"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A 1ª Guerra Mundial: O dilema das nações neutras [Parte V]

Natal dos prisioneiros de guerra, László Mednyánszky

O título de guerra mundial dá a impressão de que todas as grandes nações tomaram parte no conflito, mas no Natal de 1914 - cerca de cinco meses após o começo dos combates - os habitantes de ao menos dez nações europeias podiam agradecer por não participarem dos embates. Os três países escandinavos não estavam lutando. A Holanda permanecia neutra, enquanto a Bélgica, sua vizinha, encontrava-se subjugada. É fácil esquecer que uma nação apenas pode ser neutra se seus vizinhos assim o consentirem - a Bélgica desejava ser imparcial em 1914, mas os alemães tinham outros planos e rapidamente a absorveram, usando-a como sua principal passagem militar para a França.

A Espanha permaneceu neutra, enquanto Portugal fez de tudo para manter-se metade isento e metade aliado da Grã-Bretanha até 1916, quando finalmente recebeu uma declaração de guerra da Alemanha. A Itália manteve a neutralidade por algum tempo e, no mármore branco dos memoriais de guerra de milhares de praças em vilarejos do país, está inscrita uma cronologia que parece estranha à primeira vista: lamenta-se a morte de soldados italianos na Grande Guerra de 1915-18. A Bulgária, a Romênia e a Grécia se juntaram ao conflito ainda mais tarde. Das poucas grandes nações fora da Europa, duas das maiores - os Estados Unidos e a China - só se juntariam à contenda em 1917, e a participação da China foi pequena. A América Latina também tinha muitos países neutros até quase o fim do conflito. Mas as colônias, os domínios e os commonwealths britânicos espalhados pelo mundo aderiram às lutas desde o início, tendo alguns deles sofrido baixas altamente significativas, considerando-se suas pequenas populações.

Numa guerra em que bloqueios eram tão poderosos quanto armas, mesmo as nações neutras acabaram sentindo algum efeito. O turismo, mais importante para os suíços do que para qualquer outro povo europeu, foi afetado. O vilarejo de Zermatt, aninhado ao pé do Matterhorn, empregou 170 guias para atender aos turistas durante o último verão antes da guerra, mas à época do conflito não foi necessário nenhum guia. Em tempos de paz, a Suíça importava parte de seus grãos; em tempos de guerra, tentou reduzir o consumo de grãos e farinha, decretando que as lojas podiam vender apenas pão amanhecido. Como o país não tinha minas de carvão, viagens de trem tiveram de ser restringidas. Os navios a vapor, com sua trilha de fumaça negra, desapareceram de alguns lagos, e o carteiro passou a ser visto com menos frequência.

A guerra ofereceu a chance que os reformistas sociais esperavam. O movimento pela temperança, forte entre as mulheres, conquistou milhões de aliados e persuadiu os Estados Unidos e a Austrália a limitar a venda de bebidas alcoólicas. Muitas das famílias reais passaram a fazer seus brindes patrióticos com limonada. A Rússia proibiu a venda de vodca.

No mundo ocidental, a campanha em prol do voto feminino ganhou força com a guerra. As mulheres argumentavam que trabalhavam nas fábricas de munições e de produtos químicos, que seus filhos, irmãos e namorados ou maridos estavam morrendo no front e ainda assim elas não tinham direito de votar e decidir pela guerra ou pela paz. A melodia hoje famosa de Parry, Jerusalem, foi cantada pela primeira vez no Albert Hall, em Londres em 1916, durante um enorme encontro em favor do voto feminino. Em 1919, o direito tão reclamado foi concedido às alemãs, suecas e polonesas e no ano seguinte as norte-americanas receberam permissão para votar em eleições presidenciais. A grande maioria das mulheres da Grã-Bretanha, da França e de diversas outras democracias consolidadas ainda não tinha obtido o direito ao voto, mas a guerra fortaleceu a campanha.

Enquanto isso, a luta continuava. Quando acabaria? Os rumores de descontentamento sugeriam que os conflitos chegariam ao fim nos lares, mas não no campo de batalha.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 62-64.

NOTA: O texto "A 1ª Guerra Mundial: O dilema das nações neutras [Parte V]" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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