"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Incas: quem manda, quem obedece


Nos postos mais elevados da hierarquia social e política, encontramos uma aristocracia hereditária. O Inca, soberano supremo, é ao mesmo tempo uma divindade e transmite o poder a seus filhos. Na presença dele humilham-se até os mais altos e nobres dignatários, obrigados a apresentarem-se descalços, curvados e carregando um peso nas costas. Os direitos de vida e morte sobre seus súditos são absolutos, qualquer que seja o nível social deles.

O mito dessa divindade foi habilmente construído e melhor ainda difundido entre o povo. Historiadores oficiais, escolhidos pelo Inca, escreviam duas histórias diferentes: uma para a nobreza e a hierarquia, outra para o povo. Esta última, cuidadosamente elaborada, excluía tudo o que pudesse diminuir o respeito e a fidelidade ao soberano. Contadores de história e cantores populares [...] eram instruídos convenientemente sobre os temas de suas histórias e canções e sobre o tratamento que devia ser dado a elas. A derrota do inca Urco frente aos chancas foi totalmente ignorada pela história oficial. Assim, religião, mitos, lendas e história foram deliberadamente fabricados por especialistas, visando a divinizar o Inca, fazendo que sua vontade - e seus excessos - aparecessem como a vontade de um deus.

Abaixo do soberano vinha uma complexa burocracia administrativa e militar que chegou a constituir, por seu caráter hereditário, de fato, uma casta. Os descendentes dessa casta recebiam uma educação adequada para o mando e a administração. Era uma educação complexa e bastante rigorosa, que compreendia o estudo intensivo da versão oficial da história, tal qual havia sido escrita para esses nobres. Dado o caráter guerreiro dos incas, o preparo físico para a milícia era privilegiado [...].

Os escolhidos para mandar adoravam deuses que não eram os do povo ou povos dominados. Estes conservavam a liberdade de adorar suas antigas e originais divindades, ainda que tivessem de aceitar como divindade suprema o Sol, o deus dos que mandavam, e o Inca, representante do Sol na terra. Havia, pois, uma religião dos dominadores e múltiplas religiões dos dominados. [...]

A faustosa corte do Inca, com seus milhares de servidores, e a hierarquia civil e religiosa viviam dos tributos que milhões de seres humanos de todo o império entregavam ao Inca. Este recompensava seus dignatários de acordo com méritos militares, religiosos e administrativos, sendo que as recompensas consistiam em terras, rebanhos de lhamas, objetos de arte, mulheres, roupas de luxo e o direito de viajar em liteiras conduzidas por carregadores, exibir certos ornamentos e ocupar lugares privilegiados nas grandes cerimônias. [...]

O clero, da mesma forma que a burocracia civil, estava diretamente subordinado ao Inca. Mais ainda, era costume que o supremo sacerdote fosse um irmão ou primo do próprio soberano, designado em assembléia de notáveis. [...] Faziam parte do aparato sacerdotal: feiticeiros, oráculos, adivinhos, sacrificadores, intérpretes de sonhos, curandeiros, etc. Era uma imensa e intrincada rede que assegurava o culto ao Sol e a seu representante vivo, o Inca.

O camponês comum [...] tinha obrigações, poucos direitos e muitos deveres. Abaixo dele, existia uma categoria social [...] formada por membros de uma sublevação da cidade de Yanacu, quando foram derrotados pelas tropas do Inca e condenados à servidão ou à escravidão que se tornava extensiva a seus descendentes. [...] Não eram escravos ou servidores para a produção, mas servidores domésticos. 

Adaptado de POMER, Léon. História da América Hispano-Indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 32-34.

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