"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Panorama cultural: o mundo moderno

Caçadores na neve, Bruegel

* Introdução. A história, para reconstruir acontecimentos, hábitos e costumes dos povos, também se serve de obras de artistas. Um quadro pode retratar moradias, roupas, divertimentos, armas, utensílios, característicos de uma época; um romance pode descrever o tipo de vida, os interesses de uma sociedade; uma estátua, um monumento, palácios, igrejas, casas, jardins, refletem os gostos, as preferências dos homens de um determinado período da civilização. Portanto, a pintura, a literatura, a escultura e a arquitetura dão informações importantes à história.

To be or not to be.
(William Shakespeare)

1. O século XV. Há épocas que se caracterizam por modificações marcantes na maneira de pensar e de agir dos homens. É o caso do século XV, que representa a abertura de novas e grandes possibilidades para o progresso do gênero humano.

Os homens do início da Idade Moderna, tendo como ponto de partida a experiência, a curiosidade e a sensibilidade, começaram a tomar conhecimento de tudo quanto existia, e a preocupar-se com o que imaginavam pudesse existir no mundo em que viviam.

Foram homens que enfrentaram todos os desafios do conhecimento, possuídos de uma verdadeira ânsia de saber. Isso levou-os a transformar e a aperfeiçoar invenções anteriores (a bússola, a pólvora, o papel), a fazer novos inventos (a imprensa) e a alargar os horizontes geográficos, descobrindo novas fontes de riqueza. 

Em meados do século XV, surgiu uma invenção de grande importância que facilitou enormemente a divulgação dos conhecimentos humanos: a imprensa. Até aquela época gravava-se o texto de uma página sobre uma prancha de madeira, em relevo; as letras eram cobertas de tinta e sobre a prancha punham-se, uma a uma, as folhas de papel que saíam impressas. Isto já era um grande progresso, se lembrarmos que até então os livros eram escritos vagarosamente à mão. Mas havia um inconveniente: essa prancha de madeira servia apenas para uma página de um determinado livro, pois as letras não eram soltas e não podiam ser reaproveitadas. Foi o alemão Gutenberg que teve a ideia de reproduzir as letras do alfabeto, em separado, sobre madeira, formando letras ou tipos móveis: começou, assim, a tipografia.

O primeiro livro impresso por Gutenberg foi a Bíblia. Daí em diante, escritos antigos e da época começaram a ser publicados em quantidade. À medida que aumentava o número de livros crescia também o interesse pela leitura e vastas bibliotecas foram surgindo.

Ao interesse pelas ciências e pelas obras dos escritores juntou-se o interesse pelas artes. Não é difícil encontrar, no século XV, homens que desenvolveram, ao mesmo tempo, várias atividades: escritor, historiador, pintor, astrônomo, matemático, médico.

Enquanto em quase toda a Europa a arquitetura apresentava um estilo que foi característico da Idade Média, o gótico, no século XV surgiu na Itália um estilo mais leve e mais simples, o estilo renascentista, que serviu de modelo à arquitetura europeia, particularmente do século XVI.

A pintura européia é representada sobretudo por obras de artistas flamengos e de artistas italianos. Entre os flamengos sobressaíram Van Eyck, Van der Weyden, Van der Goes e Memling. Dentre os mestres italianos destacaram-se Fra Angelico, Piero della Francesca, Carpaccio e Botticelli. Em Portugal apareceu também um grande mestre da pintura: Nuno Gonçalves. Uma obra-prima da escultura marcou o final do século XV. É a Pietá de Michelangelo, um dos mais notáveis escultores e pintores do mundo inteiro.

2. O século XVI. Com o descobrimento da América, o mundo se alarga. Os espanhóis, depois de explorar as Antilhas, chegaram até as regiões do México e do Peru atuais. Assim os europeus entraram em contato com a civilização dos astecas e maias (antigos habitantes do México atual) e com a dos quíchuas (que habitavam o Peru de hoje), governados por imperadores que tinha o título de Incas e se julgavam filhos do Sol.

Esses povos tinham uma cultura bastante avançada em certos setores e nos deixaram belíssimas e importantes obras de arte em cerâmica, em objetos de ouro e de prata, em esculturas e arquitetura.

Na Europa apareceram vários grandes mestres na literatura (Camões, o maior poeta português do século, que escreveu Os Lusíadas, narrando, em versos, a viagem de Vasco da Gama à Índia); na pintura, sobressaíram quatro grandes artistas italianos que tiveram repercussão em toda a Europa: Michelangelo, Leonardo da Vinci, Raffaello e Tiziano. Na escultura, o nome de maior destaque continua sendo o de Michelangelo.


O rapto das sabinas, Giambologna

Em arquitetura, a Europa começou a inspirar-se no estilo renascentista italiano. Em vários países foram construídos castelos e palácios neste novo estilo. Em Portugal desenvolveu-se o estilo manuelino, ilustrado pelo Mosteiro dos Jerônimos, pela Torre de Belém e pelo antigo Palácio Episcopal de Coimbra.

Na Itália sobressai ainda, como arquiteto, Michelangelo que, entre outras obras, projetou a cúpula da Igreja de São Pedro, no Vaticano.

Nesta época os jardins começaram a tornar-se importantes, e o arquiteto italiano Andrea Palladio construiu belas residências cercadas por parques, que influenciaram construções e ajardinamentos em outros países.

Leonardo da Vinci, além de ser grande pintor, foi também grande inventor. Imaginou e desenhou algumas máquinas, aparelhos, utensílios, que mais tarde se tornariam realidade, desde as coisas mais simples, como a bóia salva-vidas, até as mais complicadas, como o tanque de guerra e o pára-quedas.


Mona Lisa, Leonardo da Vinci

3. O século XVII. Nos últimos anos do século XVI e durante todo o século XVII, enquanto o Brasil ainda dava os primeiros passos para a sua formação, e a vida era rude e primitiva, houve, na Europa, um grande progresso nas ciências, com várias descobertas no campo da matemática, da física e da astronomia, feitas por cientistas como Descartes, Kepler, Newton e Galileu. 

Nesse período surgiram, por exemplo, o calendário gregoriano (o nosso atual calendário), o sistema decimal de pesos e medidas, o microscópio, o barômetro, o telescópio. 

Na literatura destacou-se Shakespeare, grande escritor inglês, autor de peças de teatro muito célebres como Romeu e Julieta, Hamlet, Otelo. Na França, sobressaíram Corneille, também autor de peças de teatro famosas, como O Cid, inspirada na luta pela reconquista da Espanha; Molière, autor de comédias que criticam a sociedade francesa da época, como O avarento, O doente imaginário; Racine, grande autor de tragédias como Fedra, Ifigênia, inspiradas na história ou nas lendas da Antiguidade; La Fontaine, que escreveu as Fábulas, histórias de bichos que falam e se comportam como gente. Na Espanha, o grande nome desta época foi Cervantes, que narrou as aventuras do cavaleiro Dom Quixote.

Na arquitetura, continuou a preocupação com o embelezamento dos jardins que cercavam os palácios. Na França, a preocupação com os jardins culminou com o famoso parque do palácio de Versalhes, que se tornou modelo para outros parques de palácios reais. Começou também a haver um interesse maior pela construção de casas, que se agruparam, às vezes formando praças. Neste século surgiu um grande nome na arquitetura, dentro de um novo estilo conhecido como barroco: o italiano Bernini, a quem se devem estátuas, igrejas e as famosas colunas da Praça de São Pedro, no Vaticano. Na arquitetura religiosa, a igreja da Companhia de Jesus, em Roma, representou o modelo para as igrejas jesuítas em todo o mundo.

Nesse século começou o interesse pela reprodução da paisagem e da natureza morta, isto é, de flores, frutas, animais mortos, utensílios domésticos, interiores de casas. O objetivo era mostrar tudo o que cerca e serve ao homem. Os mais importantes pintores foram: na Espanha, El Greco, Velásquez e Murillo; na Itália, sobressaiu Caravaggio; na Holanda, Rembrandt e Vermeer; muito importantes foram os flamengos Rubens e Van Dick.


São Sebastião, El Greco

Os primeiros anos do século XVII viram surgir, na Itália, com Monteverdi, uma nova modalidade artística, no campo da música: o melodrama. São poesias musicadas, para serem representadas e cantadas no palco. Foi o início da ópera.

4. O século XVIII. O homem do século XVIII, como o homem dos séculos XV e XVI, foi um homem entusiasmado pelo mundo à sua volta e desejoso de alargar e aprofundar cada vez mais seus conhecimentos científicos.

O século XVIII foi marcado por descobertas importantes nos campos da astronomia, da física, da história natural e da química (feitas por Lavoisier, pai da química moderna).

Começaram a ser inventadas as primeiras máquinas, como a máquina a vapor e o tear mecânico; surgiram o termômetro e o pára-raios. Por meio de escavações, foram desenterradas antigas cidades desaparecidas há centenas de anos (Pompéia foi uma delas). Nasceu assim a arqueologia.

No campo da cultura houve uma grande renovação de ideias e de gostos, de hábitos e de costumes, estimulada pelo pensamento dos filósofos, principalmente de Rousseau e de Voltaire.

Essas novas ideias e gostos, e todos os conhecimentos adquiridos por meio de inúmeros estudos, experiências e descobertas científicas, foram reunidos na Enciclopédia, a obra mais importante publicada no século XVIII.

Na literatura, o romance ganhou importância através da obra de escritores ingleses: Defoe, autor de Robinson Crusoe e Swift, com As viagens de Gulliver. Na França, houve dois nomes famosos: Montesquieu, autor de O espírito das leis e Beaumarchais, a quem devemos várias peças de teatro, entre as quais a comédia O casamento de Fígaro, que serviu de inspiração para uma ópera de Mozart. Outro autor de peças de teatro foi o italiano Goldoni, cujas comédias são representadas ainda hoje, como A hospedeira e A loja do café. Na Alemanha, destacaram-se Lessing, autor de peças teatrais como Minna de Barnheim e Nathan, o sábio; Goethe (autor de Werther) e Schiller (Os salteadores) vão ter especial destaque também no século XIX.

Na pintura, surgiram artistas de grande valor: a Itália foi representada por Canaletto e Tiepolo. Na Inglaterra, destacaram-se Reynolds e Gainsborough. Na França, foram pintados quadros de grande delicadeza e graça por Watteau, Boucher, Chardin e Fragonard.

Na arquitetura, o século XVIII viu surgirem, na Alemanha, palácios ricamente ornamentados, com imponentes escadarias. Aliás, as ricas e largas escadarias e ainda os jardins foram algumas das características desse brilhante período.

Na América, nas colônias espanholas, começaram a ser construídas riquíssimas igrejas, interiormente cobertas de ouro e de prata.

Este século foi um período também particularmente rico nos vários setores artísticos. Na música sobressaiu Bach, compositor de célebres tocatas e fugas e apareceram quatro compositores importantes: Haendel, Gluck, Mozart e Pergolesi, que escreveu a primeira ópera cômica.

5. O início do século XIX. As descobertas científicas feitas no século XVIII e o progresso nos campos da física, da química e da astronomia (aperfeiçoada por Laplace) multiplicaram-se no início do século XIX e começaram a ser utilizadas em larga escala na vida prática, na indústria, no comércio, nas comunicações. Com isso surgiram maiores facilidades nos transportes e maior conforto para os homens dentro e fora de casa. A descoberta do gás de iluminação trouxe  uma grande melhoria para as cidades. As estradas se aperfeiçoaram com o uso de macadame. Surgiram o telégrafo elétrico e a pilha elétrica, a máquina de costura de madeira e o pára-quedas. Foi iniciada a navegação a vapor, abrindo perspectivas para uma travessia mais rápida dos oceanos. A locomotiva apareceu, preparando o século para uma época de transportes mais fáceis por terra.

No campo da arqueologia houve uma descoberta importante que forneceu dados valiosos para o estudo da história: o francês Champollion descobriu como decifrar documentos escritos dos antigos egípcios, encontrados em Roseta.

Desenvolveu-se o urbanismo, isto é, a arte de planejar, organizar, construir e embelezar uma cidade. Apareceram as primeiras ruas curvas e os jardins públicos, com parques agradáveis, destinados ao recreio da população.

Na arquitetura, esta época revelou falta de imaginação. Os edifícios limitaram-se quase sempre a imitar construções de épocas anteriores, apresentando paredes pintadas que fingiam ser de pedra ou de mármore, cúpulas, colunas e fachadas grandiosas, inspiradas na arquitetura clássica dos gregos e dos romanos. Por isso mesmo esse estilo foi chamado de neoclássico, isto é, "clássico novo".

A literatura do início do século XIX trouxe uma mudança de gosto que se afirmará definitivamente a partir de 1825, com o movimento chamado Romantismo. Divulgadores desse novo gosto literário foram os franceses Madame de Staël, com seu livro Da Alemanha, Chateaubriabd, com seus romances Atala e René, e os irmãos Schlegel, alemães, estudiosos e críticos da literatura em geral.

Por causa das transformações que se anunciavam, encontram-se, na literatura dessa época, autores que não aderiram completamente ao novo gosto e outros que já apresentam as características dos românticos. Entre os primeiros estão os alemães Goethe e Schiller que atingiram nessa época os pontos altos de sua atividade literária: Goethe com sua obra-prima, o Fausto, Schiller com peças de teatro como Maria Stuart e Guilherme Tell. Também o inglês Scott, autor de romances históricos, pertence a esse grupo de escritores ainda não completamente românticos. Dentre os autores que já apresentam novas características destacam-se os poetas ingleses Byron, Shelley e Keats.

Na pintura, destacaram-se Constable, na Inglaterra; David e Ingres, na França; Goya, na Espanha. A escultura deu um grande nome para as artes, o italiano Canova.


O casamento, Goya

O campo da música foi muito rico: na Itália sobressaíram Rossini, autor de óperas entre as quais O barbeiro de Sevilha, e Paganini, compositor de peças musicais para violino. Na Áustria destacaram-se Haydn, Schubert, e, na Alemanha, com extraordinária projeção, Beethoven, compositor de célebres operetas, concertos e sinfonias.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História do Brasil: das origens à independência. São Paulo: Nacional, 1980.

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