"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 5 de abril de 2011

O historiador: um figurante

Alegoria da História, Nikolaos Gysis

"Os infinitos heróis desconhecidos valem tanto quanto os maiores heróis da História."
(W. Whitman)

"(...) A sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são necessários e complementares um ao outro, e não opostos: 'Nenhum homem é uma ilha na sua totalidade', segundo a famosa frase de Donne: 'Cada homem é um pedaço do continente, uma parte do principal.' Esse é um aspecto da verdade. Por outro lado, tomemos a expressão de J. S. Mill, o individualista clássico: 'Os homens, quando são colocados juntos, não se convertem em outra espécie de substância.' É claro que não. Mas a falácia está em supor que eles existiam, ou que tinham uma espécie de substância antes de serem 'colocados juntos'. Logo que nascemos, o mundo começa a agir sobre nós e a transformar-nos de unidades meramente biológicas em unidades sociais. Todo ser humano em qualquer estágio da História ou da Pré-história nasce numa sociedade e, desde seus primeiros anos, é moldado por essa sociedade. A língua que ele fala não é uma herança individual, mas uma aquisição social do grupo no qual ele cresce. Ambos, língua e meio, ajudam a determinar o caráter de seu pensamento, suas primeiras ideias são provenientes de outras. Conforme já se afirmou, o indivíduo, desligado da sociedade, seria incapaz de falar e pensar.

(...) O historiador é (...) um ser humano individual. Como outros indivíduos, ele também é um fenômeno social, tanto o produto como o porta-voz consciente ou inconsciente da sociedade à qual pertence; é nesta situação que ele aborda os fatos do passado histórico. Falamos, às vezes, do curso da História como uma 'procissão em movimento'. A metáfora é bastante razoável contanto que não incite o historiador a se considerar como uma águia observando a cena de um penhasco solitário ou como um vip* no palanque. Nada disso!

O historiador nada mais é do que um figurante caminhando com dificuldade no meio da procissão. E à medida que a procissão serpenteia, desviando-se ora para a direita e ora para a esquerda, algumas vezes dobrando-se sobre si mesma, as posições relativas das diferentes partes da procissão estão constantemente mudando... Novas perspectivas, novos ângulos de visão constantemente aparecem à medida que a procissão - e o historiador com ela - se desloca. O historiador é parte da História. O ponto da procissão em que ele se encontra determina seu ângulo de visão sobre o passado." CARR, E. H. Que é a História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

* Very important person (pessoa muito importante, ídolo, personalidade famosa).

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