"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Os reinos iorubás e daomeanos

Quando não existem textos escritos que dêem informações detalhadas de como viviam povos do passado, são os vestígios arqueológicos e as histórias contadas pelos mais velhos, principalmente na forma de mitos, que nos falam de sociedades, como algumas que existiram nas regiões do rio Volta e do baixo Níger. Elas eram menos imponentes do que as que contaram com centros como Tombuctu, Gaô e Jefé, mas também tinham sua grandeza.

Vestígios de caminhos calçados e muros de pedra dão uma noção de como eram os centros dessas civilizações. Alguns eram cercados de muros de pedra e deviam abrigar agricultores, artesãos, grupos de famílias submetidas a um chefe e seu conselho. Comerciantes circulavam em canoas pelos rios e assim os produtos da floresta chegavam, depois de passarem por muitas mãos, aos mercados ligados às cidades do médio Níger e ao comércio saariano.

Alguns dos vestígios arqueológicos mais importantes dessa região estão em Ifé, terra de iorubás e ponto de ligação da zona da floresta com a bacia do rio Níger. Conforme relatos orais, um líder divinizado chamado Odudua foi o responsável pela prosperidade de Ifé Ifé, cidade onde vigorou um sistema político-religioso adotado depois por várias outras cidades e reinos dessa área. Acredita-se que Odudua tenha vivido em algum momento entre os séculos VIII e XIII de nossa era, mas a veracidade de sua existência não pode ser confirmada.

Em Ifé Ifé foi criada uma forma de monarquia divina, dirigida pelo oni, representante da divindade e também governante da comunidade, composta pelas várias aldeias, cada qual com seu chefe, que cuidava dos seus membros mas expressava obediência ao oni. Esse modelo de organização se espalhou por várias cidades da região habitada por povos iorubás, compreendida pelos rios Volta e Níger, e também entre os edos, do Benin. Neste, um conjunto de aldeias prestava obediência ao obá, título do principal chefe do reino. Todos os obás dos reinos iorubás diziam que seus antepassados haviam saído de Ifé, sendo  membros de uma mesma família real. O oni, ou obá de Ifé, tinha ascendência espiritual sobre quase todos os reinos iorubás (Oió, por exemplo, não a aceitava) e era ele quem distribuía os símbolos reais. Os adés, coroas feitas de contas de coral, com fios cobrindo o rosto do oni, foram um dos principais símbolos do poder disseminados junto com o sistema de monarquia divina. Esta se caracterizava pela estreita ligação do oni com as divindades, sendo por elas escolhido e servindo de seu intermediário com a comunidade que governava.

Obá Orhogbua, 1550-1578, Nigéria

Muito do que sabemos sobre Ifé e o reino do Benin nos foi contado por cabeças e placas esculpidas em metal, que datam dos séculos XV e XVI, época em que os portugueses chegaram a essa região da África. Não se sabe como foram desenvolvidas as técnicas empregadas na feitura desses objetos - hoje em dia considerados obras de arte de rara qualidade - nem por que eles deixaram de ser feitos.

O obá  na cidade de Benin, 1686

Além das placas, que retratam situações da vida desses povos e que decoravam os palácios reais, as histórias contadas de geração a geração falam do papel de heróis fundadores de novas cidades e reinos, a partir de uma origem comum em Ifé, com Odudua, cujos descendentes teriam fundado outras cidades. Em Ifé o oni administrava o reino de sua capital, afastada do litoral, vivendo numa cidade de ruas largas e retas, sendo sua morada uma construção enorme, fortificada, na qual morava com suas centenas de mulheres e filhos, seus conselheiros, os grandes do reino e os escravos.

No século XVI, enquanto outros reinos iorubás ascenderam, Ifé entrou em declínio. A presença de comerciantes na costa atlântica fortaleceu as cidades mais próximas dos lugares em que ancoravam, trazendo em seus navios novas mercadorias, que passaram a ser desejadas pelos chefes africanos. Mas, mesmo com a ascensão de outros reinos e o seu empobrecimento econômico, Ifé manteve a importância religiosa. Todos os chefes das várias cidades-estado que teriam sido fundadas por descendentes de Odudua iam até Ifé para terem seus poderes confirmados pelo oni.

SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2007. p. 36-37.

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