"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Revolução Haitiana

Batalha em Santo Domingo, January Suchodolski

Os ideais europeus do século XVIII, como o de que "o homem nasce livre e igual em direitos" e de "liberdade, igualdade e fraternidade", também se espalharam para as praias do Caribe, onde foram traduzidos em questões sobre propriedade, trabalho e raça. Logo depois da Revolução Francesa (1789), fazendeiros brancos em Santo Domingo (o terço ocidental da ilha de Hispaniola, atual Haiti) receberam o controle das assembleias coloniais e uma grande parcela de autonomia. Então, na Assembleia Nacional de Paris, em 1791, respondendo às pressões da sociedade abolicionista europeia, Lês Amis des Noirs ("Os Amigos dos Negros"), aprofundaram a extensão dos direitos a todas as pessoas livres, incluindo mulatos (aqueles com mistura de raças), decretando que as "pessoas de cor, nascidas de pais livres" deveriam ter direito a voto nas assembleias coloniais. Os fazendeiros brancos exigiram que a lei fosse repelida e ameaçaram aliar-se ao império britânico se não fossem atendidos. Tanto os fazendeiros brancos quanto os mulatos começaram a se armar, e então o conflito que estourou entre eles ofereceu aos escravos a oportunidade de se revoltar.

Ataque e tomada de Crête-à-Pierro, Auguste Raffet

A ameaça potencial da revolta escrava de Santo Domingo foi enorme. A maior parte dos escravos, diferentemente daquelas nos Estados Unidos, era nascida na África, e eles formavam a maioria da população, superando em números outros grupos étnicos por uma razão de 30 para 1. Como o interior montanhoso da colônia oferecia amplos esconderijos inacessíveis, existiram várias comunidades de quilombos (em guerra pela liberdade). Crenças comuns, como aquelas da religião derivada da África do Vodum (Vudu), e o compartilhamento de mitos e heróis, uniu diversas populações escravas. Em 1791, os escravos do norte de Santo Domingo exigiram sua própria liberdade e se rebelaram; durante grande parte do período entre 1791 e 1792, ataques e revoltas escravas se espalharam pela ilha. Os franceses enviaram tropas com  relutância. Tentativas de negociação para restaurar a ordem colonial falharam ao tentar ganhar o apoio de escravos. Em 1793, a Assembleia Nacional Francesa garantiu a emancipação dos escravos, um ato que liberou os negros e irritou ainda mais os fazendeiros, que aceitaram o auxílio dos britânicos (os quais estavam alarmados com a possibilidade de que a rebelião escrava pudesse se espalhar para suas colônias) contra os escravos rebeldes.

O general Toussaint L'Ouverture, Artista desconhecido

Mais de 100 mil escravos participaram da rebelião sob a liderança de Toussaint L'Ouverture (1746-1803), o filho instruído de pais escravos. Em seus esforços para libertar seus companheiros negros escravos, Toussaint lutou durante uma década contra a intervenção, e o bloqueio das nações escravocratas (França, Grã-Bretanha, Espanha e Estados Unidos), e até mesmo contra a oposição dos mulatos. Em 1801, ele e seus apoiadores controlaram toda a ilha de Hispaniola, mas muitas batalhas foram travadas antes da vitória final estabelecer a independência do Estado-Nação do Haiti.

Uma vez que Napoleão assumiu firmemente o controle na França, ele enviou um enorme exército para invadir Santo Domingo. L'Ouverture foi induzido a se encontrar com os franceses, e foi traçoeiramente capturado e levado para a Europa, onde foi aprisionado e depois morto em 1803. Jean-Jacques Dessalines e Henri Christophe continuaram a luta no Haiti; a tenacidade negra e a febre amarela derrotaram os massivos esforços franceses de recuperar o controle de Santo Domingo. Em 1º de Janeiro de 1804, a independência da metade ocidental de Hispaniola foi proclamada, à nova nação foi dado o nome de Haiti. Mas a independência veio com um alto preço, deixando o país empobrecido e infestado de disputas políticas pelos próximos 200 anos.

GOUCHER, Candice; WALTON, Linda. História mundial: jornadas do passado ao presente. Porto Alegre: Penso, 2011. p. 214-215.

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