"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O Islã no século XX (Parte IV)

O terrorismo internacional

Símbolo do Islã, Produtor 

O terrorismo internacional aumentava e cada ação bem-sucedida parecia inspirar outra. Era a arma preferida dos que estavam em desvantagem militarmente. Os terroristas se aproveitavam da sensação de contentamento e segurança em países poderosos e prósperos, onde, às vezes, instituições liberais davam cobertura a suas ações. A mídia involuntariamente se tornou aliada dos terroristas ao dar-lhes a publicidade que pediam: sem propaganda maciça, o terror não consegue espalhar-se rapidamente.

No final da década de 1940, o terrorismo havia sido usado de modo dramático pelos extremistas judeus em sua luta pelo controle da Palestina. Duas décadas mais tardem eram os extremistas palestinos que começavam a organizar ações terroristas. Em 22 de julho de 1968, em Roma, três palestinos armados subiram a bordo de um avião comercial israelense. No meio do trajeto para Telavive, ameaçaram explodir a aeronave. Cerca de 110 episódios parecidos aconteceram nos vinte anos seguintes, dos quais metade foi iniciada por palestinos, e um quarto, por iranianos e siques. Outra tática, a de esconder bombas nas bagagens dos passageiros, causou a queda de pelo menos 15 aviões.

Professores e pregadores muçulmanos militantes faziam o recrutamento dos terroristas. Na década de 1980, os escolhidos foram para o Afeganistão com a tarefa de ajudar na expulsão dos invasores soviéticos ateus. Quando a guerra do Afeganistão acabou, o ódio foi direcionado contra os norte-americanos cristãos, apoiadores de Israel e disseminadores de uma cultura materialista que seduzia os jovens muçulmanos.

Um desses recrutas era Osama Bin Laden, cidadão da Arábia Saudita - até seu passaporte ser confiscado. Uma das 57 crianças de uma rica família saudita que se ocupava do próspero negócio da construção civil, ele se ressentia dos elos entre seu país e os Estados Unidos. Adversário religioso da família real, considerava seus membros insuficientemente austeros, portanto desqualificados para a tarefa de portar as chaves de Meca. Foi um membro ativo no combate contra as tropas soviéticas no Afeganistão. Residiu por cinco anos no Sudão, outra nação propagadora da fé islâmica, antes de retornar, em 1996, ao Afeganistão, então nas mãos do Talibã. Lá, ajudou no ensino de jovens muçulmanos, tanto nativos quanto estrangeiros, em questões religiosas e nas práticas terroristas. Bin Laden combinava audácia e inventividade. Suas unidades terroristas foram vitoriosas no final da década de 1990, matando 19 soldados norte-americanos na Arábia Saudita, bombardeando duas embaixadas dos Estados Unidos na África Oriental  (cuasando 260 mortes) e matando marinheiros a bordo do navio de guerra USS Cole, próximo ao Iêmen.

Na manhã de 11 de setembro de 2001, 19 passageiros incomuns se preparavam para embarcar em vários voos domésticos prestes a partir da costa leste dos Estados Unidos. Eram todos homens, e nenhum deles pareceria deslocado se estivesse no Oriente Médio. Quase todos tinham passagens de primeira classe ou de classe executiva, o que possivelmente os ajudaria quando fossem interrogados ou revistados por guardas e outros funcionários nos aeroportos de Boston, Washington e Newark. Um deles, ao ser abordado, quase não tinha noção do que lhe perguntavam, tão pequeno era seu conhecimento do inglês. Embora se comportasse de modo estranho e não possuísse as identificações adequadas, acabou obtendo permissão para juntar-se aos outros passageiros.

Os quatro aviões iriam voar até a Califórnia e por isso tinham o tanque cheio. O último decolou às 8h42, quase quarenta e cinco minutos depois do primeiro. Logo no início de cada voo, os 19 passageiros deixaram seus assentos e rapidamente começaram a fazer o que haviam planejado. Apunhalando os golpeando qualquer membro da tripulação que tentasse impedi-los, invadiram as cabines dos aviões e aqueles que tinham experiência em pilotar tomaram os controles à força. Seus colegas mais fortes, com a ajuda de sprays de pimenta e outras substâncias irritantes, mantiveram os passageiros afastados da parte frontal do avião. Todas as ações, planejadas nos mínimos detalhes, foram executadas com inteligência e determinação.

Um dos aviões que tinha saído de Boston, ao aproximar-se do centro de Nova York, rumou na direção das torres gêmeas do World Trade Center e despedaçou os pavimentos superiores da torre norte, provocando um incêndio. Todos os que estavam a bordo morreram. O acontecimento foi tão surpreendente que as primeiras notícias foram confusas ou atenuadas. Na Flórida, o presidente George W. Bush estava prestes a fazer uma visita a uma escola de ensino fundamental, quando recebeu uma mensagem dizendo que o arranha-céu havia sido atingido. Essa primeira informação identificava equivocadamente o avião como um pequeno bimotor.

Em Nova York, as equipes jornalísticas fotografavam a torre de 110 andares em chamas, quando, às 9h03, filmaram um avião atingindo a segunda torre. Este também havia sido sequestrado logo após a partida de Boston. As notícias foram transmitidas ao presidente, que então se encontrava em uma sala de aula lendo histórias para as crianças. Ele rapidamente se pôs a caminho do aeroporto, onde um voo de emergência esperava para levá-lo a Washington. A capital também corria perigo - era alvo de um avião que havia decolado de lá e mudado de direção. Às 9h37, essa terceira aeronave, após sobrevoar os arredores da Casa branca, colidiu contra o Pentágono.

Um quarto avião continuava a caminho de Washington, seguindo uma rota indireta. Seu alvo podia ser a Casa Branca ou o Capitólio. Um grupo de passageiros decidiu corajosamente invadir a cabine do piloto e tomar o controle, mas seu contra-ataque fez o piloto invasor perder o comando ou agir precipitadamente. O avião girou e mergulhou na direção de um campo desabitado na Pensilvânia.

Em menos de uma hora, três aviões haviam atingido edificações simbólicas em Washington e Nova York. O combustível agiu como explosivo e destruição causada pelo fogo foi imensa. Na torre norte do World Trade Center, centenas de pessoas acima do 92º andar morreram instantaneamente e outras centenas ficaram encurraladas, pois tanto os elevadores quanto as escadas estavam bloqueados. O edifício ficou em chamas em vários andares e a fumaça negra subia vagarosamente. A torre sul, a segunda a ser atingida, desmoronou às 9h59, matando todos os civis e as equipes de resgate no interior do prédio, além de pessoas nas ruas. A torre norte, tomada cada vez mais pelas chamas, resistiu por mais meia hora e também desabou. Durante um longo período, a quantidade de baixas pôde ser apenas presumida, até que finalmente se chegou ao número de 2.973 mortes.

Os 19 assassinos, que estavam entre os mortos, eram originários do Oriente Médio, principalmente da Arábia Saudita, antiga aliada dos Estados Unidos. Acreditavam ser servos do Islã. A nação que atacaram fora rotulada por seu líder como "a cabeça da serpente". Depois desse episódio, a serpente ficou mais agitada do que nunca.

Na história moderna, nenhuma grande nação havia sido atingida de modo tão devastador no próprio território durante um período de relativa paz. Os Estados Unidos nunca haviam perdido tantas vidas num ataque em solo norte-americano. O aspecto completamente teatral do episódio fez a conquista da Lua parecer um acontecimento quase sem importância. O fato de a investida contra a segunda torre ter sido vista ao vivo pela televisão em lugares tão distantes quanto a Suécia e a Nova Zelândia tornou o acontecimento ainda mais chocante e espantoso.

No mesmo ano, os militantes empreenderam outro ataque, contra um inimigo asiático inerte e envelhecido. Fora dos limites da pequena cidade de Bamiyan, a oeste de Cabul, a capital do Afeganistão, situava-se uma escarpa íngreme onde duas enormes estátuas haviam sido esculpidas, ao longo de muitos anos, em rocha maciça. Eram imagens de Buda, impressionantemente grandes - uma delas tinha a altura de um prédio de 15 andares. Situadas em uma velha rota comercial que cruzava a cordilheira de Hindukush e ligava a Índia à Ásia Central, as imagens serviam de conforto e inspiração, século após século, a uma interminável procissão de viajantes, muito tempo após a região ter sido ocupada pelos muçulmanos. Em 2001, membros do Talibã decidiram que as estátuas eram um sacrilégio, um insulto ao Islã, e destruíram suas faces e outras partes com canhões e foguetes.

No mesmo ano, os Budas gêmeos de uma estrada antiga e as torres gêmeas na capital financeira do mundo foram alvo da destruição empreendida pelas ações violentas daqueles que desejavam redenção. Mas só o que ofereciam, ao buscarem tal redenção, era ódio e violência.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 298-303.

Nenhum comentário:

Postar um comentário