"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A América no século XIX: "Um machado, uma espingarda e uma sacola de milho"

Guerreiros. "Onde estão hoje os pequot? Onde estão os narragansett, os moicanos e muitas outras tribos outrora poderosas? Desapareceram diante da avareza e da opressão do Homem Branco, como a neve diante de um sol de verão. Vamos nos deixar destruir, por nossa vez, sem luta? Renunciar a nossas casas, a nossa terra dada pelo Grande Espírito, aos túmulos de nossos mortos e a tudo que nos é caro e sagrado? Sei que vão gritar comigo: Nunca! Nunca!"  (Tecumseh, dos shawnees. BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. São Paulo: Melhoramentos, 1973.)


Na História dos Estados Unidos da América do Norte (EUA), houve uma expansão muito parecida com o movimento dos sertanistas paulistas. Essa expansão foi realizada pelos "pioneiros".

Com uma espingarda, um machado e uma sacola de milho, os pioneiros empurravam a fronteira de seu país do Oceano Atlântico até o rio Mississipi e daí até o Oceano Pacífico, na primeira metade do século XIX.

[...]

Quando os EUA iniciaram a guerra de independência contra os ingleses, seu território era formado apenas pelas antigas Treze Colônias. Elas se estendiam desde o Maine, ao norte, até a Geórgia, ao sul. Na ocasião em que a Inglaterra aceitou a independência, os EUA anexaram território que ia dos Montes Apalaches até o rio Mississipi. Isto foi reconhecido pelo Tratado de Versalhes, em 1783.

Este território, cedido pela Inglaterra, era pouco povoado. O mesmo acontecia com a Luisiana, que se estendia do rio Mississipi até as Montanhas Rochosas. Do sudoeste da Luisiana até o Oceano Pacífico, estavam áreas também pouco povoadas, pertencentes ao México. Ao noroeste da Luisiana, encontrava-se o abandonado Oregon. E ao sul da Geórgia, estava a Flórida, pouco habitada e pertencente à Espanha.


Trilha de Oregon (Fogueira), Albert Bierstadt

Os americanos do início do século XIX, vivendo no país mais adiantado, na parte norte do continente, diziam que a expansão para o golfo do México, Antilhas e Pacífico era "destiny manifest" (destino manifesto), alguma coisa que deveria acontecer nais cedo ou mais tarde. De fato, em meio século, a bandeira dos EUA - stars and stripes, estrelas e listras - caminharia do Atlântico para o Mississipi e daí até o Oceano Pacífico.

Em 1803, os EUA compraram a Luisiana à França e, em 1819, a Flórida à Espanha. Em 1818 e 1846, dividiram o Oregon com a Inglaterra. Em 1845-1848, depois de derrotarem o México, anexaram definitivamente a área desde o Texas até o Oceano Pacífico, dando àquele país uma indenização (pagamento). Já na segunda metade do século XIX, em 1867, compraram à Rússia o isolado Alasca, situado ao norte do Canadá.

Entre 1770 e 1841, aproximadamente, oito milhões de pessoas atravessaram os Apalaches e se dirigiram para o Oeste. Iam a pé, a cavalo, em carroças ou barcos. Iam sozinhos, ou em pequenos grupos. Deslocavam-se famílias inteiras ou grupos de famílias. Sempre para o Oeste. A família de Abraham Lincoln, em vinte anos, mudou da Pensilvânia para o Kentucky, deste para Indiana, e desta para Illinois.


A chegada dos colonos no Oeste, George Caleb Bingham

Uns vinham dos Estados que ficavam no litoral do Oceano Atlântico. Outros vinham da Europa. Em 1849, entraram nos EUA cerca de 80 mil imigrantes europeus. Imigrante é o estrangeiro que chega ao país onde pretende viver.

Americanos e europeus atravessaram os Apalaches em busca de terras férteis em que pudessem viver melhor e enriquecer.


Mapa da trilha de Santa Fé, Robert McGinnis

No início do século, um acre de terra custava dois dólares. Mas, em 1860, quem pudesse cultivar, durante cinco anos, 160 acres de terra, os receberia das autoridades inteiramente de graça!

Os pioneiros não se incomodavam com as distâncias. Uns se fixaram num Oeste mais próximo dos Montes Apalaches (Centro-Oeste), às margens do Mississipi ou de seus afluentes. Outros iam para o Oeste mais distante - o chamado Far-West (Oeste longínquo), perto das Montanhas Rochosas ou do Oceano Pacífico. E desde que houvesse terras férteis, os pioneiros pouco se importavam que elas pertencessem ao búfalo, ao índio ou ao mexicano. Uma vida tão difícil não poderia deixar de criar um homem forte. Uma vida tão livre não poderia deixar de criar um homem preocupado em defender seus direitos e interesses.

Além dos rios - a mais natural das estradas - quais os caminhos seguidos pelos pioneiros?

Os búfalos abriram as trilhas mais curtas, através das montanhas e pradarias (planícies) em busca de alimento e água. O índio seguiu o búfalo. O comerciante, o caçador e o pioneiro seguiram o índio. Os caminhos das diligências e as estradas de ferro seguiram o pioneiro.

[...]

As dificuldades maiores que os pioneiros enfrentaram foram criadas pelos índios. Temíveis cavaleiros, dominavam os campos de caça, percorridos pelas manadas de búfalos, dos quais dependia sua sobrevivência. Um índio a cavalo era capaz de varar o corpo de um búfalo com flechas atiradas em pleno galope.

O pioneiro pode derrotar o índio porque possuía uma técnica mais adiantada.

O revólver Colt e a espingarda Manchester superaram a velocidade do arremesso das flechas. As embarcações a vapor afastaram o canoeiro indígena. O arame farpado que cercava os ranchos dos "cow-boys" (vaqueiros), concentrava o gado e expulsava o índio. Só então este último se "conformou" em viver em reservas, áreas destinadas pelo governo para sua habitação permanente.

Por todas as partes as tribos indígenas se revoltaram contra o avanço do colonizador branco, mas quase sempre foram derrotadas, sendo dizimadas ou forçadas a migrar para locais mais distantes. E onde estava o homem branco parecia que o índio não poderia viver junto.

Muitos americanos julgavam que os europeus e seus descendentes do Novo Mundo haviam sido escolhidos pelo destino para dominar toda a América, por uma superioridade racial. Por isso, as guerras continuaram, chegando ao ponto de o general Sheridan comentar que "os únicos índios bons que já vi estavam mortos".

Esta frase, que logo se transformaria num aforismo americano, parecia ser o lema dos colonizadores desde o século XVI, como parece ser o lema de muitos dos homens brancos que ainda hoje, nos mais diferentes pontos da América, entram em contato com os nativos e seus descendentes. Este ponto de vista contrasta com o de uma minoria que, também desde os primórdios da conquista, trava um combate inglório - aquela que procura fazer valer os direitos dos indígenas. Entre eles, o padre Bartolomeu de las Casas, os jesuítas José de Anchieta e Antônio Vieira, o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, sertanistas como os irmãos Villas Boas, o médico Noel Nutels.

[...]

O telégrafo e o trem encurtaram cada vez mais as distâncias entre o Leste, o Centro-Oeste e o Oeste distante.

Nas terras férteis do Oeste, o pioneiro dedicou-se à agricultura e à pecuária. Ou vendeu madeiras e peles, nos mercados do "Middle-West".

Com a descoberta do ouro na Califórnia, em 1848, no Colorado, em 1858, a expansão para o Oeste transformou-se em corrida para o Oeste.

A Califórnia tinha, em 1850, 92 mil pessoas. Dez anos depois 379 mil! Vilas se transformaram em cidades, como São Francisco. O pioneiro chegara ao Oceano Pacífico.

De São Francisco, os americanos navegavam pelo litoral ocidental das Américas, desde o Alasca até o Chile, ou então cruzavam o Pacífico, em busca do Extremo Oriente (Ásia Meridional).

Em 1853, o comodoro (comandante de navios) Perry, da marinha dos Estados Unidos, conseguira abrir o comércio com o Japão, que até então se mantinha isolado.

Os pioneiros, ao fim de meio século, haviam conseguido transformar as Treze Colônias atlânticas num país voltado para dois oceanos.

Para erguer colônias, origem das nações americanas, os europeus travaram violentos combates entre si. Para construir um Novo Mundo, os colonizadores destruíram o Mundo que os indígenas haviam construído. Assim foi feita a América.

MATTOS, Ilmar Rohloff de et al. Brasil, uma história dinâmica. São Paulo: Nacional, 1976.
____. História. Rio de Janeiro: Francisco Alves/Edutel, 1977.

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