"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 13 de março de 2015

Aspectos da economia urbana no Brasil Império

É notório que o desenvolvimento industrial na segunda metade do século XIX não correspondeu a nenhum surto de industrialização, até porque nesse momento o capital acumulado não era responsável pela criação de condições objetivas para a formação de uma burguesia industrial. Nesse período, o que ocorreu foram muito mais iniciativas individuais e isoladas que propriamente investimento em larga escala.

[...]

A década de 1880 já foi mais promissora para a indústria. Em 1885 contávamos com 13 fábricas têxteis empregando 1.670 operários e três fábricas de chapéus com 315 operários. Sem esquecer das sete empresas metalúrgicas, nesse mesmo ano, com cerca de 500 operários. Essas informações sobre a expansão da indústria na província de São Paulo, no entanto, servem para demonstrar quão frágil era a indústria brasileira e sua classe operária.

Uma fábrica em 1880, Marc Ferrez

As condições de vida da classe trabalhadora no meio urbano, em especial na cidade do Rio de Janeiro, eram muito ruins. Para as autoridades, o alto índice de mortalidade explicava-se pela insalubridade das moradias e dos locais de trabalho.

O Rio de Janeiro teve, na segunda metade do século XIX, um aumento de sua população sem que com isso fosse acompanhado, de forma planejada, a construção de habitações, o que ocasionou a superlotação em casas de cômodos, onde a circulação de ar se tornava deficitária. Esta situação, agravada pelas péssimas condições de alimentação, fragilizava ainda mais a saúde da classe trabalhadora, que se tornava vítima fácil de doenças, em sua maioria, fatais.

[...]

Uma questão a ser observada, por ter tido influência no agravamento do problema habitacional, foi a do elevado preço dos transportes no Brasil. Este transporte era constituído basicamente com o objetivo de carga e não de passageiros. Isto, quando ocorria, era para atender a uma elite. Dessa forma, a população que constituía a mão-de-obra barata para os capitalistas ficava impossibilitada de procurar os subúrbios, onde a moradia era de valor mais acessível. Esse fato levou a população a se concentrar mais próximo da região central da cidade do Rio de Janeiro para não precisar se locomover de grandes distâncias para o local de trabalho. Tal concentração agravava, assim, o problema habitacional urbano.

Entretanto, esse era um período de crescimento econômico principalmente na região cafeeira. Dessa forma, a circulação de capitais nessa região incentivou, igualmente, o desenvolvimento de outros setores, em especial o terciário. Nesse contexto, a capital do Império [...] foi grandemente beneficiada aumentando a oferta de serviços que proporcionavam maior conforto aos seus habitantes. Este foi o caso da instalação da linha de barcas, em 1870, ligando a Corte a Niterói, bem como a extensão, no mesmo ano, da linha de bonde até o Caju.

Companhias estrangeiras de transporte passaram a explorar os serviços, possibilitando, com isso, rápida oferta de linhas de bonde que buscavam integrar vários pontos distantes da cidade à vida urbana.

"O bonde de tração animal é o veículo que revoluciona os costumes da população. Sua presença altera os hábitos do fluminense: ele aproxima as famílias e permite a descoberta de locais distantes, afastados [...]. Sua exploração é bom negócio e algumas empresas estrangeiras a ele se dedicam. [...] O bonde, dizíamos, renova os costumes, traz mais conforto, facilita o convívio na rua e os encontros. Mas traz consigo, também, muitos dissabores. Desprovidos de segurança, provocam acidentes. [...]

[...] Nem por isso desaparecem de pronto os meios de transporte primitivos. Ainda se anunciam e ainda rodam a vitória, a caleça, o faeton (ou faetonte), o timon. O tílburi circula há alguns anos mediante sistema organizado. Seu uso vai perdurar até o alvorecer do século XX [...]". (RENAULT, Delso. O dia-a-dia no Rio de Janeiro: segundo os jornais, 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982)

A melhoria dos transportes trouxe, também, maior oferta de lazer. Confeitarias foram instaladas, tornando-se locais de encontro de intelectuais e boêmios. A Corte igualmente se beneficiou com o funcionamento de vários teatros [...].

Com as transformações que se processavam no plano material, comportamentos, ideias e valores começaram a se alterar de forma mais acentuada. Com a expansão da imprensa, na década de 1870, presencia-se o avanço ao questionamento da ordem econômica, fazendo circular ideias de liberdade econômica, de autonomia das regiões e de reforma administrativa.

A imprensa, nesse final de século, principalmente no eixo Rio-São Paulo, acompanhou as transformações vividas. [...] Entretanto, cabe ressaltar que o número de alfabetizados girava em torno de 16% da população [...].

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Sinais de novos tempos apontavam que, de forma rápida, o país aumentava a sua renda. A economia de tipo colonial baseada na mão-de-obra escrava e na monocultura, ligada a interesses externos, viu sua renda mudar de mãos: da classe escravocrata para o incipiente setor capitalista que se desenvolvia.

Esse avanço econômico teve como consequência a maior divisão do trabalho no meio urbano.

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A expansão da economia ligou-se ao acréscimo de capitais provenientes do fim do tráfico negreiro. Toda essa expansão foi também acompanhada de perto pelo crescimento das cidades [...]. Dessa forma, a criação de companhias de transporte, iluminação pública a gás, água etc. contou com grande participação do capital estrangeiro, que penetrava também no setor de bens de serviço.

[...]

AQUINO, Rubim Santos Leão de [et al.]. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais: da crise do escravismo ao apogeu do neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 15-19.

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