"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 23 de julho de 2016

A mulher e a sexualidade na Roma antiga: Entre o amor e a pátria

Virgílio, famoso poeta da época do imperador Otávio Augusto (27 a.C. - 19 d.C.), escreveu Eneida, obra épica que narra a história de Roma. No relato de Virgílio, a origem de Roma e os tempos primitivos de sua história estão baseados em antigos mitos, contados e reelaborados ao longo dos séculos.

Os mitos e as lendas têm um valor inestimável para os historiadores. Podemos dizer que eles revelam os mais profundos valores, sentimentos e anseios de um povo. Dessa forma, estão mais relacionados ao momento em que são narrados do que à época a que se referem. Isso significa que a história escrita por Virgílio traz informações sobre os tempos remotos de Roma, mas principalmente informa sobre os valores romanos do século I do Império.

As duas lendas [...] a seguir permitem identificar as ideias romanas sobre a paixão e os deveres do cidadão para com a pátria e o destino traçado pelos deuses.

A primeira dessas lendas leva o leitor até a guerra de Tróia, ocorrida por volta do século XII a.C. Afrodite, deusa grega do amor, se apaixonou por Anquises, parente do rei de Tróia. Do namoro entre a deusa e o mortal, nasceu Enéias, que, tempos depois, se casou com Creusa. Desse casamento nasceu Ascânio.

A cidade de Tróia, cercada pelos gregos, estava condenada à derrota e à destruição. Enéias conseguiu fugir, salvando seu pai e o pequeno Ascânio, mas abandonou Creusa, a esposa amada. Apesar da crueldade do ato, ele se justifica pelo dever maior de Enéias: foi designado pelos deuses para fundar uma nova civilização na Itália. Para não pôr em risco a sua missão de dar continuidade à sua raça, ele sacrificou a mulher. Em outras palavras, Enéias não se deixou levar pela paixão. O que era a morte de uma mulher diante da tarefa de fundar Roma? Em outros momentos do mito, o dilema se repete, pois Enéias e seus descendentes são obrigados a sacrificar seus amores e sentimentos pessoais para cumprir a missão determinada pelos deuses. O desfecho da história é positivo.

Uma outra lenda narra o drama de Tarpéia, uma moça romana. Uma versão dessa lenda foi escrita por Propércio, que, assim como Virgílio, viveu no século I de nossa era.

Segundo essa lenda, durante uma guerra contra os seus vizinhos sabinos, os romanos ficaram cercados no Capitólio, a colina onde ficava o templo de Júpiter, no centro da cidade. Tarpeio, um dos líderes romanos, tinha uma filha muito bonita chamada Tarpéia, que se apaixonou pelo formoso Tácio, rei dos sabinos. Não conseguindo controlar os seus desejos, Tarpéia traiu o seu povo, indicando uma passagem secreta para o inimigo invadir a cidade. Em troca, o rei sabino aceitaria o amor de Tarpéia. Todavia, depois de obter a informação, o rei mandou matar a traidora.

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Dessa vez o desfecho foi negativo. Segundo o impulso da paixão e esquecendo os deveres para com o seu povo, a jovem romana provocou a sua própria desgraça e colocou em risco a existência da cidade.

As duas lendas têm o mesmo sentido: os sentimentos e as paixões devem estar submetidos aos interesses da pátria. Enéias, o herói, obedeceu essa regra cívica, moral e religiosa. Tarpéia, a traidora, não seguiu esses princípios e foi castigada com a morte.

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 213-214.

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