"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 26 de julho de 2011

O que devemos à Idade Moderna: Renascimento, Barroco e Iluminsimo

Jovem mulher com um jarro de água, Johannes Vermeer

[O Renascimento] Na segunda metade do século XIV, as ideias de que todos os aspectos da vida bem como todos os fatos da história eram reflexo da vontade suprema de Deus – ideias essas que haviam norteado os homens da Idade Média – começaram a modificar-se profundamente, prenunciando e preparando a Idade Moderna.

No século XV, paralelamente à formação dos diversos estados nacionais, começou também a surgir um homem novo, o qual, analisando a concreta realidade da vida terrena, readquiriu importância como protagonista de acontecimentos determinados por seus propósitos e percebeu as infinitas possibilidades de escolha sugeridas por sua personalidade, em um mundo que não era mais apenas expressão dos desígnios divinos. A esse homem novo, considerado uma entidade individual autônoma e completa em si mesma, coube decifrar e dominar as forças da natureza.

Renovou-se a cultura, reestudando-se a antiguidade greco-romana; essa renovação, Renascimento, desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XV, alcançando seu maior brilho no século XVI, inicialmente na Itália e, pouco a pouco, em toda a Europa. A assimilação dos modelos clássicos latinos e gregos, e o interesse pelo saber levaram os homens do Renascimento a grandes conquistas no campo da Filosofia, das Artes, da Literatura e das Ciências.

Na filosofia, pensadores como os italianos Giovanni Pico della Mirandola, Giordano Bruno, Tomasso Campanella e o holandês Erasmo de Roterdã sondaram e exaltaram a dignidade e o valor do homem, estudando profundamente o elo entre Deus e a humanidade, à luz da renovada cultura clássica.

Em arquitetura quiseram os artistas seguir os modelos greco-latinos, exemplos de equilíbrio e de harmonia; sobretudo os italianos Brunelleschi e Bramante. Nos outros países europeus, embora ainda se notassem manifestações de gótico tardio, começou a fazer-se sentir a influência italiana.

Na pintura, destacaram-se grandes nomes, tanto na Itália (Raffaello, Tiziano, Leonardo da Vinci), como na Alemanha (Dürer, Holbein) e na França (Fouquet).

A escultura viu surgir na Itália Donatello e Michelangelo, o maior escultor do Renascimento.

Foi na literatura que o estudo dos clássicos deu melhores frutos: Machiavelli, Ariosto, Tasso, na Itália; Spencer, Marlowe, Bem Johnson, e William Shakespeare, na Inglaterra; Garcilaso de La Veja, na Espanha; Ronsard, Montaigne, na França.

As ciências iniciaram um lento progresso e algumas grandes invenções e descobertas marcaram o período: Nicolau Copérnico enunciou a teoria heliocêntrica do sistema solar; Paracelso iniciou o estudo experimental da anatomia; Ticho Brahe construiu o primeiro observatório astronômico; Gutenberg inventou a imprensa, abrindo assim novas possibilidades de informação, instrução e cultura.

[O Barroco] Não existe uma cisão entre o gosto do século XVI, equilibrado, gracioso, harmonioso, e o gosto do século XVII, extravagante, artificioso, empolado. O gosto do século XVII, a que se chamou Barroco, e que se caracterizou pelas tendências ao maravilhoso, nada mais foi do que a extrema manifestação do classicismo, saturado, esgotado, e que consistiu no desejo de renovar, dar novas formas a todas as expressões artísticas do engenho humano.

Convencionou-se chamar o século XVII de “Idade do Barroco” embora não coexistisse em todos os países europeus. Nasceu na Itália, como o Renascimento, difundiu-se primeiramente no sul da Europa e na Holanda, para depois tornar-se um estilo com valor universal.

Inicialmente sóbrio, dentro do espírito da Contra-reforma, o Barroco entregou-se na segunda metade do século XVII a uma grande liberdade de imaginação.

Encontramos importantes exemplos de Barroco em arquitetura: as igrejas são monumentais, com muitos detalhes, contrastes de luz e sombra, grande quantidade de afrescos, esculturas, colunas; os palácios são suntuosos, com imponentes escadarias, cercados de imensos parques geometricamente traçados. Alguns arquitetos se destacaram nesta época: Bernini e Borromini (Itália), Neumann (Alemanha), Jones e Wren (Inglaterra).

Os traços dramáticos do barroco são encontrados também na escultura e na pintura (Caravaggio, italiano; El Greco, Velásquez, Murillo, espanhóis; Poussin, Claude Lorain, franceses).

Na literatura os grandes representantes do século foram: na Espanha, Cervantes; na França, Boileau, Corneille, Racine, Molière, La Fontaine; na Itália, Marino; na Alemanha, Opitz, Grimmelshausen.

A música procurou desenvolver novas formas; entre essas, o oratório e o melodrama (início da ópera). Importantes artistas surgiram no século XVII: Corelli, Vivaldi, Monteverdi, Scarlatti, na Itália; Sully e Rameau, na França; Johann Sebastian Bach, na Alemanha; Haendel, na Inglaterra.

A livre imaginação, o maravilhoso e o artifício deste período tiveram sua contrapartida e foram de certo modo contidos pelo marcado racionalismo das teorias filosóficas e políticas, as quais contribuíram para difundir o espírito de crítica, isto é, o espírito da livre indagação e da livre discussão. São filósofos do racionalismo: Francis Bacon e John Locke (ingleses), René Descartes (francês), Baruch Spinoza (holandês) e G. W. Leibniz (alemão). Por outro lado, no campo da teoria política, Hugo Grotius (holandês) partindo do direito natural, racionalmente concebido, baseia o Estado em um contato livre de homens que se associam para sua segurança.

O século XVII (como também o século XVIII) foi muito importante para a história das ciências. Três grandes nomes se destacaram: Galileu, Kepler e Newton.

O Barroco foi, portanto, um período dilacerado, complexo, dividido entre o “maravilhoso” das artes e da literatura, e o “racional” da filosofia e das ciências. Caberá ao século XVIII recompor o equilíbrio, desenvolvendo novas ideias filosóficas que trouxeram para o mundo amplas e profundas transformações.

[O Iluminismo] As raízes mais remotas do Iluminismo, já podem ser encontradas no Renascimento, no relevo dado por esse período à liberdade individual e à luta contra o fanatismo. As raízes mais próximas encontram-se na cultura filosófica e científica do século XVII, através da exaltação da pesquisa empírica e o entusiasmo pela técnica em desenvolvimento.

Nascido na Inglaterra, difundido pela França, o Iluminismo pregava a razão, a liberdade do espírito, a livre crítica e a tolerância religiosa, contrapondo-se, assim, ao peso da tradição, do dogmatismo religioso e filosófico, do absolutismo eclesiástico e monárquico e, em geral, a todos os preconceitos do passado. O Iluminismo estimulou o culto do progresso, baseado na educação dos homens: uma formação racional e uma educação conduzida para o humanitarismo garantem o progresso, promovem a fraternidade do gênero humano (cosmopolitismo), a paz eterna, a felicidade individual e a prosperidade geral.

Grande importância tiveram os filósofos desta época; os iluministas acreditavam que, derrotadas as convenções, triunfaria, nas ciências e na vida prática, a mais valiosa das qualidades da mente humana, a razão. Sonhavam eles com um mundo perfeito, regido pelos princípios da razão, um mundo sem guerras, sem injustiças sociais, sem cerceamento da liberdade de expressão; sonhavam ainda com uma real colaboração entre os homens para alcançar a felicidade comum.

Defensores dessas ideias foram David Hume (na Inglaterra), Voltaire, Rousseau, Montesquieu (na França). Lessing e Kant (na Alemanha), Vico (na Itália). Para recolher todos os conhecimentos, dentro do espírito do Iluminismo, e para que a cultura pudesse ter maior difusão, foi compilada a Enciclopédia pelos franceses D’Alambert e Diderot.

Também as artes figurativas sentiram a necessidade de uma renovação do gosto. O século XVIII passou dos grandes espaços e das amplas superfícies da arte barroca para realizações em que tudo é minúsculo, gracioso, elegante.

Neste século em que, pouco a pouco, a cidade prevaleceu sobre o campo e grandes massas humanas começaram a concentrar-se nos centros urbanos, a arte, escultura e pintura sobretudo, tratou frequentemente da volta à natureza. Foram mestres na pintura da natureza o italiano Canaletto, o inglês Gainsborough e os franceses Watteau e Fragonard.

A arquitetura revelou as qualidades racionais que presidiram à sua realização: todo edifício devia preencher a finalidade para a qual foi construído, dentro de um renovado equilíbrio de forma e espaço.

Também a literatura do século XVIII, como as artes figurativas, relfete – tendo por meta a instrução social e o melhoramento moral dos homens – a elegância dos costumes, o prazer da intimidade, o amor pela vida; Parini, Goldoni, Alfieri (italianos); Lessing, Goethe e Schiller (alemães) são os principais escritores da época.

A música, por sua vez, soube também traduzir o novo gosto do século: a partir de 1750 desenvolveu-se em Viena o período clássico da sonata, com Haydn; da ópera, com Gluck; da sinfonia, com Mozart, síntese entre a vivacidade da tradição italiana e a força dramática da tradição alemã.

O impulso renovador das ideias iluministas provocou em toda a Europa um grande interesse pelos problemas da vida civil, conduzindo a novas transformações nas teorias econômicas enunciadas através do liberalismo econômico do inglês Adam Smith e da fisiocracia (domínio da natureza) do francês Quesnay.

Esse espírito renovador conduziu outrossim a um profundo estudo das ciências, onde o progresso foi enorme, e ao espírito aventureiro, mas também científico, da exploração de terras desconhecidas.

Nascia assim uma nova civilização, destinada a desenvolver-se plenamente no século XIX, quando novas ideias, nova renovação do gosto levarão a humanidade a novos rumos.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1980. p. 217-221.

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