"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Cultura brasileira: uma contribuição de brancos, negros e índios?

Retrato de negro, Arthur Timótheo

Cultura brasileira. Aventura dos homens, mulheres e crianças que aqui viveram; índios, negros e brancos; católicos, judeus e protestantes; população que simultaneamente forjou-se e ajudou a forjar o país.

Texto 1. [...] Em 2000 tivemos uma série de festividades em comemoração aos 500 anos de história do Brasil. O começo de nossa história estaria marcado pela chegada dos portugueses, pelo descobrimento. Mas basta pensarmos um pouco para vermos que o Brasil ainda não existia por volta de 1550, por exemplo. Não havia povo brasileiro, território brasileiro, leis brasileiras e tampouco um governo brasileiro. Se a cultura de um povo é a sua maneira de ser, ou seja, seus costumes, sua cozinha, suas festas, suas crenças, sua língua, suas vestimentas etc,, não havia também cultura brasileira. O que se tinha era a cultura dos portugueses que vieram para cá, as diversas culturas indígenas e as dos povos negros que foram trazidos como escravos da África. O que podemos chamar de cultura brasileira se formou lentamente a partir do encontro e da convivência entre portugueses, indígenas e africanos.

Esse encontro e essa convivência foram marcados pela exploração e pela dominação que os portugueses impuseram aos indígenas e africanos. Por essa razão, durante muito tempo, só os aspectos de origem portuguesa da nossa cultura eram valorizados pelas elites. Os de origem indígena e africana eram desprezados e até combatidos pelos grupos dominantes. Hoje aprendemos a valorizar as nossas raízes culturais indígenas e africanas.

A cultura brasileira recebeu posteriormente novas influências, em especial dos numerosos imigrantes que vieram para cá a partir da segunda metade do século XIX. Hoje em dia, comer macarronada aos domingos, por exemplo, é um hábito comum a um grande número de brasileiros. Esse costume, incorporado à nossa cultura, se deve à imigração italiana. (PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 23-4.)

                 
Iracema, Antonio Parreiras

"Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português"
(Erro de Português, Oswald de Andrade)

O último tamoio, Rodolfo Amoedo

Texto 2. De acordo com o senso comum, a cultura brasileira resultou da contribuição de brancos, negros e índios. No entanto, essa questão é mais complexa, uma vez que se corre o risco de generalizações e simplificações.

Afinal, quando se fala de "brancos", é preciso considerar não apenas os portugueses (a chamada "matriz portuguesa") mas também os imigrantes italianos, espanhóis, alemães, poloneses, ucranianos, holandeses, sírios, libaneses, dentre outras nacionalidades). Muitos destes imigrantes chegaram ao Brasil a partir da segunda metade do século XIX e, já no princípio do século XX, mais precisamente a partir de 1908, esse fluxo imigratório ganhou uma dimensão ainda maior com a vinda dos japoneses. Mais tarde, outros grupos asiáticos, como coreanos e chineses, também emigraram para o Brasil.


Lenhador, Rafael Pinto Bandeira

O vocábulo "negro" também é uma generalização que camufla a enorme multiplicidade étnico-linguística e cultural dos africanos que foram trazidos e se estabeleceram em determinadas regiões do território brasileiro no contexto do tráfico atlântico.


Fósforos, Firmino Monteiro

Se há alguns anos era comum fazer referência à "contribuição dos africanos na formação sociocultural brasileira", destacando-se, quase sempre a capoeira, o samba e a culinária, na atualidade, tal "legado" é muito questionado, uma vez que simplifica e banaliza a complexidade da história da cultura, relegando à etnia negra apenas um papel secundário em torno do eixo eurocêntrico.


Cena de Candomblé, Wilson Tibério

Em algumas áreas, como no polo açucareiro de Salvador, por exemplo, a presença africana e dos afrodescendentes foi tão expressiva que alguns autores sugerem que houve "uma contribuição portuguesa", num processo de africanização sociocultural.


"Meu pai grande
Ainda me lembro e que saudade de você
Dizendo: eu já criei seu pai, hoje vou criar você
Ainda tenho muita vida pra viver!
Meu pai grande
Quisera eu ter sua raça pra contar
A história dos guerreiros
Trazidos lá do longe, sem sua paz..."
(Pai Grande, Milton Nascimento)


Retrato, Arthur Timótheo

O mesmo raciocínio também se aplica aos "índios" e às suas "contribuições" (hábito de dormir na rede, tomar banho de rio, culinária, etc.). É preciso considerar que, em 1500, eles eram aproximadamente cinco milhões de indivíduos e que, em termos linguísticos, podiam ser agrupados em dois grandes troncos, o macro-jê e o macro-tupi, que englobavam mais de 600 línguas, o que por si só sugere a enorme diversidade cultural dos povos indígenas.



Essa questão se torna mais complexa quando se considera que, em determinadas regiões, como na Amazônia, a cultura indígena foi hegemônica no contexto da formação sociocultural da região. (BERUTTI, Flávio. Caminhos do Homem. Curitiba: Base Editorial, 2010. p. 239-240.)


Feiticeira, Rafael Pinto Bandeira

Texto 3. "A cultura popular viceja sempre. Foi no período anterior à chegada dos europeus que os índios forjaram a tradição de lendas e costumes que ainda hoje estão por aí espalhados, modificados como a história do saci-pererê ou temperados pela mão africana como as canjicas e os munguzás. E os africanos nos trouxeram, de suas distantes pátrias, o ritmo e a força que sobrevivem nas danças e nas religiões populares. Os caboclos e mulatos brasileiros, herdeiros dessa cultura, com as influências da tradição lusitana, mesclaram tudo isso nas festas de São João, nos reisados, nos maracatus, nas capoeiras, nos sambas, na macumba, na poesia popular de cordel". (ALENCAR, Chico [et alli]. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. p. 45-46.)

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