"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Construtores de impérios no Oriente Próximo antigo

Relevo assírio 

"O cenário da história é o cenário da atividade humana: o meio físico em que se desenvolve a vida dos homens e das mulheres."
(Josep Fontana)

A ascensão de um império egípcio durante o Novo Império foi parte de uma evolução mais ampla na história do Oriente Próximo depois de 1500 a.C. - o aparecimento de impérios internacionais. A construção de impérios levou à fusão de povos e de tradições culturais, bem como à extensão da civilização muito além dos vales dos rios.

Uma das razões do crescimento dos impérios foi a migração dos povos conhecidos como indo-europeus. Originários de uma vasta área que se estendia desde o sudeste da Europa até a região além do mar Cáspio, eles iniciaram uma série de migrações por volta do ano 2000 a.C., que acabou por levá-los à Itália, Grécia, Ásia Menor, Mesopotâmia, Pérsia e Índia. De uma língua básica indo-europeia surgiram as línguas grega, latina, germânica, eslava, persa e sanscríticas.

* Hititas. Vários povos estabeleceram Estados fortes no Oriente Próximo por volta de 1500 a.C. - os hurritas no norte da Mesopotâmia, os cassitas no sul do Mesopotâmia e os hititas na Ásia Menor. Os hititas queriam controlar as rotas de comércio que corriam ao longo do rio Eufrates em direção à Síria. Na década de 1300, o império hitita alcançou seu apogeu. Seus líderes dominaram a Ásia Menor e o norte da Síria, atacaram a Babilônia e disputaram com o Egito o controle da Síria e da Palestina.

Os hititas adotaram várias características da civilização mesopotâmica, entre elas a escrita cuneiforme, os princípios legais e as formas de arte e literatura. A religião hitita combinava as crenças e práticas dos indo-europeus nativos da Ásia Menor com as dos mesopotâmios. Os hititas foram provavelmente o primeiro povo a desenvolver uma indústria do ferro significativa. De início, ao que parece, utilizavam o ferro somente para a fabricação de objetos rituais ou cerimoniais, não para ferramentas e armas. No entanto, como o minério de ferro era mais fácil de obter que o cobre ou o estanho (necessários para a produção de bronze), a partir de 1200 a.C. as armas e ferramentas de ferro difundiram-se pelo Oriente Próximo, embora o bronze ainda fosse utilizado em muitos instrumentos. Por volta dessa época, o império hitita entrou em colapso, muito provavelmente devido às invasões dos indo-europeus vindos do norte.

* Pequenas nações. No século XII a.C., houve uma pausa temporária na formação de impérios, que permitiu a várias pequenas nações na Síria e Palestina afirmarem sua soberania. Três delas - os fenícios, os arameus e os hebreus - eram originalmente nômades semitas do deserto. Os fenícios descendiam dos cananeus, um povo semita que se estabelecera na Palestina por volta de 3000 a.C. Os cananeus que migraram para noroeste, para a região onde hoje se situa o Líbano, eram chamados de fenícios.

Instalando-se nas cidades de Tiro, Biblos, Berito (Beirute) e Sídon, no litoral do Mediterrâneo, os fenícios foram naturalmente atraídos para o mar. Esses ousados exploradores fundaram cidades ao longo da costa do norte da África, nas ilhas do Mediterrâneo ocidental e na Espanha, tornando-se os maiores comerciantes marítimos do mundo antigo. Os fenícios (ou seus antepassados cananeus) criaram um alfabeto que constituiu uma formidável contribuição para a escrita. Como todas as palavras podiam ser representadas pelas combinações de letras, esse alfabeto evitava a necessidade de memorizar milhares de diagramas e permitiu aos fenícios transmitirem as civilizações do Oriente Próximo ao Mediterrâneo ocidental. Adotado pelos gregos, que lhe acrescentaram vogais, o alfabeto fonético tornou-se um componente fundamental das línguas europeias.

Os arameus, que se instalaram na Síria, Palestina e norte da Mesopotâmia, tiveram um papel semelhante ao dos fenícios. Como grandes mercadores, que operavam em caravanas, levaram tanto mercadorias como padrões culturais a várias partes do Oriente Próximo. Os hebreus e os persas, por exemplo, tomaram conhecimento do alfabeto fenício por intermédio dos arameus.

* Assíria. No século IX a.C., a formação de impérios foi reiniciada, dessa vez pelos assírios, povo semita da região em torno do Alto Tigre. Embora tivessem realizado movimentos expansionistas em 1200 e 1100 a.C., os assírios só começaram sua marcha para a formação de um império "mundial" três séculos depois. Nos séculos VIII e IX transformaram-se numa impiedosa máquina de guerra, conquistando a Mesopotâmia, inclusive Armênia e Babilônia, bem como Síria, Palestina e Egito.

O rei assírio, que era representante e o sumo sacerdote do deus Assur, governava de maneira absoluta. Os nobres, nomeados por ele, mantinham a ordem nas províncias e coletavam os tributos. Os assírios melhoraram as estradas, estabeleceram serviços de mensageiros e realizaram projetos de irrigação em grande escala para facilitar a administração eficiente das terras conquistadas e promover a prosperidade. Para manter dóceis os súditos, recorriam ao terror e deportavam aqueles que causavam problemas.

Apesar de sua dureza, os assírios preservaram e difundiram a cultura do passado. Copiaram e publicaram as obras literárias da Babilônia, adotaram os antigos deuses sumérios e usaram as formas de arte mesopotâmicas. O rei assírio Assurbanipal (669-626 a.C.) tinha uma grande biblioteca, que abrigava milhares de tabletes de argila. Depois de um período de guerras e de revoltas debilitadoras por parte dos súditos oprimidos, uma coalisão formada por medos do Irã e caldeus (ou neobabilônios) saqueou a capital assíria Nínive no ano 612 a.C. O poderio assírio estava encerrado.

* Pérsia: unificadora do Oriente Próximo. A destruição do império assírio possibilitou a ascensão de um império caldeu, que incluía Babilônia, Assíria, Síria e Palestina. Sob o governo de Nabucodonosor, que reinou de 604 a 562 a.C., o império caldeu atingiu seu apogeu. Após a morte de Nabucodonosor, o império foi arrasado pela guerra civil e ameaçado por um novo poder: os persas, um povo indo-europeu que se instalara no sul do Irã. Sob o comando de Ciro, o Grande, e de seu filho e sucessor Cambises, os persas conquistaram as terras entre os rios Nilo, no Egito, e Indo, na Índia, num período de 25 anos, que foi de 550 a 525 a.C.

A concepção de monarquia absoluta do Oriente Próximo, justificada pela religião, atingiu sua expressão culminante na pessoa do rei persa que, com a proteção divina, governava um vasto império - "três quartos da terra". Os reis persas desenvolveram um sistema eficiente de administração - baseada em parte no modelo assírio -, que deu estabilidade e uma certa unidade aos seus extensos territórios. [...] Os reis persas permitiram às províncias uma certa margem de autonomia e respeitavam as tradições locais, particularmente em questões de religião, desde que os súditos pagassem os tributos, servissem no exército real e se abstivessem de rebelar-se.

O império era unificado por uma língua única, o aramaico (a língua dos cananeus da Síria), usada pelos funcionários governamentais e pelos comerciantes. O aramaico era escrito com letras baseadas no primeiro alfabeto, desenvolvido pelos fenícios. Fazendo dele uma língua universal, os persas facilitaram as comunicações escritas e orais dentro do império. Este teve ainda outro elemento unificador na bem desenvolvida rede de estradas, num sistema postal eficiente e num sistema comum de pesos e medidas, bem como na cunhagem de moedas válidas em todo o império e baseada numa invenção dos lídios, da Ásia Menor ocidental.

Além de constituírem uma unidade política e administrativa impressionante, os persas fundiram e perpetuaram as várias tradições culturais do Oriente Próximo. Nos palácios persas, por exemplo, foram encontrados os terraços da Babilônia, as colunas do Egito, os touros alados que decoravam os portões dos palácios assírios e a habilidade artesanal dos ourives medos.

PERRY, Marvin. Civilização Ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 20-22.

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