"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

De costas para o mar, de olho no sertão

Combate contra os índios botocudos, J. B. Debret

De todos os núcleos de colonização portuguesa no Brasil do século XVI, São Paulo era o único que não ficava no litoral e não dependia do comércio com a Europa. A sobrevivência da vila, nos seus primórdios, era garantida pela esperta política de alianças do cacique tupiniquim Tibiriçá, que havia casado sua filha com o português João Ramalho. Seus guerreiros conseguiam cativos de outras tribos para as lavouras dos primeiros colonos. Ao perceber que não conseguiria chegar pelo sul do Brasil às cobiçadas minas de ouro e prata do Peru, a Coroa portuguesa abandonou os paulistas à própria sorte. Aos bandeirantes restaram a exploração do ouro vermelho, os índios. Assim começou o "negócio do sertão", como era chamado o ofício da caça de gente, base da economia paulista até o século XVIII.


A mão-de-obra escrava foi a base do desenvolvimento de prósperas plantações de trigo no século XVI ao XVII, vizinhas à cidade. Áreas rurais, como Cotia e Santana do Parnaíba, abasteciam São Vicente e Rio de Janeiro, os centros produtores de açúcar, a maior mercadoria da colônia. [...]

Os bandeirantes, Henrique Bernardelli

Se o campo era rico, o mesmo não se pode dizer da precária vila, que em 1601 tinha apenas 1 500 habitantes. Em nada se comparava à solidez dos núcleos canavieiros do Nordeste, como Olinda e Salvador. São Paulo era umas poucas casas de pau-a-pique espalhadas no meio do mato, entre ruas sujas e barrentas.


Um visitante sofreria para achar um endereço. Primeiro, porque as ruas não tinham nome. Depois, não conseguiria, mesmo entender os paulistas: quase todos eles eram índios ou mestiços e falavam a "língua geral", um dialeto tupi. Aliás, o nome completo da vila era São Paulo de Piratininga, que quer dizer "peixe seco" no idioma indígena. O português era de uso quase exclusivo da minoria branca. Segundo o historiador Sérgio Buarque de Holanda, 83% da população paulista era indígena. O bilinguismo só acabaria de vez em 1759, quando a língua geral foi proibida pelas autoridades portuguesas, por decreto.


Em São Paulo, rico era quem tinha talheres - só dez famílias possuíam - e camas. Isso mesmo: camas. Em 1620, um representante do rei de Portugal em visita à cidade simplesmente não tinha onde dormir. A solução foi confiscar a única cama decente da cidade, que pertencia a um cidadão chamado Gonçalo Pires.


TORAL, André; BASTOS, Giuliana. De costas para o mar, de olho no sertão. Superinteressante, São Paulo: Abril, n. 151, p. 27, abr. 2000.

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