"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 19 de julho de 2011

A conquista da América pelos germes

"O império asteca subjugado", Diego Rivera

A importância dos micróbios letais na história humana é bem ilustrada pelas conquistas europeias e o despovoamento do Novo Mundo. Muito mais ameríndios morreram abatidos pelos germes eurasianos [de origem europeia e asiática] do que pelas armas e espadas europeias nos campos de batalha. Esses germes minavam a resistência indígena matando grande parte dos índios e seus líderes e abalando o moral dos sobreviventes. Em 1519, por exemplo, Cortés desembarcou na costa do México com 600 espanhóis a fim de conquistar o terrível Império Asteca militarista com uma população de muitos milhões. O fato de Cortés chegar à capital asteca de Tenochtitlán, fugir depois da perda de "apenas" dois terços de seu contingente e conseguir abrir caminho lutando para voltar à costa demonstra a superioridade militar espanhola e a ingenuidade inicial dos astecas. Mas, quando sobreveio o novo ataque violento de Cortés, os astecas já não eram mais ingênuos e lutaram com tenacidade. O que deu aos espanhóis uma vantagem decisiva foi a varíola, que chegou ao México em 1520 com um escravo contaminado procedente da Cuba espanhola. A epidemia que veio em seguida matou quase a metade dos astecas, incluindo o imperador Cuitláhuac. Os sobreviventes astecas ficaram desmoralizados pela doença misteriosa que matava os índios e poupava os espanhóis, como que anunciando a invencibilidade dos últimos. Em 1618, a população inicial do México, de quase 20 milhões, caíra para cerca de 1,6 milhão.

Pizarro também foi ajudado por um acaso sinistro quando desembarcou na costa do Peru em 1531 com 168 homens para conquistar o Império Inca de milhões. Felizmente, para Pizarro e infelizmente para os incas, a varíola havia chegado por terra por volta de 1526 e exterminado grande parte da população inca, incluindo o imperador Huayna Cápac e seu sucessor. [...]

Quando os americanos pensam nas sociedades mais populosas do Novo Mundo que existiam em 1492, só se lembram dos astecas e dos incas. Esquecem que a América do Norte abrigava sociedades indígenas populosas no lugar mais óbvio, o vale do Mississípi, que contêm um dos melhores terrenos do país para a agricultura. Nesse caso, porém, os conquistadores não contribuíram diretamente para a destruição das sociedades; os germes eurasianos, que se disseminaram antes, fizeram tudo. Hernando de Soto, o primeiro conquistador europeu a atravessar o sudeste dos Estados Unidos, em 1540, encontrou em sua marcha aldeias indígenas abandonadas dois anos antes porque os habitantes haviam morrido em epidemias. Essas epidemias haviam sido disseminadas pelas índias do litoral contaminadas pelos espanhóis que visitavam a costa. Os micróbios dos espanhóis propagavam-se pelo interior antes dos próprios espanhóis.

Quando eu era jovem, os alunos dos colégios americanos aprendiam que a América do Norte era originalmente ocupada por apenas cerca de um milhão de índios. Esse número baixo seria para justificar a conquista pelos brancos do que poderia ser considerado um continente quase desabitado. Entretanto, escavações arqueológicas e o exame minucioso das descrições deixadas pelos primeiros exploradores europeus em nossas costas apontam agora para um número inicial de cerca de 20 milhões de índios. Para o Novo Mundo como um todo, estima-se que o declínio da população indígena no primeiro ou nos dois séculos posteriores à chegada de Colombo tenha sido de 95%.

Os principais assassinos foram os germes do Velho Mundo, aos quais os índios jamais haviam sido expostos e contra os quais não tinham resistência imunológica nem genética. Varíola, sarampo, gripe e tifo disputavam o primeiro lugar entre os maiores assassinos. Como se esses não bastassem, difteria, malária, caxumba, coqueluche, peste, tuberculose e febre amarela vinham logo atrás. [...]

Adaptado de: DIAMOND, Jared.. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Rio de Janeiro: Record, 2001.

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