"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 30 de julho de 2011

A arte antes de Cabral chegar ao Brasil



Pinturas rupestres do Parque Nacional do vale do Peruaçu (Minas Gerais)

1. Arte rupestre. Muito tempo antes de Pedro Álvares Cabral chegar ao Brasil, o nosso território já era habitado. Os arqueólogos, pesquisadores que estudam as civilizações pré-históricas por meio de escavações e análise de objetos e desenhos nas pedras, calculam que entre 40 mil e 12 mil anos a.C. já existiam grupos nômades, caçadores, pescadores vivendo aqui. Provavelmente vinham da Austrália, da Oceania ou da Ásia.

As pinturas e gravuras deixadas por eles são o testemunho de sua passagem. Esses registros em diferentes suportes de pedra são chamados de arte rupestre ou itacoatiaras: paredes e tetos de cavernas e abrigos, blocos no chão, pedras nos leitos dos rios, e lajes a céu aberto.

As pinturas rupestres brasileiras mais antigas foram encontradas na região de São Raimundo Nonato, no Piauí.

São desenhos de animais, pessoas, plantas e objetos, muitas vezes retratando cenas da vida cotidiana ou eventos cerimoniais.

Também em Minas Gerais há arte rupestre. Na região de Lagoa Santa encontram-se cenas de caça com uso de flechas, armadilhas aprisionando veados, e grandes redes com peixes, retratando movimento.

Além das pinturas, muitos sítios apresentam outro tipo de arte rupestre, denominado gravura. Foi utilizada a técnica da abrasão (ou raspagem) das pedras, resultando figuras em baixo relevo.

Os temas da arte rupestre são bastante variados. Alguns grupos utilizavam, por exemplo, desenho geométrico, trabalhando com formas não representativas e desenhando pontos, traços e círculos em diferentes tamanhos e combinações.

Outros grupos adotavam o desenho figurativo, com representações de pessoas, animais, árvores, objetos. Também os estilos variam: existem figuras formadas apenas por linhas de contorno, outras apresentam pinturas cheias, outras, pontilhadas, alguns aproveitam o relevo da pedra para dar a impressão de volume.

A arte rupestre constitui talvez o vestígio arqueológico mais difícil de ser analisado, pois não conhecemos bastante o contexto social em que os desenhos foram criados. É uma representação do mundo real, na forma de um símbolo. Mas o significado dos símbolos pode variar muito, de sociedade para sociedade. Assim, quando um artista desenha um traço vermelho na rocha pode, por exemplo, estar retratando a figura estilizada de um homem, ou pode estar marcando a passagem do tempo. As possibilidades de interpretação tornam-se, assim, infinitas. O desenho pode estar funcionando como meio de comunicação, como forma de magia, como arte pura, como uma pré-escrita, como marcador de territórios.

Mas é certo que nessas manifestações já existe o impulso de produzir elementos estéticos e o desejo de expressão de um pensamento ou de um sentimento. Por isso podemos dizer que se trata de arte.

Como estão ameaçados por diversas formas de destruição, o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) se encarrega de tombar esses registros com o intuito de preservá-los.

2. Arte Marajoara e Tapajó. Há vestígios de culturas amazônicas com alto grau de desenvolvimento na fabricação e na decoração de artefatos de cerâmica, como as da ilha de Marajó e da bacia do rio Tapajós.

Pouco coisa restou da cultura dos índios Tapajós, grande nação que habitava a região de Santarém. Apenas os muiraquitãs, pequenas esculturas de rãs em pedra, os machados polidos e uma cerâmica tão elaborada que mais parece escultura que simples vasos.

Em seu apogeu, a ilha de Marajó pode ter tido mais de 100 mil habitantes. Entre eles havia diversos artistas, que fabricavam objetos cerâmicos ricamente decorados, vasilhas, estatuetas, urnas funerárias e adornos. Esses objetos sugerem que a cultura marajoara atingiu alto grau de sofisticação e complexidade social e política.

Foram encontradas grandes urnas funerárias, chamadas igaçabas, decoradas com desenhos labirínticos, em enormes aterros perto do lago Arari.

Os objetos produzidos pelas culturas antigas estavam, muitas vezes, associados a rituais que eram verdadeiros espetáculos artísticos, pois reuniam todas as manifestações (música, dança, adereços, vasos, urnas, estatuetas) que representavam as crenças, os mitos e as formas de expressão próprios daquelas culturas.

Muitos dos desenhos antigos servem de modelo para a cerâmica artesanal que é produzida hoje na Amazônia e que encanta os turistas.

3. Arte indígena. A arte permeia todos os aspectos da vida das inúmeras tribos indígenas (cerca de 5 milhões de índios) que habitavam o Brasil quando os portugueses aqui chegaram. Entretanto, sua forma e suas funções, embora também ligadas ao prazer estético, são diferentes da arte contemporânea.

A casa, a organização espacial da aldeia, os utensílios, os objetos de uso cotidiano e, principalmente, aqueles ligados às cerimônias e rituais estão impregnados de um desejo de fazer coisas bonitas e agradáveis ao olhar, de modo que sejam expressões simbólicas da cultura.

O índio investe esforço e tempo na produção de um objeto utilitário porque preocupa-se em adorná-lo de forma especial. Podemos compreender que procura embelezá-lo e demonstrar sua habilidade na expressão de algo mais que a simples necessidade de uso.

A arte plumária indígena e a pintura corporal atingem grande complexidade em termos de cor e desenho, utilizando penas e pigmentos vegetais como matéria-prima. Portanto, a arte indígena reflete a busca do prazer estético e de comunicação por meio de uma expressão visual.

Com a descoberta do novo mundo, os objetos produzidos pelos índios começaram a ser conhecidos na Europa por meio de crônicas orais e escritas, desenhos, gravuras e pinturas. Muitos foram recolhidos por viajantes e naturalistas e levados para os centros culturais, onde estão até hoje em grandes museus. Eram apreciados mais pelo seu exotismo e pela raridade dos materiais que por sua elaboração artística, pois não obedeciam aos padrões europeus de arte.

Cerâmicas com diversas finalidades; trançados (cestas, redes, utensílios e esteiras); adornos plumários (mantas, cocares, máscaras); adereços de contas, de pedras, de sementes, de cascas, de ossos, de dentes e de conchas; utensílios de madeira; instrumentos musicais (flautas, chocalhos, tambores); e objetos rituais, mágicos e lúdicos demonstram como as diferentes culturas indígenas se expressavam.

Os grupos indígenas que até hoje mantêm suas tradições, como os Caiapós e os Camaiurás, demonstram como a pintura corporal é uma forma de expressão artística e uma linguagem visual em estreita relação com outros meios de comunicação verbais e não-verbais. Além disso, apresenta outras funções. Com efeito prático, a pintura corporal espanta os insetos e defende a pele dos efeitos do sol. Tem também a intenção mágica de afastar os maus espíritos. Mas, acima de tudo, é uma forma de expressão que pode ser "lida", pois revela intenções pacíficas ou guerreiras, sentimentos, emoções, situações festivas ou circunstâncias religiosas, importância social, entre outras mensagens elaboradas com capricho e minúcia.

A arte indígena, em todas as suas manifestações anteriores ao descobrimento, demonstra não apenas recursos técnicos em diferentes matérias-primas, como também ricas linguagens simbólicas, representativas de criatividade, sensibilidade e habilidade dos povos pré-históricos. Muitas dessas formas de expressão são preservadas atualmente.

GARCEZ, Lucília; OLIVEIRA, Jô. Explicando a arte brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. p. 12-16, 18-21.

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