"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A questão indígena na América 2: A política de confinamento nos Estados Unidos

"[...] e imediatamente entrou na tenda onde tinha estado antes, trazendo uma tocha e colocando-a sobre as mantas que cobriam o abrigo, depois que tudo começou a arder [...] e depois que o fogo estava bem pegado, os índios corriam para fora com ar estupefato. E, com efeito, o Todo-Poderoso deixou cair sobre eles tal terror, que fugiam de nós e se atiravam dentro das chamas, onde muitos pereciam. Depois que o forte se queimou inteiramente, foi dada ordem para que todos os soldados saíssem e o rodeassem, o que foi feito imediatamente. O fogo foi ateado a noroeste, a favor do vento; isto fez com que se espalhasse rapidamente pelo forte, para a surpresa do inimigo, e para grande satisfação nossa. Alguns deles subiam à ponta das paliçadas; outros corriam para dentro das chamas; muitos outros, reunindo-se a barlavento, atiravam flechas contra nós; dávamos o troco mandando-lhes carga de chumbo; outros, muito fortes, mais ou menos quarenta, segundo calculamos, morreram pela espada [...] E assim, em pouco menos de uma hora, o que era antes um forte inexpugnável, estava completamente destruído, com perda de 600 ou 700 índios [...]". (Depoimento do Capitão John Mason sobre o extermínio de índios. HUBERMAN, Leo. Nós, o povo. São Paulo: Brasiliense, 1966. p.15.)

O governo estadunidense, apesar de não declarar oficialmente guerra contra os indígenas, mobilizou regimentos de cavalaria para expulsá-los de suas terras a partir de 1778. As últimas terras a ser ocupadas, entre a costa do Pacífico e o rio Mississípi, constituíam o chamado Grande Deserto.

A ocupação de terras indígenas era amparada legalmente. A Lei de Remoção dos Índios, decretada em 1830, determinava a transferência das populações nativas para reservas demarcadas pelo governo, a oeste do rio Mississípi. Essa lei beneficiou, até o final do século XIX, cerca de 600 mil colonizadores, mas não foi suficiente: a pressão exercida pelos colonos que participaram da conquista do oeste afetou também as reservas indígenas. Eles eram atraídos pelas terras próximas a ferrovias ou por lotes mais distantes oferecidos pelo governo por meio do Homestead Act.

Outro impulso à ocupação do oeste dos Estados Unidos que afetou as áreas indígenas foi a descoberta de ouro na Califórnia, em 1848. Entre 1859 e 1876, ocorreu na região um processo de rápido povoamento, acompanhado pela instalação de ferrovias, que obrigou os indígenas a se deslocar em direção ao Pacífico. Simultaneamente, para viabilizar a criação de gado, os estadunidenses promoveram a matança de manadas de búfalos que garantiam a subsistência de vários grupos indígenas.

Indígenas caçando para viver... Caça ao búfalo, com máscara de pele de lobo, George Catlin

... Brancos caçando por lazer. Ilustração para a novela "César Cascabel" (1890), de Jules Verne. Desenho de George Roux

Os navajos, cheyennes, arapahos, shawnees, sioux e apaches, que habitavam o sudoeste dos Estados Unidos, foram alguns dos povos que resistiram mais tempo à colonização. Os apaches, entre 1851 e 1890, travaram conflitos com colonos e tropas estadunidenses na região do Arizona: as chamadas Guerras Apaches.


A luta de Custer, Charles Marion Russel

Um episódio marcante das guerras entre as tropas federais e povos indígenas foi a batalha de Little Big Horn, na região de Montana, em 1876. Nessa ocasião, os líderes indígenas Tatanka Iyotaka - o Touro Sentado (c. 1831-1890) - e Cavalo Louco (c. 1840-1877) lideraram cerca de 3 mil indígenas sioux e cheyennes na batalha contra o Sétimo Regimento de Cavalaria estadunidense. Os indígenas venceram a batalha, mas sofreram intensa repressão do governo, que os perseguiu e autorizou garimpeiros a ocupar suas terras*.

Em 1890, cerca de 400 sioux, principalmente mulheres e crianças, foram massacrados pelas tropas dos Estados Unidos, em Dakota do Sul. Esse episódio não seria o último entre indígenas e estadunidenses. (NAPOLITANO, Marcos; VILLAÇA, Mariana. História para o ensino médio: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 212-213.)

* "Onde estão hoje os pequot? Onde estão os naragansett, os moicanos e muitas outras tribos outrora poderosas? Desapareceram diante da avareza e da opressão do Homem Branco, como a neve diante de um sol de verão. Vamos nos deixar destruir, por nossa vez, sem luta? Renunciar a nossas casas, a nossa terra dada pelo Grande Espírito, aos túmulos de nossos mortos e a tudo que nos é caro e sagrado? Sei que vão gritar comigo: Nunca! Nunca! (Tecumseh, dos shawnees. BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. São Paulo: Melhoramentos, 1973. p. 19.)


Corrida de canoa perto de Sault Ste. Marie, George Catlin

Referências:

BROWN, Dee. Enterrem meu coração na curva do rio. São Paulo: Melhoramentos, 1973. p. 19.

HUBERMAN, Leo. Nós, o povo. São Paulo: Brasiliense, 1966. p.15

NAPOLITANO, Marcos; VILLAÇA, Mariana. História para o ensino médio: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 212-213

Nenhum comentário:

Postar um comentário