"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A sociedade norte-americana no século XIX: a conquista do espaço físico

Um grupo sioux, Charles Deas

[...] em menos de 50 anos, os norte-americanos duplicaram a extensão de seus territórios.

[...] a expansão para o Oeste empurrou as fronteiras dos Estados Unidos da América das margens do Rio Mississipi para o litoral do Oceano Pacífico.

Os homens que realizaram a conquista dessas terras foram chamados de pioneiros (homens das fronteiras).

E quem eram os pioneiros?

As mais diversas pessoas. Havia condutores de mulas, que levavam mantimentos, armas, quinquilharias para os acampamentos e povoados que se formavam; caçadores de peles, independentes ou trabalhando para companhias, conduzindo suas barcaças rio acima ou rio abaixo. Rancheiros e vaqueiros, guiando milhares de cabeças de gado bovino em busca de campos de pastagens; comerciantes de uísque, de rifles e artigos diversos, geralmente montados a cavalo e conduzindo dois animais de carga com suas mercadorias; guias e trilhadores à frente de extensas filas de carroças, pesadas ou leves, em cujas boléias sentavam carroceiros profissionais ou amadores. Alguns dos guias se tornaram famosos, virando personagens de histórias em quadrinhos ou películas cinematográficas. Foi o caso de Kit Carson e, sobretudo, Buffalo Bill, nome pelo qual se tornou conhecido William Frederick Cody.

J. W. Swart Saloon (Charleston, Arizona, 1885)

A descoberta do ouro, no Colorado ou na Califórnia, atraiu milhares de aventureiros: em meio a mineradores, também chegaram vigaristas baratos, jogadores, prostitutas caras, comerciantes arruinados... Lado a lado com aproveitadores do Leste, conviviam mineradores profissionais, barbudos, fedorentos pela falta de banho e por vestirem roupas de peles não curtidas.

Corrida do Ouro (Califórnia, 1850)

Até mórmons polígamos participaram da Marcha para o Oeste. Chegaram a formar o Batalhão Mórmon, integrado por 500 homens, usado para conquistar a Califórnia. Com o dinheiro apurado, puderam financiar a ida de colonos para a bacia do Grande Lago Salgado.

Mas não foram apenas aventureiros, os imigrantes e os perseguidos por suas crenças religiosas que buscaram o Oeste. Muitos dos movimentos socialistas europeus enviaram famílias para criar comunidades utópicas. Em 1834, fundou-se Nova Harmonia, com seguidores de Robert Owen; partidários de Etienne Cabet organizaram comunidades icarianas; adeptos de Charles Fourier criaram seus falanstérios.

Fortes quadrados e postos comerciais, tradicionalmente construídos de estacas, multiplicaram-se, marcando a conquista do homem branco.

Aumentou igualmente o número de Casacos Azuis. E isso não foi bom?

Quem eram esses Casacos Azuis?

A denominação começou a ser usada pelos indígenas para designar os cavalarianos do Exército dos Estados Unidos, montados em garbosos cavalos e usando belos uniformes azuis. Nos filmes de bangue-bangue sempre apareciam, sendo sua chegada precedida por vibrantes toques de clarim, para salvar os comboios de suprimentos ou de colonos, cercados pelos guerreiros indígenas, cujos corpos eram pintados de cores variadas e galopavam corcéis semi-domesticados.

Trail along the Backbone, Howard Terpning

O número de pioneiros cresceu com as levas de imigrantes provenientes de várias sociedades europeias. Desembarcados nos portos da costa leste, sem condições de permanecerem na área atlântica litorânea, rumavam para o Oeste, buscando terras férteis para o cultivo ou ricas pastagens de criação de gado. Milhares deles foram atraídos pelas notícias anunciando a descoberta de ouro nas montanhas do Oeste.

Tanto a chegada de alemães, irlandeses, ingleses, franceses e outros imigrantes europeus, como por seu aumento vegetativo, a população cresceu rapidamente, saltando de 3.929.000, em 1770, para 12.866.000 habitantes, em 1830, e 23.191.000, em 1850.

As terras por onde avançaram os pioneiros eram de longa data habitadas por milhares de indígenas - dos pawnees de cabeça raspada, excelentes cavaleiros, cujas mulheres cultivavam o milho e teciam cestas, aos sioux, comedores de carne de cachorros que criavam.

"Quando eu era jovem, andava por todo esse território, e nunca vi outro povo além dos apaches. Depois de muitos verões, andei novamente por ele e encontrei outra raça de pessoas, que viera para tomá-lo. Como é isso? [...] Os apaches eram outrora uma grande nação; agora são poucos e por isso querem morrer e não se importam mais com suas vidas."

Sabe de quem são essas palavras? Do destacado chefe Cochise, que dirigiu os apaches churicahuas dos anos 1850 a 1870.

O curioso é que os indígenas não acreditavam que pudesse haver uma grande quantidade de homens brancos. Mas logo constataram seu engano, diante da sucessão de caravanas, cujas carroças avançavam, serpenteando por vales e planícies, conduzindo um número cada vez maior de pioneiros. Enfrentando invernos rigorosos, rios caudalosos, densas florestas, tempestades de neve ou de chuva, doenças, fome, ataques de animais e a resistência dos índios que defendiam suas terras, os pioneiros chegaram ao litoral do Pacífico.

Expedição no Oeste, Frank B. Hoffman

Antes da chegada dos brancos, as extensas planícies tremiam com a passagem das mandas de búfalos. Milhares e milhares desses animais selvagens e bem-nutridos forneciam alimento, roupas e abrigo aos indígenas.

Segundo o depoimento de um comerciantes de Santa Fé:

"Este animal fornece o alimento quase exclusivo do índio da planície, bem como coberta para suas tendas e a maioria das suas roupas; mantas com que fazer a cama, cordas, bolsas para carregar a carne etc.; tendões para a corda do arco, para costurar mocassins, perneiras etc."

Por volta de 1870, eram raros os búfalos no Oeste!

E por quê?

Porque os caçadores profissionais brancos os abatiam aos milhares, com o objetivo de retirar-lhes apenas a pele e enviá-los para o Leste. Muitos milhares também foram mortos para servirem de alimento aos pioneiros. Mas a morte de muitos búfalos serviu unicamente de distração para caçadores amadores, saídos em férias das cidades do Leste para caçar no Oeste.

De início, os índios, em geral, mantiveram um bom relacionamento com os brancos. Assim ocorreu com os armadilheiros que, às margens dos rios, procuravam aprisionar castores, raposas e outros animais de peles raras. Nessa atividade, muitas vezes trocavam com os indígenas mantas de ursos e de búfalos ou peles valiosas por frigideiras, facas, espelhos, cobertores, pólvora, armas, álcool... O próprio nome de comancheiros, usado para identificar mexicanos que comerciavam com os comanches, demonstra a estreita ligação entre brancos e índios.

Mas os brancos começaram a expulsar os indígenas das terras que, de longa data, vinham sendo habitadas por seus ancestrais. Importantes fontes de alimentação das comunidades índias foram destruídas pelos brancos, que mais pareciam um bando de vorazes gafanhotos. Os índios perderam sua liberdade ao serem confinados em reservas, perdendo o direito de correr livremente pelos campos, de respirar o frio ar puro das montanhas, de sentir a carícia das águas em seus corpos quando mergulhavam em um regato refrescante. Os brancos roubavam, mentiam, estupravam as mulheres índias.

E quando os índios resistiam, contra eles as bocas de grandes canhões gritavam alto e os fuzis dos brancos cuspiam o fogo da morte!

Execução de índios Dakota em Mankato, Minnesota (1862), J. Thullen

Philip Sheridan, General comandante dos Casacos Azuis, costumava afirmar: "Os únicos índios bons que conheci já estavam mortos." Patrick Connor, companheiro de Sheridan, e também apresentado como valoroso representante da civilização branca, não ficava atrás quando dizia que tinha "ordens de matar todo o índio do sexo masculino acima de 12 anos de idade."

Mandan game, George Catlin

É claro que havia exceções, sendo uma delas George Catlin, que abandonou tudo para se dedicar àquilo que considerava a razão de ser da sua vida: a pintura. Durante anos, seus pincéis retrataram cenas de um mundo que desaparecia: o Mundo Indígena. Veja seu depoimento:

"Contemplei as nobres raças dos peles-vermelhas que estão desaparecendo, à medida que a civilização se aproxima; seus direitos são desrespeitados, sua moral corrompida, suas terras tomadas, seus costumes alterados e, portanto, perdidos para o mundo, e finalmente eles desaparecem na terra e o arado cobre de torrões seus túmulos; corri em socorro deles [...] para salvar suas aparências e seus hábitos [...] Como a fênix, eles ressurgirão das manchas de uma paleta de pintor e viverão de novo nas telas e permanecerão por séculos e séculos - monumentos vivos de sua nobre raça."

Guerreiro comanche e tipi, George Catlin

Entretanto, as sociedades indígenas não tiveram de enfrentar apenas a besta-fera branca, que se considerava homem civilizador!

Por volta de 1856 ou 1857, chegaram aos Estados Unidos animais fora do comum. Eram 75 camelos para uso do Exército dos EUA. Imagine só o espanto das comunidades indígenas e o ridículo a que se expunham soldados e oficiais norte-americanos.

E sabe por que essa tolice?

Porque congressistas, com a conivência do Estado-Maior do Exército, afirmavam que os territórios entre o Missúri e o Pacífico eram constituídos por desertos, semelhantes ao Saara. É bem provável que a importação desses animais envolvesse uma grande negociata.

Ao mesmo tempo em que os pioneiros e os Casacos Azuis massacravam as comunidades indígenas, a diplomacia norte-americana mostrava-se ativa:

* a Luisiana foi comprada à França Napoleônica (1803);
* a Flórida foi adquirida à Espanha (1819);
* o Território de Gadsden foi negociado com o México (1853).

A diplomacia também funcionou com sucesso na solução de uma controvérsia que se arrastava há tempos com a Inglaterra, a propósito do Território do Oregon. Como o governo norte-americano sabia da proximidade de um conflito com o México, negociou com a Inglaterra a ocupação do Oregon (1846). Não pense, porém, que os Estados Unidos resolveram suas controvérsias fronteiriças usando apenas a diplomacia. A guerra, além de ser usada no extermínio dos indígenas, também foi empregada para arrancar territórios mexicanos.

Foram os norte-americanos que proclamaram a independência da Província mexicana do Texas (1835), posteriormente incorporada aos EUA. Esta anexação provocou a guerra entre norte-americanos e mexicanos (1846-1848). Pelo Tratado de Guadalupe-Hidalgo, o México teve de entregar Nevada, Utah, Colorado, Arizona, Novo México e Califórnia.

O México perdeu metade do seu território. O mais terrível foi que, uma semana antes da assinatura do tratado, fora encontrado ouro na Califórnia, provocando uma corrida de milhares de pessoas.

À mesma época, os Estados Unidos já ensaiavam uma política imperialista: em 1854, uma esquadra sua forçou a abertura dos portos japoneses ao comércio norte-americano. Contudo, isso jé é outra História!

AQUINO, Rubim Santos Leão de; LISBOA, Ronaldo César. Fazendo a História: a Europa e as Américas do século XVIII ao início do século XX. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 118-122.

Nenhum comentário:

Postar um comentário