"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 7 de abril de 2015

A questão indígena na América 4: Política de "pacificação" e projetos de integração no Brasil

Índios Munduruku, Hércules Florence

"Branco é pessoa muito triste. Talvez por isso ele faça tanto mal". (Mário Juruna, Cacique xavante)

Em 1808, dom João VI assinou uma carta régia autorizando a "guerra justa" contra os botocudos, nome pelo qual eram conhecidos os Aimoré desde o século XVIII. Pertencentes ao grupo linguístico macro-jê, os Aimoré eram nômades e viviam na região correspondente à dos atuais estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Os botocudos e os Puri eram considerados os principais obstáculos ao avanço de colonização portuguesa, uma vez que, desde 1760, combatiam bandeirantes e colonos que tentavam se instalar na área controlada por eles. Por essa razão, eram constantemente perseguidos e mortos pelos colonizadores, com o aval do governo.

Sobre os botocudos, nessa época, circulavam lendas e imagens que os representavam como ferozes e cruéis, o que colaborava para o temor e o ódio dos colonos a esses povos. Entre 1808 e 1821, várias expedições foram enviadas para combatê-los. Em contrapartida, também crescia o número de alianças e acordos entre indígenas e descendentes de europeus.


Família de Botocudos em marcha, Jean-Baptiste Debret

Vários parlamentares defendiam a conversão dos indígenas ao catolicismo a fim de transformá-los em trabalhadores e súditos. Para isso, foi fundada em 1830 a Sociedade de Catequese e Civilização dos Índios. Em 1831, após o imperador dom Pedro I abdicar do trono, o Senado iniciou uma série de debates sobre a questão indígena, que resultaram, nesse mesmo ano, na proibição das guerras justas e na revogação da Carta Régia de 1808.

Para a "pacificação" dos indígenas por meio da catequese, a partir de 1843, o governo patrocinou a vinda de frades capuchinhos da Itália. A adoção dessa política contava com o apoio de intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838. Em sua publicação oficial, a Revista do IHGB, defendiam a aculturação do indígena e sua utilização como mão de obra.

Essa política governamental foi formalizada, em 1845, com a publicação do Regulamento acerca das missões de catequese e civilização dos índios. O governo previa a reunião dos indígenas em missões ou aldeamentos oficiais controlados pelos capuchinhos. Tais instalações seriam gradativamente desfeitas e transformadas em vilas, paróquias ou freguesias quando os indígenas estivessem catequizados. Nessa etapa, as famílias indígenas receberiam lotes de terra, abandonando seu modo de vida comunitário, seus costumes e seus valores, a fim de se tornar "civilizados".

Com a chegada dos capuchinhos, os botocudos foram "pacificados" e transferidos para aldeamentos oficiais, em geral próximos a povoados. No entanto, os indígenas não se limitavam a ocupar as terras previamente demarcadas. Muitas vezes, insurgiam-se contra os religiosos por estes manterem crianças sob sua tutela, nas escolas de internatos. Em 1893, ocorreu um levante de cerca de 700 indígenas, no aldeamento de Itambacuri, em Minas Gerais. Boa parte dos rebeldes foi perseguida e morta.

No sudeste do Brasil, a expansão da cafeicultura e das ferrovias promoveu o extermínio de vários povos. Durante o Segundo Reinado, além dos botocudos, foram objeto da perseguição governamental grupos como os Kaingand (que ocupavam áreas do sul e do sudeste), os Mura e os Munduruku (que viviam na Amazônia), os Kayapó (habitantes da fronteira entre Minas e Goiás) e, já na Primeira República, os Guajajara (que viviam no Maranhão), por dificultarem o processo de expansão e a instalação de missões, latifúndios e povoados.

NAPOLITANO, Marcos; VILLAÇA, Mariana. História para o ensino médio: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 215-217.

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