"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Panorama cultural: o mundo contemporâneo

As senhoritas de Avignon, Pablo Picasso

1. A primeira metade do século XIX. Os progressos alcançados pela física e pela química permitiram que se multiplicasse toda sorte de descobertas e inventos de grande alcance prático: o adubo químico para a agricultura, a técnica de vulcanização da borracha e a fotografia que, aperfeiçoados com o correr dos tempos, estão ainda hoje em uso. Surgiram a primeira estrada de ferro e os primeiros selos, na Inglaterra; a primeira agência de notícias na França; inaugurou-se o primeiro jardim da infância na Alemanha; Colt inventou o revólver e Braille compôs o alfabeto para cegos. Apareceram as primeiras capas impermeáveis de borracha e foi isolado o alumínio, que dentro de pouco tempo iria adquirir grande importância.

Na literatura, esse período é marcado pela presença viva do romance. Na França, escritores de grande renome foram Vitor Hugo (Os miseráveis, Nossa Senhora de Paris), Balzac (A comédia humana) e Stendhal (O vermelho e o negro). Na Rússia, destacaram-se Pushkin (Bóris Godunov) e Gogol (Taras Bulba); na Itália, Manzoni (Os noivos) e, nos Estados Unidos, tornaram-se populares os romances de Fenimore Cooper, em torno de lutas entre índios e os primeiros colonizadores (O último dos moicanos).

Tão importantes quanto os romancistas foram os poetas: na França, Lamartine, Igny e Musset; na Alemanha, Heine e Eichendorff; na Itália, Leopardi e, em Portugal, Garret.

Grande nome no teatro foi o alemão Büchner, com peças ainda hoje representadas com sucesso (A morte de Danton, Voiszek).

A arquitetura não apresenta um estilo próprio do período. Renovou-se o interesse pelas construções em estilo gótico, característico da Idade Média, continuando o gosto pelas construções neoclássicas, mais simplificadas.

Na pintura destacaram-se grandes artistas como o inglês Turner, o alemão Caspar David Friedrich e os franceses Delacroix e Corot.

Na música, alguns dos principais compositores desta época foram o polonês Chopin e os alemães Mendelssohn e Schumann, cujas peças musicais, os concertos principalmente, são executadas sempre com grande êxito.

2. A segunda metade do século XIX. Na segunda metade do século XIX aceleraram-se e multiplicaram-se descobertas científicas de repercussão mundial. Na medicina, o progresso foi enorme: o éter e o clorofórmio passaram a ser usados para a anestesia; estudaram-se as bactérias, organismos vivos diminutos, alguns dos quais provocam moléstias sérias. Nesse campo de pesquisa destacaram-se o francês  Pasteur, descobridor da vacina contra a raiva, e o alemão Koch, descobridor do bacilo responsável pela tuberculose (bacilo de Koch), e fundador da bacteriologia. Foi constatada a importância das vitaminas para o organismo humano, provando que sua falta provoca distúrbios orgânicos e, muitas vezes, doenças graves.

Foram feitos estudos significativos sobre a origem e a evolução da espécie humana pelo inglês Darwin (Origem das espécies) e pelo frade austríaco Mendel, que descobriu importantes leis sobre certas características hereditárias em plantas e animais, leis básicas para os estudos de genética.

Sucederam-se descobertas em vários campos científicos, com aplicações relevantes na indústria, contribuindo para a melhoria geral das condições de vida, para o progresso dos meios de comunicação e de transportes. A indústria têxtil foi aperfeiçoada por meio de máquinas automáticas, e desenvolveram-se a indústria de materiais óticos (Zeiss), a indústria do aço, a indústria extrativa do petróleo (Rockfeller). Apareceram a máquina de escrever e a máquina de somar. Surgiram a margarina, a sacarina, o celulóide e substâncias corantes artificiais (Bayer); o asfalto começou a ser empregado para a pavimentação de ruas; as primeiras pilhas secas, semelhantes às que conhecemos hoje, principiaram a ser usadas. O sueco Nobel descobriu a dinamite; o norte-americano Edison inventou a lâmpada elétrica; surgiram o microfone, o telefone (Bell), o fonógrafo e os primeiros discos, a fotografia em cores, os primeiros filmes em rolo que permitiram o aparecimento do cinema (1889).

Construíram-se as primeiras locomotivas e bondes elétricos (Siemens), a primeira motocicleta (Daimier), o primeiro automóvel (Benz), o primeiro metrô (na cidade de Londres), os primeiros elevadores. Na Europa foi aberta a primeira agência de viagens (Agência Cook), que inaugurou nos trens os primeiros carros-dormitório. Foram abertos o canal de Suez (1869), ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar vermelho, e o túnel de São Gotardo (1880) que, atravessando os Alpes, ligou a Suíça à Itália por via férrea.

Todos esses notáveis aperfeiçoamentos da técnica movimentaram a imaginação dos homens, permitindo a escritores, como, por exemplo, o francês Júlio Verne, antecipar em romances (20.000 léguas submarinas, Viagem à Lua) a construção de submarinos atômicos e de naves espaciais.

No campo da arqueologia o alemão Schliemann conseguiu descobrir as ruínas da antiga cidade de Tróia.

Na literatura, a prosa refletiu em grande parte o progresso técnico e científico da época e preocupou-se em dar uma visão mais objetiva, mais real do homem e do meio em seu redor. No romance destacaram-se o inglês Dickens (David Copperfield), os franceses Falubert (Madame Bovary), Zola (Naná, Germinal), Maupassant, autor de contos, os russos Tolstoi (Ana Karênina, Guerra e Paz), Dostoievski (Irmãos Karamazov, Humilhados e ofendidos), Checov (outro célebre escritor de contos), e os portugueses Alexandre Herculano (Eurico, o Presbítero, O Monge de Cister) e Camilo Castelo Branco (Amor de perdição).

A poesia nessa época teve expressão muito rica e variada, tanto na Europa como na América. Sobressaíram os poetas Tennyson e Browning, na Inglaterra; Carducci e Pascoli, na Itália; Baudelaire, Verlaine, Mallarmé, Rimbaud, na França; Edgar Allan Poe, Whitman, Longfellow, Emily Dickinson, nos Estados Unidos e Antero de Quental em Portugal.

O teatro teve dois grandes nomes: o alemão Hebbel e o norueguês Ibsen (Casa de bonecas, Os espectros), que influenciou várias gerações de escritores de teatro, no mundo todo.

Ao lado das obras literárias que retrataram o mundo imediato, real, surgiram obras de fantasia dedicadas à imaginação infantil: os Contos, de Andersen, as Aventuras de Pinocchio (Collodi), e Alice no país das maravilhas (Lewis Carroll).

Na filosofia, as obras de dois pensadores alemães, Schopenhauer e Nietzsche, marcaram profundamente o século XIX.

Até o último quartel do século passado a arquitetura pouco se modificou em relação à fase anterior, mas o grande desenvolvimento da indústria possibilitou o emprego de novos materiais de construção. Passaram a ser usados o vidro e o ferro. Cuidados especiais com o aspecto das cidades, abrindo largas avenidas, modificaram a paisagem urbana de algumas grandes cidades, das quais Paris é um exemplo.

A pintura da segunda metade do século foi excepcionalmente rica. Apareceram tendências novas e o emprego de técnicas diferentes. Dentre os pintores sobressaíram o americano Whistler e toda uma série famosa de artistas franceses: Manet, Monet, Pisarro, Sisley, Renoir, Degas, Cézanne, Seurat.


Os jogadores de cartas, Cézanne

A escultura foi representada por um grande nome, o francês Rodin.

Muito rica foi também a contribuição da música para o panorama cultural dessa época. A ópera teve extraordinário desenvolvimento com o alemão Wagner (O anel dos Nibelungen, Lohengrin, Tannhäuser), o italiano Verdi (Rigoletto, Aida, Trovatore), os franceses Gounod (Faust), Bizet (Carmen). A música para concerto teve seus expoentes com o alemão Brahms, com o húngaro Liszt e com o russo Tchaikovski. Merece ainda menção o austríaco Johann Strauss, compositor de música leve para dança, com larga aceitação na época e conhecida ainda hoje: a valsa (Danubio azul, Valsa do Imperador).

3. De 1890 a 1930. As descobertas científicas de vários séculos, aceleradas pelas investigações e experiências práticas do século XIX, intensificaram-se de maneira extraordinária durante os quarenta anos entre 1890 e 1930. O homem pôde assim iniciar uma nova fase de importantes conquistas. As mensagens pelo telégrafo sem fio (Marconi, 1897) e pelo rádio (Herz, 1903) principiaram a cortar o espaço. Aparelhos de filmar, captando pela primeira vez o movimento para as telas cinematográficas, possibilitaram filmes coloridos e sonoros, bem como as tentativas iniciais da televisão (1928).

O aperfeiçoamento cada vez maior da técnica conduziu à invenção da bicicleta, do dirigível (Zeppelin, 1893) e do avião. Logo a seguir, a indústria de ferro e aço iniciou a construção de aviões metálicos e tanques de guerra. Por sua vez a indústria química desenvolveu-se, com a invenção da galalite, da borracha sintética, da vitamina sintética e com a descoberta do rádio (Curie), elemento químico que desempenhou papel importante em vários campos da ciência.

Três acontecimentos marcantes abriram novas perspectivas para a medicina: Freud deu início à psicanálise (1895), permitindo estudos aprofundados da mente e do comportamento humanos; foram isolados os grupos sanguíneos, fundamentais para a transfusão de sangue; Fleming descobriu uma substância valiosa para combater infecções, a penicilina (1928).

As pesquisas na astronomia localizaram nos céus um planeta, Plutão, e as teorias de Einstein deram início à física moderna, abrindo caminho para grandes realizações da época atual.

Ao mesmo tempo, o homem lançou-se à novas explorações do globo: Peary alcançou o Polo Norte (1909) e Amundsen o Polo Sul (1911); em 1913 o Canal do Panamá, ligando o oceano Pacífico ao Atlântico, foi aberto à navegação internacional e, em 1927, pela primeira vez um avião cruzou o Atlântico.

Nos setores artísticos essas quatro décadas foram de uma produtividade assombrosa, trazendo toda uma série de modificações significativas na arquitetura, na pintura, na escultura, na literatura e na música.

Na arquitetura, as fachadas monumentais, características do século XIX, ainda persistiram durante algum tempo. As novas estruturas de ferro, exemplificadas pela Torre Eiffel, em Paris, tinham despertado grande curiosidade, mas pouca admiração. No início do século XX, porém, surgiu forte reação contra os velhos modelos do passado, tão insistentemente repetidos. Apareceram grandes arquitetos, com ideias novas, apresentando soluções exigidas pelo progresso da técnica. As fachadas começaram a perder a importância exagerada que haviam tido durante séculos; antes de ser belo, imponente, um edifício devia ser funcional, isto é, servir de modo prático aos que nele viviam ou trabalhavam. Dentre os grandes nomes da arquitetura destacaram-se o espanhol Gaudi, o suíço Le Corbusier, o holandês Mies van der Rohe e o norte-americano Frank Lloyd Wright.

Também no campo da pintura houve múltiplas inovações traduzindo o desejo de encontrar novos rumos de expressão. O movimento renovador recebeu muitas vezes o nome de Expressionismo, embora tenham surgido, dentro desse movimento, escolas com características diferentes.

Esse período de quarenta anos foi talvez um dos períodos mais ricos em grandes pintores de várias nacionalidades, cada um deles muito importante dentro da escola a que pertenceu: Van Gogh, Toulosse-Lautrec, Gauguin, Dufy, Matisse, Picasso, Mondrian, Chagall, Marc, Modigliani, Morandi, Utrillo. Outros pintores, com objetivos de renovação ainda mais fortes e insistentes, agruparam-se em 1924 no movimento chamado Surrealismo: De Chirico, Klee, Miró, Dali e Picasso também. Este último teve várias fases de pintura.

Na escultura sobressaíram, entre vários, dois nomes: o do francês Maillol e o do romeno Brancusi.

As grandes transformações por que passaram a Europa e o mundo nesse período, transformações profundas na maneira de sentir e de pensar, sobretudo depois da I Guerra Mundial, foram analisadas por pensadores como Bergson, Croce, Spengler e Ortega y Gasset.

O número de escritores que retrataram o mundo e a sociedade em rápida e contínua modificação foi também extraordinário: o alemão Brecht (A ópera dos três vinténs), o italiano Pirandello (Seis personagens à procura de um autor), o inglês Shaw (Pigmalião) e o francês Claudel (O anúncio feito a Maria) influenciaram todo o teatro moderno, com suas peças inovadoras. Na poesia tiveram larga repercussão os franceses Valéry e Apollinaire, o alemão Rilke, o italiano Ungaretti, o russo Maiakovski e o espanhol Garcia Lorca. No romance, podemos destacar o francês Proust (Em busca do tempo perdido), o alemão Thomas Mann (Os Buddenbrook), o norte-americano Hemingway (O velho e o mar), o inglês Joyce (Ulisses) e o português Eça de Queiroz (A cidade e as serras, Os Maias, O primo Basílio).

Na música, o desejo de renovação se fez sentir na obra do francês Debussy, dos russos Prokofieff e Stravinski, do húngaro Bartok e dos alemães Mahler e Schönberg.

Todo esse período foi de grandes mudanças nos vários campos da cultura, mudanças que prepararam as renovações ainda mais intensas e profundas da época atual.

4. De 1930 a 1945. Os anos que se seguiram ao fim da I Guerra Mundial trouxeram uma série de descontentamentos, agitações sociais e culturais no mundo inteiro. Mas trouxeram também muitas coisas novas para os vários setores das atividades humanas. O progresso na ciência levou à descoberta de fibras sintéticas como o nylon, e outras parecidas, para a fabricação de tecidos e de outros artigos de vestuários, como, por exemplo, as meias.

Começaram a ser construídas rodovias com várias pistas, na Alemanha e nos Estados Unidos da América. Surgiram as companhias regulares de aviação para transporte de passageiros e de mercadorias; foram feitos os primeiros testes com aviões a jato. Inventou-se o radar, importante para os aviões e os navios, pois indica, numa tela, a distância em que se encontram obstáculos invisíveis a olho nu, e que podem ameaçar a segurança das viagens.

Nesse período os homens aprenderam a utilizar uma energia até então desconhecida: a energia do átomo. O átomo, isto é, a menor partícula de um elemento, era considerado indivisível e a grande descoberta do século foi a sua divisão. O átomo dividido produzi uma grande energia que foi primeiramente usada para a fabricação da bomba atômica, muito mais poderosa do que qualquer outra bomba existente.

No terreno das artes surgiram obras que apresentavam uma larga variedade de estilos. Na pintura sobressaíram os quadros do francês Magritte, dos italianos Campigli e De Pisis, do russo Soudine, dos mexicanos Orozco e Rivera.


O levante, Diego Rivera

Na escultura destacaram-se os trabalhos do inglês Henry Moore, do norte-americano Calder, do italiano Marini, do japonês Noguchi.

Também a arquitetura não seguiu um estilo definido. As linhas do passado foram substituídas por linhas novas, em constante modificação,  de acordo com as necessidades. De modo geral, empregavam-se concreto, isto é, cimento reforçado por ferro, estruturas de metal (aço, alumínio) e vidro em larga quantidade, especialmente para a construção de arranha-céus, cada vez mais numerosos, sobretudo nos Estados Unidos.

Mas foi nos países mais quentes, cheios de luz e de sol - como o Brasil, por exemplo - que houve as maiores mudanças na arquitetura: os arquitetos brasileiros Lúcio Costa e Oscar Niemeyer se destacaram construindo , para a Feira Internacional de Nova York, em 1939, o pavilhão brasileiro.

Na literatura surgiram muitos nomes; no teatro, o norte-americano O'Neil (Além do horizonte, A longa jornada dentro da noite); no romance, os norte-americanos Faulkner (Requiem para uma freira) e Steinbeck (Ratos e homens), o francês Malraux (A esperança), o italiano Moravia (Os indiferentes); na poesia, o italiano Montale e o português Fernando Pessoa.

5. De 1945 aos nossos dias. A II Guerra Mundial aumentou e apressou as grandes mudanças trazidas pela primeira guerra, e trouxe outros descontentamentos e agitações sociais e culturais. Esse período de desafio, de descontentamento e de agitação continua até os dias de hoje. Como estamos todos participando das mudanças e das renovações não podemos ter um julgamento claro sobre o que tem realmente valor na nossa época.

Quando vivemos um acontecimento é difícil perceber tudo o que, ao mesmo tempo, ocorre ao nosso redor.

No plano cultural acontece o mesmo: só depois de algum tempo podemos julgar a importância e o valor de certas obras muito próximas de nós. O que podemos dizer é que a procura de novas maneiras de se exprimir, através da arte, continua intensa. A pintura, a escultura, a arquitetura, a literatura, a música e o cinema encontram a cada dia novas combinações de linhas, formas, cores, imagens, sons, linguagem, para descrever melhor a época em que vivemos.

Enquanto isso, a ciência avança com rapidez extraordinária. As conquistas da medicina se sucedem; a técnica vence as dificuldades na exploração do espaço; satélites artificiais permitem a comunicação imediata entre os países, por meio do telefone, da televisão e da internet. Aviões a jato e aviões supersônicos encurtam as distâncias. A descoberta e o controle da energia atômica abrem possibilidades imensas de melhoria para a indústria e para a agricultura.

Todo esse progresso não basta, porém, para garantir aos homens a tranquilidade e a segurança que tanto desejam. Mas, em meio a todos os problemas maiores e menores que existem, a humanidade por certo encontrará, através dos esforços no presente e baseado nos exemplos que nos deixaram os homens do passado, um caminho melhor para o futuro.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História do Brasil: da independência aos nossos dias. São Paulo: Nacional, 1980.

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