"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Os índios botocudos na visão dos cientistas alemães Spix & Martius

Família de índios botocudos atravessando um rio, Maximilian zu Wied-Neuwied

Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich von Martius foram dois cientistas alemães, o primeiro, zoólogo, e o segundo, botânico, que empreenderam uma longa viagem pelo Brasil entre 1817 e 1820. Suas minuciosas observações se transformaram em uma obra de três volumes, que hoje constituem uma importante fonte para os historiadores que estudam a época.

O fragmento reproduzido abaixo é extremamente revelador da visão que os europeus tinham das culturas indígenas. Não conseguiam ver nas maneiras de viver dos indígenas alternativas válidas de sociedade. O culturalmente diferente era considerado um sinal de selvageria, bestialidade, atraso.

Os botocudos mereceriam ser tratados como criminosos por "serem ciosos da sua liberdade". Ou perdiam a liberdade e eram integrados à "civilização" como trabalhadores úteis aos colonos e fornecedores de bens, ou seriam tratados como verdadeiras feras selvagens. (PEDRO, Antonio. LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 38.)

Família de botocudos em marcha, Jean-Baptiste Debret

Quando, no dia seguinte, cavalgamos pelo cerrado [...] fomos subitamente surpreendidos por um bando de índios nus, homens e mulheres, que vinham em completo silêncio pela estrada.

[...]

[...] era de horror a nossa impressão, à vista destes homens, que, na sua aparência feia, quase não têm traço de humanidade. Indolência, embotamento e rudeza animal estampam-se-lhes nos rostos quadrangulares, achatados, nos pequenos olhos esquivos; voracidade, preguiça e grosseria, patenteiam-se-lhes nos lábios inchados, na barriga, assim como em todo o torso troncudo e no andar de passos curtos.

[...]

Como depois soubemos, esses botocudos meio mansos do Rio Doce eram transferidos para as colônias do Rio Grande [atual Minas Novas] ou Belmonte [atual Jequitinhonha], a fim de se tornarem menos perigosos nas suas primitivas tabas e para que, depois de terem observado de perto o modo de vida dos colonos e suas instalações, teriam influência favorável sobre os companheiros da tribo, quando regressassem; estavam eles justamente em caminho, de volta para as suas matas preferidas.

[...]

Com presentes e trato bondoso e avisado, o comandante deste distrito [São Miguel, margem direita do Rio Grande] tem conseguido, até aqui, estabelecer relações entre esses selvagens, ainda hoje broncos e até aqui sempre hostis, e os portugueses. Foram fundadas diversas aldeias desses antropófagos, ao longo do rio, e já os botocudos começam a ocupar-se com a lavoura; eles trazem aos colonos, de tempos a tempos, ipecacuanha, papagaios domesticados, peles de onça etc. para permutar com utensílios europeus, e prestam serviços, como remadores, na navegação para a Vila de Belmonte. De fato, ciosos de sua liberdade, ainda não se submeteram aos portugueses [...] contudo, vê o filantropo, com prazer, o contínuo progresso desses filhos das selvas, que, ainda no começo deste século, eram, por decreto real, declarados fora da lei e inimigos do Estado, perseguidos pelas patrulhas e entradas, como feras, e capturados e condenados a dez anos de servidão, ou trucidados com crueldade sem precedentes.

[...]

[...] importa pacificar os botocudos, empregá-los como remadores nesses cursos d' água [...] e assim, pelo mais pacífico de todos os meios , o tráfego comercial, promover a sua civilização gradual.

SPIX & MARTIUS. Viagem pelo Brasil - 1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. p. 55-6. v. 2.

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