"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O industrialismo em perspectiva

Ferro e carvão, William Bell Scott

Tal como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial ajudou a modernizar a Europa, transformando finalmente cada faceta da sociedade. Na sociedade pré-industrial de meados do século XVIII, a agricultura era a principal atividade econômica, e os camponeses formavam a classe mais numerosa. A vida do camponês girava em torno da família e do vilarejo, que a gente do campo raramente abandonava. O novo espírito crítico e racional associado ao Iluminismo teve pouca penetração na Europa rural: ali, a fé religiosa, a autoridade clerical e as antigas superstições permaneciam firmemente arraigadas.

A classe mais abastada e poderosa era a aristocracia, cuja riqueza provinha da terra. Os nobres dominavam o campo e gozavam de privilégios resguardados pelos costumes e pela lei. Os aristocratas do século XVIII, como seus precursores medievais, viam a sociedade como uma hierarquia, na qual a posição de uma pessoa na vida era determinada pela condição que ela herdara. Ao defenderem os ideais de liberdade e igualdade, a Revolução Francesa solapou a tradicional estrutura de poder: rei, aristocracia e clero. Proclamando a perspectiva racional e secular do Iluminismo, os reformadores franceses desmantelaram ainda mais os pilares políticos e religiosos da sociedade tradicional.

A sociedade tradicional era predominantemente rural. No início do século XIX, 20% da população da Grã-Bretanha, França e Holanda vivia nas cidades; na Rússia, apenas 5%. Os alicerces da economia urbana eram a produção dos artesãos, que trabalhavam em pequenas oficinas, e o comércio para os mercados locais, embora algumas cidades produzissem artigos de luxo para mercados maiores. A manufatura têxtil empregava o sistema de empreitadas, no qual a lã era convertida em tecido em domicílios particulares, geralmente nas casas dos camponeses.

A Revolução Industrial transformou todos os setores da sociedade. Os vilarejos agrícolas e a manufatura artesanal foram superados em importância pelas cidades e fábricas. Na sociedade forjada pela industrialização e urbanização, o poder e os valores aristocráticos decaíram; ao mesmo tempo, a burguesia cresceu em número, riqueza, importância e poder. Cada vez mais, as pessoas eram julgadas pela capacidade e não pela linhagem, e as oportunidades para a mobilidade social ascendente ampliaram-se. A Revolução Industrial tornou-se uma grande força em favor da democratização: durante o século XIX, primeiro a classe média e depois os trabalhadores ganharam o direito de voto. A Revolução Industrial também acelerou o processo de secularização da vida europeia. Nas cidades, os antigos habitantes dos vilarejos, longe dos laços comunais tradicionais, afastaram-se de sua religião ancestral. Num mundo que estava sendo remodelado pela tecnologia, indústria e ciência os mistérios cristãos perderam a força, e para muitas pessoas a salvação tornou-se uma preocupação longínqua. A modernização não ocorreu no mesmo ritmo e com a mesma abrangência em todos os lugares. De modo geral, as forças sociais e institucionais anteriores ao período moderno permaneceram profundamente arraigadas no sul e no leste europeu, persistindo ainda no século XX.

Embora tenha acarretado inúmeros problemas, alguns dos quais continuam sem solução, a Revolução Industrial foi um grande êxito. Em última instância, possibilitou o mais elevado padrão de vida da história da humanidade e criou novas oportunidades para o progresso social, a participação política e o desenvolvimento cultural e educacional. Também ampliou a distância entre o Ocidente e o resto do mundo em termos de ciência e tecnologia. Por volta de 1900, os Estados ocidentais, auxiliados por sua superioridade tecnológica, estenderam seu poder por quase todo o globo, concluindo assim a tendência que se iniciara na época das explorações.

PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 370-2.

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