"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 28 de maio de 2015

A vida cotidiana dos astecas: Técnicas e conhecimentos

Xipe Totec no calendário Tonalamatl de 260 dias. Artistas desconhecidos, Codex Bourbon 

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Sua arquitetura, derivada dos toltecas, demonstra uma mestria que pressupõe, por sua vez, amplos conhecimentos de geometria e cálculo. É muito provável que esses conhecimentos não estivessem explicitados de forma abstrata, mas sem eles teria sido impossível ter construído vastos conjuntos como os monumentos religiosos e profanos do centro do México. O mesmo se aplica a realizações como os aquedutos e diques.

A metalurgia do cobre, do bronze, do ouro e da prata penetrou no México tardiamente, no início do II milênio a.C. Alcançou o planalto Central, difundindo-se desde o litoral do Pacífico e das montanhas que se elevam na costa oceânica; pode-se também supor que essas técnicas tenham sido importadas do Peru. Como quer que tenha ocorrido, os astecas sabiam utilizar processos como a fundição do ouro e da prata. A perfeição de sua ourivesaria suscitou a admiração dos primeiros europeus que conheceram suas obras-primas [...].

A contemplação do céu e o estudo do movimento dos astros faziam parte dos deveres sacerdotais. Os sacerdotes astecas, astrônomos e astrólogos, ministros dos cultos astrais, tinham conhecimentos precisos quanto à duração do ano, a determinação dos solstícios, as fases e eclipses da lua, a revolução do planeta Vênus e diversas constelações, como as Plêiades e a Grande Ursa. Como todas as altas civilizações do México, também os astecas atribuíam importância primordial à mensuração do tempo, fundada sobre uma aritmética que tinha por base o número 20. Menos complexas e menos perfeitas que as dos maias, a aritmética e a cronologia astecas nem por isso constituíam um monumento intelectual menos extraordinário. Aspectos objetivos, juntamente com aspectos mágico-religiosos, aí estão inextrincavelmente fundidos. O ano dividia-se em 18 meses de 20 dias, mais cinco dias "ocos". Paralelamente a esse calendário solar, havia um calendário divinatório, o tonalpoualli, de 260 dias, baseado na combinação de uma série de 13 números (de 1 a 13) e de 20 nomes [...].

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Os livros revestiam-se de grande importância aos olhos dos antigos mexicanos. Os templos, os calmecac e as casas dos dignitários possuíam ricas bibliotecas. A profissão de pintor-escriba (=(tlacuiloani) era particularmente valorizada. Muitos livros tratavam de assuntos religosos e de rituais, de adivinhação e interpretação de sonhos. Outros relatavam as migrações das tribos, a fundação de cidades, a origem e história das dinastias e as façanhas de determinados heróis. Os livros eram escritos, ou melhor, pintados sobre folhas feitas de fibras de agave ou cortiça batida, ou sobre tiras de pele de cabrito dobradas como um biombo. A escrita asteca representava um compromisso entre a ideografia e a notação fonética. Certos caracteres designavam ideias ou objetos, enquanto outros, ou os mesmos, denotavam sons. [...] A morte de um soberano era representada por uma "múmia" ou um carregamento funerário; a queda de uma cidade sitiada, por um templo em chamas atravessado por uma lança; um itinerário, por vestígios de passos religando os hieróglifos das localidades. No que concerne à notação numérica, a unidade era representada por um círculo, 20 por uma bandeira, o tzontli (400) por um signo bem semelhante a um arbusto e 8.000, por uma bolsa.

A confecção de livros astecas era fortemente influenciada pela técnica de povos da região de Puebla e Oaxaca, como os mazatecas de Teotitlán, especialistas em iluminuras religiosas, e os mixtecas, cuja história escrita remonta até o século VII d.C. O Codex Borbonicus, manuscrito ritual conservado na Assembleia Nacional de Paris, é um magnífico exemplar de livro asteca, e um dos raros que se conservaram até hoje. Milhares de manuscritos, com efeito, foram destruídos durante a conquista espanhola.

Dentro de uma ordem de ideias totalmente diversa, deve-se mencionar a extensão e precisão dos conhecimentos dos mexicanos quanto à fauna e sobretudo à flora de seu país. O médico de Felipe II, Francisco Hernández, pôde enumerar em torno de 1.200 plantas que os astecas utilizavam na terapêutica. Sem dúvida, empregava-se uma larga proporção de práticas mágicas e feitiços na medicina nativa da época: as doenças eram atribuídas a causas sobrenaturais, à vontade de certos deuses ou aos envolvimentos causados por bruxarias de feiticeiros malévolos. Também o ticitl (médico) asteca recorria à adivinhação e à contramagia, às preces e às imposições de mãos. Ao mesmo tempo, porém, eles sabiam reduzir fraturas, pensar feridas, colocar emplastros, aplicar sangrias e, principalmente, ministrar poções de plantas medicinais cujos efeitos - purgativos, diuréticos, antiespasmódicos, sedativos etc. - eram conhecidos e empiricamente verificados através de uma longa tradição.

SOUSTELLE, Jacques. A civilização asteca. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 52-3, 55-7. (As civilizações pré-colombianas)

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