"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 1 de julho de 2016

"O viver em colônias" [Parte 1 - Introdução]

"Não é das menores desgraças o viver em colônias."
Luís dos Santos Vilhena, 1801

"O viver no sertão [...]. Não há um homem capaz, e de probidade, que se queira sujeitar a viver nos sertões no meio de gente tão bruta [...]. A desordem nesta terra está já tão arraigada que até parece ser necessário deixá-la continuar no mesmo estado, assim como a um enfermo já muito arruinado. [...]."
José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, 1799

Feitor punindo escravo, Jean-Baptiste Debret 

Quando os europeus se estabeleceram no continente americano, trouxeram não só suas instituições mas também a religião católica, e impuseram seu rei e suas leis. Apesar disso - e a despeito dos mais de três séculos em que se formou a sociedade colonial -, os habitantes do Estado-nação que veio a ser chamado Brasil continuaram a diferir em tudo dos europeus. Em contrapartida, estes incorporaram elementos nativos e adaptaram suas leis e costumes a uma nova realidade, criada em situação colonial, que alterou profundamente a vida dos habitantes livres e escravos do Brasil. E que resultou no surgimento de uma cultura própria.

No fim do século XVIII, o que era o Brasil? No início desse século, segundo o provérbio registrado pelo jesuíta Antonil, "O Brasil é inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos, e das mulatas". No apagar de suas luzes, o diagnóstico do jesuíta ainda se aplicava à realidade brasileira. Pois foi diante de um pano de fundo como este que os habitantes da colônia desenvolveram e aprofundaram formas de relacionamento e comunicação específicos, fossem eles brancos, negros, indígenas ou mestiços. Todas permeadas pelo escravismo, pela brutalidade física e moral, sob o olhar vigilante do senhor de engenho, tal como o descreveu Gilberto Freyre em seu clássico Nordeste:

"Impossível imaginá-lo - a esse centauro - fora da rede patriarcal, sem ser o homem a cavalo, chapéu grande, botas pretas, esporas de prata, rebenque na mão, a quem a gente dos mucambos tomava a bênção como a um rei. Do alto do cavalo é que este verdadeiro rei-nosso-senhor via os canaviais que não enxergava do alto da casa-grande: do alto do cavalo é que ele falava gritando, como do alto da casa-grande, aos escravos, aos trabalhadores, aos moleques do eito. O cavalo dava ao aristocrata do açúcar, quando em movimento ou em ação, quase a mesma altura que lhe dava o alto da casa-grande nas horas de descanso."

Além disso, os colonos também criaram novas formas de resistência à opressão proveniente da metrópole e do governo do Vice-Reinado.

A conquista do interior ampliara e diversificara a sociedade por todo o território, cujas fronteiras delineavam-se agora com menor imprecisão. E novas formas de mandonismo e de violência firmavam-se onde a lei, per se autoritária, não alcançava.

MOTA, Carlos Guilherme; LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 231-2.

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