"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A maneira tupi-guarani de ver e explicar o mundo

O Tupi-Guarani é um grupo linguístico que inclui um grande número de povos indígenas, do passado e do presente. Dele fazem parte, por exemplo, os Tupinambá, que não existem mais, e os Araweté, que vivem na Amazônia. Temos comunidades indígenas pertencentes a esse grupo vivendo tanto em regiões afastadas, cobertas de florestas, como em áreas muito urbanizadas, próximas a grandes metrópoles. Neste último caso, estão, por exemplo, os Guarani Ñandeva, que vivem numa aldeia no morro do Jaraguá, em plena cidade de São Paulo.

Apesar das grandes diferenças nos costumes, mitos e rituais entre os vários povos, do passado e do presente, que pertencem ao grupo Tupi-Guarani, os estudiosos conseguiram perceber alguns aspectos comuns a todos eles. É possível, assim, falarmos de uma cosmologia tupi-guarani.


Índio tupi, 1643. Albert Eckhout

Para entender essa cosmologia, é fundamental sabermos a concepção de pessoa para os Tupi-Guarani. Para eles o homem vive uma situação de transição. A sociedade seria um ponto de passagem entre a condição animal e a divina. Entre todos os povos Tupi-Guarani, é possível observar nos mitos, rituais e costumes essa classificação, que estabelece uma série animal, outra humana e uma terceira divina. Elas podem ser simbolizadas, por exemplo, pelo podre (a natureza), o cru (a cultura) e o cozido (o sobrenatural). Em outros casos, é bem marcada a diferença entre natureza e cultura, formando-se pares de oposição: palavra/natureza animal; osso/ carne e sangue; alimentação vegetal/alimentação de carne.

A pessoa, então, vive essa tensão dada por uma identidade dividida em três. Ela não é mais o que foi (natureza), nem é ainda o que deverá ser (divina). A morte separa a dimensão divina da dimensão terrestre da pessoa.

A alma terrestre está ligada ao temperamento individual, à alimentação, ao corpo, e foi formada ao longo da vida do indivíduo. É uma espécie de resumo da sua história. Assim como o corpo físico, essa alma desaparece lentamente após a morte.

A alma divina, pelo contrário, não foi formada, mas dada pronta. Ela se juntará aos deuses e se tornará um deles.

Embora os mitos variem de povo para povo, eles normalmente falam de um cataclismo inicial que separou o mundo divino do terreno. Uns foram para o mundo divino e outros ficaram para trás.


Índia tupi, 1641. Albert Eckhout

Dessa forma, a religiosidade tupi-guarani está marcada pelo desejo de alcançar um mundo de eterna juventude, sem trabalho e sem morte, onde eles viveriam ao lado dos seus antepassados, tornando-se deuses como eles.

No passado muitos povos Tupi-Guarani empreenderam migrações religiosas à procura da Terra sem Mal, o lugar dos deuses, ora na direção oeste, ora na direção leste. Guiados pelos karai, líderes proféticos, eles abandonavam tudo movidos por essa crença.

Atualmente, os Guarani substituíram a prova da migração pelo sofrimento da vida social. A sociedade mais justa do passado deixou de existir, e é preciso passar pela prova da vida social atual para atingir a Terra sem Mal.

A vida em sociedade tanto pode ajudar como atrapalhar o indivíduo a passar para a condição de deus. Se ele reparte as suas coisas com o grupo, se é solidário, dificilmente ele voltará ao estado de animal. Mas se ele come a sua caça sozinho na mata, negando sua solidariedade ao grupo, pode cair novamente na animalidade.

Porém, ao procurar solitariamente a imortalidade, rompe os laços que o prendem ao seu grupo, à vida social, atingindo a condição de deus.

[...]

Um dos elementos essenciais da cosmologia tupi-guarani é a recusa da aliança e da troca e o desejo de superar a necessidade. Para isso é preciso abolir a diferença. É isso que explica a presença do canibalismo e do incesto na cosmologia tupi-guarani. [...]

PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 165-6.

2 comentários:

  1. Oi, Orides.
    eu estou escrevendo e desenhando sobre a luta dos indígenas na época Colonial, especialmente como uma origem do povo cearense; é um trabalho de HQ, se você puder dar uma olhada no meu blog eu agradeço. valeu!

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    1. Bom dia Eduardo Nogueira. Já visitei e estou seguindo teu blog. Parabéns pelo teu trabalho. Abraço.

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