"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O legado cultural indígena na sociedade brasileira

"O caboclo", Jean Baptiste Debret

O legado cultural indígena na sociedade brasileira iniciou-se com a própria conquista portuguesa, quando os índios ensinaram os colonizadores a alimentarem-se com os frutos da terra. Assim, iniciou-se o consumo pelos portugueses da mandioca, do milho, da batata-doce, do amendoim, da abóbora, do abacaxi, do caju, da pimenta, do mamão, entre outras iguarias que tanta alegria produzem no paladar do brasileiro. Quem nunca saboreou um mingau de fubá ou um peixe assado ou cozido? Como esquecer as delícias do beiju, da tapioca, da paçoca e da canjica? Quantas vezes você matou a sede bebendo um guaraná ou um mate? Essas bebidas eram desconhecidas dos europeus, mas amplamente consumidas pelos indígenas!

O branco incorporou também diversas técnicas adotadas pelos indígenas. Podemos destacar: a pesca por tarrafa, a coivara dos campos (consiste em clarear os campos com fogo e hoje é mais conhecida como queimada) e o mutirão, originado da prática tupi de realização coletiva de determinada atividade necessária para a manutenção da organização da tribo.

A medicina também utilizou-se da sabedoria indígena para auxiliar na cura dos homens. A quinina, empregada para a malária, ainda hoje é utilizada como medicamento básico. A copaíba, que os tupis utilizavam para curar feridas, igualmente continua a ser utilizada. Podemos citar, ainda, o curare, usado como anestésico, e a pajelança (invocação dos espíritos para efetivar a cura de doenças), praticada mediante a intermediação dos pajés.

A economia industrial europeia, desde as últimas décadas do século XIX e ao longo do século XX, utilizou o tabaco, do qual os índios foram os primeiros consumidores para fins cerminoniais. O algodão, como insumo industrial, tornou-se básico na expansão da produção de tecidos.

Também o folclore foi e ainda é marcado por mitos indígenas. Destacamos o curupira, que protegia a caça e a natureza, garantindo um permamente equilíbrio entre as necessidades do homem e a preservação do ambiente natural; o boto-tucuxi, que, no folclore amazônico, era o responsável pela gravidez de jovens virgens e de mulheres cujos maridos costumavam ausentar-se por longos períodos...

Podemos apontar ainda: o hábito de dormir em redes, tão difundido, sobretudo no Nordeste. O branco igualmente aprendeu a usar instrumentos de pesca, como as redes, o puçá, e a empregar pequenas embarcações, denominadas pirogas, para cortar os rios.

Contribuição inestimável encontramos na utilização de numerosas palavras de origem indígena. Como esquecer a origem de palavras comuns ao nosso cotidiano, como carioca, que significa a casa do homem branco, além de paraná, paranaguá, maracanã, ipanema, tatu e tantas outras empregadas principalmente para nomear acidentes geográficos, como rios, serras etc.

A influência étnica se manifestou na figura do mameluco, chamado ainda de caboclo e curiboca, resultado da miscigenação principalmente de pai branco e mãe indígena; ou do cafuso, ou carafuz, resultante da mestiçagem de índios e negros.

A construção de casas sertanejas apresenta elementos culturais indígenas, como a cobertura de palha, as paredes formadas por galhos entrelaçados, recoberta de barro e com chão de barro batido.

Os indígenas também vulgarizaram hábitos de higiene, como o costume do banho diário.

Dessa forma, a sociedade brasileira vive uma enorme contradição diante das comunidades indígenas: por um lado, convive com uma forte herança cultural recebida pelo conquistador português, e não se furta de saborear um bom guaraná, comer um pirarucu na brasa, degustar do açaí com tapioca; por outro lado, assassina índios em conflitos entre tribos e garimpeiros no interior da Amazônia, ou até mesmo, incendeia e mata um índio pataxó cujo único crime foi dormir num banco de um ponto de ônibus, em Brasília, na noite de 19 de abril de 1997, o Dia do Índio, e ter sido avistado por jovens da classe média alta da cidade que queriam fazer uma brincadeira com o cacique Galdino, da tribo dos pataxós, não sem ironia, a primeira tribo a travar contato com os brancos civilizados por volta de 22 de abril de 1500.

AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 31-33.

7 comentários:

  1. Texto ótimo, é o que eu precisava, parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Também gostei muito, texto coerente, objetivo! Nota 1.000! rsrsrs'

    ResponderExcluir
  3. Maravilhosa abordagem...eu desconhecia desta herança cultural riquíssima que os nossos índios deixam para todo o povo brasileiro. Estudo turismo e esse texto me ajudou muito no meu trabalho de patrimônio...obrigada!

    ResponderExcluir