"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O que devemos ao índio

Meditação, Élon Brasil

"Chegança” 

Sou Pataxó, Sou Xavante e Cariri, Ianomâmi, sou Tupi Guarani, sou Carajá. Sou Pancaruru, Carijó, Tupinajé, Potiguar, sou Caeté, Ful-ni-ô, Tupinambá. Depois que os mares Dividiram os continentes, Quis ver terras diferentes, Eu pensei: “vou procurar Um mundo novo, Lá depois do horizonte, Levo a rede balançante Pra no sol me espreguiçar”. Eu atraquei Num porto muito seguro, Céu azul, paz e ar puro... Botei as pernas pro ar. Logo sonhei Que estava no paraíso, Onde nem era preciso Dormir para se sonhar. Mas de repente Me acordei com a surpresa: Uma esquadra portuguesa Veio na praia atracar. Da Grande-nau, Um branco de barba escura, Vestindo uma armadura Me apontou pra me pegar. E assustado Dei um pulo na rede, Pressenti a fome, a sede, Eu pensei: “vão me acabar”. Me levantei De borduna já na mão. Aí, senti no coração, O Brasil vai começar.
 (Antonio Nóbrega e Wilson Freire, do CD Pernambuco falando para o mundo, 1998)

... antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade...
(Oswald de Andrade)

* Tribos.  As tribos indígenas do Brasil estão hoje classificadas segundo a etnia e a língua. Os grupos principais são: tupis-guaranis, habitantes do litoral, na época do descobrimento - os mais conhecidos são: potiguaras, caetés, tupinambás, tupiniquins, tamoios, temiminós, tabajaras e carijós; jês, habitantes do Brasil central - destacam-se os aimorés, os botocudos, os apinajés, os xavantes; caribes ou caraíbas e nuaruaques - estes dois últimos grupos encontravam-se, e ainda se encontram, no Brasil, na Amazônia e em partes do atual Estado de Mato Grosso.

* Organização tribal. As tribos se reuniam em nações, dentre as quais foi muito importante a nação dos índios tupis. Tinham um chefe geral, o tuxaua ou morubixaba, ao qual obedeciam os chefes guerreiros. Além do chefe guerreiro de uma tribo, havia ainda o chefe religioso, o pajé. As tribos mudavam frequentemente de lugar, isto é, eram nômades. Como viviam da caça, da pesca e de algum plantio, logo que animais e peixes começavam a faltar e o solo a produzir menos, procuravam novo lugar para viver. Invadiam territórios de outras tribos, a fim de expulsá-los. Daí estarem frequentemente em guerra.

As aldeias dos índios eram protegidas por uma cerca de paus, uma paliçada, chamada caiçara. Moravam em grandes abrigos, as ocas, feitos de troncos cobertos de folhas de palmeira. Os abrigos se agrupavam em torno de uma praça central, a ocara, onde se realizavam as festas e as cerimônias.

Os laços de união entre todos os membros de uma tribo eram muito fortes: qualquer provocação ou ataque a um deles atingia a todos os demais, levando a novas guerras. Uma lenda dos guaranis do Paraguai diz que eles e os tupis eram antigamente uma só nação. O que separou aqueles destes foi uma discussão por causa de um papagaio que os dois grupos reclamavam para si. Os mais fortes, porque eram mais numerosos (os tupis), acabaram ficando com o papagaio e com a terra, que era o Brasil, e expulsaram os outros, menos numerosos, que ficaram sendo os guaranis.

Algumas tribos, às vezes, utilizavam as igaçabas (grandes urnas de barro, onde era fabricado o cauim) para enterrar seus mortos.

Havia grande diferença entre o grau de adiantamento das tribos. Enquanto algumas tinham certo conhecimento de agricultura, outras viviam da maneira mais primitiva, da coleta, isto é, colhendo frutos de plantas que encontravam. Mas havia também características comuns à maioria das tribos: não conheciam a escrita, nem o uso de metais; não domesticavam animais, acreditavam nas divindades do bem e do mal; alguns praticavam a antropofagia, comendo a carne do inimigo forte e corajoso para absorver-lhe as qualidades. Viviam geralmente nus, pintando o corpo de vermelho e de preto, com tinturas extraídas de plantas, como u urucu, e o jenipapo.

* Técnicas e artes. Os índios faziam o cultivo das plantas nativas após a derrubada e a queimada das árvores, prática chamada coivara. Cultivavam a mandioca, o milho, o feijão, o amendoim, o abacaxi, a batata-doce, o tabaco, a banana e a pimenta. Além disso, colhiam frutos selvagens como o caju, o mamão, abóbora e cabaças. Da mandioca, do milho ou do caju fabricavam uma bebida, o cauim.

Como utensílios conheciam facas e machados de pedra polida. Como armas, tinham o tacape, o arco e a flecha, e lanças para as quais utilizavam pontas de pedras, de ossos e de dentes.

Algumas tribos conheciam a técnica da tecelagem, fazendo tangas e redes de fibras de palmeiras ou de algodão nativo. Era também desenvolvida a feitura de cestos e a técnica da cerâmica, ocupação exclusivamente feminina. Faziam -se recipientes variados e esteiras de palha.

Para navegar, nos rios ou no mar, construíam jangadas e canoas (igaras e ubás). As canoas podem ser feitas de um tronco escavado ou de cascas de certas árvores.


Travessia, Carybé

Para as festas utilizavam instrumentos sonoros: tambores (guararás), chocalhos (maracás) e flautas de osso (membis). As manifestações artísticas dos índios apareciam, sobretudo, nos objetos de cerâmica e nos enfeites. Cocares de penas e plumas, braceletes de sementes, combinadas com dentes humanos e de animais.


"Que diferença enorme existe entre as duas humanidades: uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos; outra, uma sociedade em explosão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz. Se um indivíduo der um grito no centro de São Paulo, uma radiopatrulha poderá levá-lo preso. Se um índio der um tremendo berro no meio da aldeia, ninguém olhará para ele, nem irá perguntar por que ele gritou. O índio é um homem livre". 
(Orlando Vilas Boas, Visão, 10-2-1975)

* O que devemos ao índio. O índio foi um dos elementos formadores do povo brasileiro. os filhos de índios e de brancos, os mestiços mamelucos, muito contribuíram para o êxito da colonização.

Devemos ao índio a técnica do preparo do solo para o plantio, pois a coivara continua sendo usada no interior do Brasil. A rede (ini) também é uma herança do índio. No norte do país ela é utilizada para dormir, em substituição da cama, devido ao clima muito quente. No resto do país, ela é sinônimo de descanso.

Em várias regiões (Norte e Nordeste), continuam a ser usadas as jangadas e as canoas de um só tronco de árvore.

Nos alimentos que os índios nos legaram, a mandioca ocupa lugar principal, pois ainda é alimento constante de todo o país.

Uma das contribuições mais importantes dos índios tupis-guaranis está no nome de localidades, de plantas e de animais brasileiros: Jurumirim (juru= boca, mirim= pequeno; boca pequena), Itajubá (itá= pedra, juba= amarela; pedra amarela), Curitiba (curi= pinheiro, tiba= muito; pinheiral), Itaúna (itá= pedra, una= preta; pedra preta), Jacareí (jacaré= jacaré, i= água; rio dos jacarés), Iguaçu (i= água, açu= grande; água grande).

Na flora brasileira encontramos: ipê, guaraná, jabuticaba, caju, mandioca, taquara, carnaúba, jacarandá, gravatá, caatinga e muitos outros. Também muitos são os nomes de animais que a língua tupi nos legou: tapir, arara, tamanduá, jabuti, jacaré, cupim,, cutia, içá, jaquatirica, jibóia, paca, siri, sabiá, tatu, tucano, entre outros.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História do Brasil: das origens à independência. São Paulo: Nacional, 1980.

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