"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ifé

Há milhares de anos, na área ao sul, a sudeste e sudoeste dos rios Níger e Benué, habitavam povos de línguas edo, idoma, iorubano, ibo, ijó, igala, nupe, entre outras, originárias da família linguística níger-congo. Esses povos agricultores, produtores de sorgo, milhete, quiabo, feijão, inhame, dendê, organizavam-se fundamentados na linhagem , constituída pela família extensa com um antepassado comum. O conjunto de várias linhagens formava a aldeia, que tinha um chefe como representante político, eleito entre os mais velhos ou por ser descendente do fundador da comunidade. A união das pequenas aldeias compunha, assim, uma espécie de miniestado, inexistindo um poder centralizado.

As decisões referentes à vida coletiva no miniestado eram tomadas em conjunto pelos chefes das linhagens e pelos representantes dos grupos de idade e das associações de titulados. Os homens dividiam-se socialmente em grupos de idade (jovens, adultos e idosos). Os idosos eram os mais respeitados e responsáveis pelas questões políticas, judiciárias e religiosas. Por sua vez, nas associações de titulados, os homens que possuíam uma quantidade maior de bens ligados à terra, como produtos agrícolas e animais, recebiam títulos que apresentavam a sua riqueza e o seu poder na sociedade.

Cada miniestado tinha um chefe (oba, onu, ovie, etsu, oche, nas diferentes línguas faladas na região), escolhido entre aqueles que já haviam percorrido vários estágios nos grupos de idade e nas associações de titulados e pertenciam às linhagens mais importantes. Com o passar do tempo, esses miniestados expandiram o comércio, novos grupos foram fixados, proporcionando o aumento do poder do seu chefe, dando origem a uma cidade-estado.

Os principais reinos nessa região teriam se formado pela pressão de povos imigrantes e fortes militarmente, objetivando a expansão de seus domínios, invadiram e se impuseram aos miniestados, introduzindo instituições políticas novas centralizadas na figura de um rei.

Há indícios  arqueológicos de que Ifé foi formada desde o século VI, por pequenas aldeias agrícolas de modesto comércio. Somente mais tarde tornou-se um centro importante, em razão do desenvolvimento da metalurgia do ferro e também da sua localização geográfica na rota entre o alto Níger e Cotonu, passando a se configurar um entreposto comercial entre a savana, a floresta e o litoral. De Ifé para Gaô (ao norte), para as cidades hauçás e para os povos de Ijebu (ao sul) eram levados ouro, marfim, dendê, sal, pimentas, noz-de-cola, inhame, escravos, contas de pedra e vidro, peixe seco e gomas.

Ifé também era, além de uma cidade-estado, um centro religioso que recebia tributos e congregava outros miniestados, que acreditavam na existência de um ancestral comum - o rei Odudua. De acordo com uma das várias versões para a origem de Ifé, o rei Odudua teria sido filho de um dos reis de Meca e o grande fundador do reino de Ifé, depois de perseguido e expulso da sua cidade natal por rejeitar o islamismo. Outra versão revela que Odudua era líder de um grupo em expansão vindo da Hauçalândia, Bornu, Nupe ou Canem e que conseguiu centralizar o poder em suas mãos e fundar Ifé.

As imagens em bronze, cobre e, sobretudo, terracota produzidas em Ifé, datadas por volta dos séculos XI ao XV, tornaram-se referências da arte subsaariana. Essas esculturas sofreram a influência da cultura Nok, datada do primeiro milênio a.C. As figuras humanas, que, provavelmente, representavam reis e cortesãos, possuíam traços perfeitos, harmoniosos, e eram adornadas com contas e panos em partes do corpo. Algumas esculturas traziam na face sinais, como se fossem linhas, que ligavam os cabelos ao queixo.

Cabeça de homem, provavelmente um servo do rei. Escultura em terracota da civilização Ifé, séculos XII-XIV (Nigéria)

Existiam também cabeças de animais com uma roseta saliente na testa, simbolizando a realeza, feitas em tampas para recipientes de barro utilizados em rituais religiosos. Esses potes eram enterrados, em homenagem a um determinado deus, nos palácios e nas casas, em pátios cobertos por piso de cerâmicas e com altares circulares.

Ifé sofreu um declínio econômico e talvez tenha sido substituída, a partir do século XVI, por Oió nos contatos comerciais entre a savana e a floresta e, por Benin e Ijebu no comércio com o sul. Contudo, continuou a figurar como um importante centro religioso.

MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo: Contexto, 2008. p. 36-38.

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