de terra foram limpos para plantações. [...] Nesses lugares, os habitantes existentes foram derrotados em guerra, reduzidos por novas doenças, empurrados para as colinas menos favoráveis ou simplesmente absorvidos nas classes dos povos invasores.

[...]

As viagens desses povos, apinhados em suas canoas, seguiam um tipo de lógica. Aventurando-se rumo ao leste, eles tinham a probabilidade de descobrir ilhas, habitadas ou não, de clima tropical e vegetação como a que tinham acabado de deixar para trás. Na fase inicial da migração, os ventos também foram favoráveis. [...]

A lenta rota da migração equatorial chegou à ilha de Nova Guiné, já há muito povoada, ocupando algumas partes da costa por volta de 1600 a.C. Em seguida, entrou na região das ilhas tropicais, onde nenhum ser humano vivia. Em 1200 a.C., as velas marrons de seus barcos já se encontravam nas vilas costeiras de Nova Caledônia, Tonga, Fiji, Ilhas Salomão e Samoa. Em 500 d.C., seus barcos foram vistos em torno do Havaí e da Ilha de Páscoa. [...]

Ao longo de uma linha de ilhas que formavam um tipo de Via Láctea cruzando o Pacífico, esses marinheiros deixaram para trás evidências eloquentes de suas origens. Mesmo hoje, desde as partes isoladas das montanhas de Taiwan até a Ilha de Páscoa e a Ilha Pitcairn, a leste, a família de línguas austronésias sobrevive.

Para os polinésios, o fato de encontrarem a presença de vulcões na Ilha de Páscoa foi um triunfo especial. Era um mero ponto no oceano, a 1600 quilômetros da terra habitada mais próxima. Um dia densamente arborizada, tornou-se tão desmatada pelos novos colonizadores que, no final, seus imponentes monumentos não eram antigas árvores, mas estátuas de pedra, em torno de seiscentas delas no total. [...] Na língua e na sociedade, os habitantes da Ilha de Páscoa eram polinésios, mas suas estátuas e sua forma de escrita sugerem um antepassado ou influências diferentes.



Os polinésios iam desde tribos que viviam em conflito entre si a fortes monarquias que governavam muitas ilhas. O Havaí, com talvez 200.000 mil habitantes ou mais, era praticamente uma monarquia na época da chegada dos primeiros europeus. [...]

Durante essa longa temporada de migrações, outros exploradores alcançaram a imensa ilha desabitada de Madagáscar. A nordeste de Madagáscar, o mar contínuo se estendia até o arquipélago indonésio, a cerca de 5000 quilômetros de distância. [...]

A primeira viagem a Madagáscar, favorecida pela monção de nordeste, aconteceu quando a cidade de Roma estava em rápido declínio, por volta de 400 d.C. [...]

Madagáscar e Nova Zelândia foram as últimas áreas habitáveis de tamanho considerável a serem descobertas e colonizadas pela raça humana. [...] Triunfos na história das navegações humanas eram parte de uma saga de descobrimentos e migrações que praticamente se findaram por volta de 1000 d.C.


Dança de guerra maori, Nova Zelândia, Joseph Jenner Merrett

[Maoris] Do mar, os vilarejos fortificados dos primeiros maoris devem ter sido facilmente avistados. Alguns ocupavam promontórios estreitos e, portanto, eram rodeados nos três lados pelo mar, sua primeira linha de defesa. A subida íngreme e geralmente perpendicular da praia ou dos rochedos até o forte era a segunda linha de defesa. A terceira linha de defesa ainda mais alta era uma cerca de mourões resistentes bem construída, com uma fileira de piquetes de madeira entre si, fincados no chão em espaçamento regular. [...]



Discurso de guerra, Augustus Earle.
 Um chefe Maori em pé numa canoa encalhada, abordando uma multidão de guerreiros, principalmente sentados, com alguns em pé. Duas outras longas canoas estão na praia, e uma com vela está no mar. Um cão (kurī) fareja o chão em primeiro plano. A maioria dos homens estão armados. Uma cabaça e kit de linho são centralmente posicionados entre um grupo de homens.  Earle diz: "um grupo de guerreiros tinha coletado na Baía das ilhas com a finalidade de fazer uma visita hostil a uma tribo de Hauraki. Eles foram detidos por ventos contrários; e por vários dias estavam constantemente envolvidos em ouvir os discursos de seus chefes, que lhes de uma canoa transportada na praia... uma [canoa], que eu medi, tinha 70 metros de comprimento e carregava cem homens a lutar." Augustus Earle

Nos pontos mais altos do vilarejo havia residências de madeira, com depósitos espalhados em alguns lugares. Os depósitos ficavam sobre plataformas para que os ratos não pudessem roubar alimentos [...]. As casas em si, com seus telhados inclinados feitos de sapê, não tinham paredes e deixavam entrar a brisa do mar. [...]

Taupiri, George French Angas

[...]

Uma enorme extensão de terras no interior era necessária para abastecer cada tribo ou vilarejo com alimentos. Os pomares eram cavados com pedaços de pau compridos, de formato semelhante a um pé-de-cabra. A camada superficial do solo era, então, empilhada em fileiras perfeitas com uma pá de madeira e o solo removido plantado com tubérculos. A kumara era o mais valioso desses vegetais. Semelhante a um inhame ou batata doce bem comprido, com uma das pontas ligeiramente grossa e a casca externa rosa-avermelhada, plantava-se a kumara em dias ditados pela fase da lua.


Harriet, esposa de Heke, Hona Heke e Kawiti. Joseph Jenner Merrett

[...] Nas ilhas do Norte e do Sul, o enorme pássaro moa, capaz de correr com grande velocidade, mas incapaz de voar, era uma presa fácil dos caçadores maoris. [...]

Os maoris caçaram o moa com tanto vigor que, por volta de 1400 ou 1500, a espécie estava praticamente extinta. As águias de asas compridas que caçavam os filhotes de moa também estavam condenadas; já não se viam mais águias sobrevoando a região quando os primeiros colonizadores europeus ali chegaram.


Casa de Otawhao, construído por Puatia, para comemorar a tomada de Maketu.  Mostra uma casa esculpida, chamada de wharepuni ou wharenui. George French Angas e J. W. Giles

Não possuindo cerâmica, os maoris usavam a casca externa das cabaças que, no verão, cresciam das trepadeiras que se esparramavam nos telhados das casas ou pelos pomares plantados. Não tinham rebanhos [...]. A pedra tinha de ser usada em vez do metal, e era modelada ou manufaturada com habilidade de artesão [...]. 

Os europeus que viram os polinésios, quando seu modo de vida estava prestes a mudar, ficaram impressionados com sua coragem. Os observadores também notaram a violência dos polinésios: os sacrifícios humanos e o canibalismo. [...]

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. São Paulo: Fundamento Educacional, 2004. p. 101-106.

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