"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Heranças da colonização portuguesa no Brasil

Mapa do Brasil do século XVI, Lopo Homem

No final do século XVI, pode-se dizer que boa parte da faixa costeira estava colonizada pelos europeus e que a população nativa do litoral havia sido cultural e fisicamente submetida, expulsa ou exterminada.

A catequese, as doenças e a escravidão terminaram por destruir a cultura material e espiritual dos indígenas, vencidos da história. A ordem social vencedora nas terras brasileiras baseava-se sobretudo nos valores dominantes portugueses.

A consolidação da conquista territorial portuguesa variou em cada região de acordo com a capacidade de os povoadores superarem os desafios locais, obterem escravos e exercerem uma atividade econômica lucrativa e envolvida de um modo ou de outro com a produção de riquezas para a exportação e a possibilidade de adquirir bens europeus.

Nesse sentido, o principal fator que possibilitou a viabilização da colônia foi o sucesso da economia açucareira. Nos locais de terras e clima favoráveis à produção do açúcar, como as capitanias da Bahia e Pernambuco, a ocupação portuguesa avançou rapidamente. A de São Vicente, mesmo não possuindo engenhos poderosos, pôde desenvolver-se economicamente graças ao bandeirantismo.

Em menos de cem anos após o descobrimento do Brasil, os portugueses já haviam conseguido consolidar seu domínio. Mostraram-se, com relação a isso superiores aos nativos e aos franceses, duas das primeiras ameaças aos seus projetos. A partir daí, a economia açucareira adquiriu grande impulso, a população branca, negra e mestiça cresceu rapidamente (com a imigração, o tráfico e o aumento da natalidade) nas regiões mais desenvolvidas e o controle administrativo tornou-se mais eficiente. Do final do século XVI em diante, aumentou o número de engenhos, o que fez crescer  o das vilas e cidades.

[...]

A população da colônia foi se constituindo de tipos variados: portugueses e europeus de outros países, além de vários grupos indígenas e africanos e da miscigenação, que foi grande, embora as uniões de brancos com índios e negros não fossem prestigiadas e boa parte delas tivessem sido constituídas com base na violência.

Da cultura indígena tupi-guarani do litoral só restaram traços incorporados pela população brasileira.

No que se refere ao intercâmbio cultural [...] muitos observadores do século XIX se chocavam com a pouca roupa usada pelos homens e mulheres brasileiros (mesmo ricos), quando estavam na intimidade e fora das vistas de estranhos. Era um hábito bem consequente e saudável para o clima tropical que só foi aceito e assumido na segunda metade do século XX. A redução ao mínimo das roupas íntimas, o uso de shorts, bermudas, biquínis, camisetas e blusas leves, minissaias, tão comuns em nossa época, foi inconcebível até a primeira metade do século XX em que se exigia a submissão total às modas oriundas de outras paragens mais frias e formais. O brasileiro da Colônia e do Império adotou costumes adequados dos indígenas, mas só na intimidade quando não podia ser visto ou criticado pelos donos da verdade civilizada.

A imagem do Brasil, tal como foi vista pelos colonos, burocratas, jesuítas e visitantes, influenciou as opções do povoamento. Os recursos naturais já conhecidos e utilizados pelos indígenas de uma forma cuidadosa e sábia foram em grande parte depredadas num aproveitamento desenfreado dos colonos e dos brasileiros de hoje. Tal foi o caso do pau-brasil, que praticamente desapareceu no século XVII; a mesma sorte tiveram os cajueiros do litoral e inúmeras outras frutas naturais depredadas sem qualquer preocupação de replantio. A destruição da vegetação dos mangues, indispensável para a reprodução da fauna marítima - moluscos, mariscos, ostras, caranguejos e peixes - não cessou até hoje e mesmo se agravou, com os elevados índices de poluição.

O patrimônio florestal, com exceção da Amazônia ameaçada, foi todo desperdiçado, assim como a fauna, na qual espécies inteiras desapareceram. Os rios, que durante vários séculos alimentaram a população, hoje são depósitos de esgotos e a sua poluição ameaça a vida humana. Aliás, muitos estão em vias de ressecamento pela eliminação total das matas ciliares e as que cercam as nascentes.

As maravilhosas riquezas naturais, que tanto deslumbraram os primeiros observadores, fomentaram, até certo ponto, a crença da abundância fácil, sem trabalho e infindável. A ilusão da existência permanente de novas áreas virgens para a ocupação econômica criou atitudes, visões de mundo e táticas de exploração econômica em que tudo era tirado, destruído e abandonado à própria sorte sem reposição alguma. [...]

A escravidão indígena e a negra foram em boa parte responsáveis pela desmoralização do trabalho, o qual ficou relegado às massas exploradas até a morte. Estudos modernos confirmam observações da época que constataram o espantoso desperdício de vidas humanas determinado pela escravidão no Brasil. Milhões de pessoas foram sacrificadas para riqueza e poder de uma pequena classe dominante irresponsável e indiferente à sorte da terra e também em benefício de uma elite na Europa.

MESGRAVIS, Laima; PINSKY, Carla Bassanezi. O Brasil que os europeus encontraram: a natureza, os índios, os homens brancos. São Paulo: Contexto, 2000. p. 103-106, 108.

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