"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 2 de julho de 2016

"O viver em colônias" [Parte 2 - O cotidiano na colônia: tensão permanente]

No final do século, o núcleo colonial luso-brasileiro contava com aproximadamente 4 milhões de habitantes espalhados numa rede extensa de vilas e cidades - pois, afinal, os portugueses e espanhóis eram seres essencialmente urbanos - dispersas no imenso território que corresponde ao Brasil atual. Os mais importantes desses polos urbanos eram, geralmente, os portos dos principais centros de exportação de produtos agropecuários, minerais e pedras preciosas.

Até os últimos anos do século XVIII, a maioria dos habitantes da colônia vivia no Nordeste, em torno dos núcleos açucareiros da Bahia e de Pernambuco. A descoberta de ouro em Minas Gerais alterou o equilíbrio demográfico da colônia, ao atrair um grande contingente de colonos para o interior das capitanias "de baixo". A mineração foi a grande responsável pela fixação de núcleos populacionais estáveis nas capitanias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

A partir da segunda metade do século XVIII, o Rio de Janeiro polarizou a vasta hinterlândia das Gerais e dos campos de São Pedro. No Norte, o algodão deu impulso significativo ao Maranhão, principal produtor dessa matéria-prima. Nessa região, negros e mestiços formavam a maioria da população, subnutrida e analfabeta.


Mulheres escravas, Carlos Julião

A violência registrada no cotidiano da vida colonial deve-se, em grande parte, à presença da escravidão em todas as atividades. Era comum os escravos serem brutalizados por seus donos e tratados como animais, podendo ser vendidos a qualquer momento ou punidos por mero capricho do senhor ou do capataz. A vida de um escravo era, quase sempre, sórdida, desumana e curta. As fugas, levantes e castigos eram frequentes. A tensão entre senhores e escravos era permanente, sobretudo no mundo rural, que concentrava o grosso da escravaria africana ou ameríndia. Nessa situação, senhores e escravos, homens e mulheres, brancos, negros e mulatos enfrentavam o dia a dia da casa-grande e das senzalas.

Feitas de pedra e tijolo, cobertas de telhas, as casas-grandes procuravam reproduzir os valores da nobreza europeia - daí a pretensão dos senhores de autointitular-se "nobreza da terra". Os numerosos cômodos da casa-grande eram habitados pela família e os agregados do senhor. Os escravos moravam nas senzalas, habitações precárias e insalubres. As condições de vida nas senzalas eram penosas, a falta de higiene e a promiscuidade faziam parte do "inferno" dos escravos no insuficiente repouso que lhes era permitido. Nos raros momentos de lazer, cantava-se e batucava-se. Rezava-se nos calundus. O trabalho era árduo durante quase todo o ano. Não havia fim de semana, nem feriados religiosos.

Nos meses de entressafra, verificava-se

"uma época de ócio e, para alguns, de volutuosidade, desde que a monocultura, em parte nenhuma da América, facilitou pequenas culturas úteis, pequenas culturas e indústrias ancilares ao lado da imperial, de cana-de-açúcar. Só as que se podem chamar de entorpecentes, de gozo, quase de evasão, favoráveis àquele ócio, àquela volutuosidade: o tabaco, para os senhores; a maconha - plantada nem sempre clandestinamente perto dos canaviais - para os trabalhadores, para os negros, para a gente de cor; a cachaça, a aguardente, a branquinha."

MOTA, Carlos Guilherme; LOPEZ, Adriana. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora 34, 2015. p. 232-4.

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