"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 21 de maio de 2011

Cancion por la unidad de Latino America (ou, Quem tem medo da História?)

"Manifestação", Berni

A História anda mal contada entre muitos estudantes. Acham que ela "não serve para nada", que "parece um faroeste: de um lado os mocinhos, de outro os bandidos", "só se interessa pelo passado", "é matéria pra dar uma lida rápida, decorar e esquecer..."

Descontados os exageros naturais, esses comentários têm sua razão de ser. O ensino da História há muito vem sendo criticado pelos próprios professores e historiadores e por todos os que se ocupam do assunto. Essas pessoas têm advertido  com frequência para o fato de que somos um país sem memória, que não respeita suas tradições, não preserva seu patrimônio cultural e tem uma cultura histórica de fazer chorar. "De quinze em quinze anos, o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos quinze anos", afirmou, perplexo, na década de 1970 o jornalista Ivan Lessa.

[...]

E quem garante que a História
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória?

(Cancion por la unidad de Latino America, Chico Buarque de Hollanda e Pablo Milanez)

[...]

Questionamentos e lembranças são vitais para se reduzir o grande desencontro entre a História e o povo brasileiro. Diminuir esse abismo é necessário para compreendermos melhor (e até mudar) o país em que vivemos. Quais as razões deste desencontro, que afeta especialmente os estudantes, um segmento da sociedade particularmente interessado em conhecer a verdade?

Uma das principais razões é que durante muito tempo nossa História foi mal contada e nossa memória mal preservada. Boa parte dos nossos antigos historiadores, influenciada pela ideologia do colonizador e ligada às classes dominantes do seu tempo, interpretou com noções conservadoras, elitistas e preconceituosas a realidade brasileira e latino-americana em geral.

Elitismo e preconceito em relação aos índios, negros, operários, sertanejos, colonos imigrantes - a todos aqueles, enfim, que foram "escalados" para participar da vida social apenas com o trabalho braçal. E conservadorismo em relação a praticamente tudo que pudesse significar a mudança da estrutura social.

Ao tratar a História como matéria destinada essencialmente a glorificar acontecimentos e personagens, esses historiadores difundiram a ideia de que o papel da História era transmitir aos jovens os "bons exemplos" legados pelos "heróis nacionais", o que deveria ser feito através, basicamente, da memorização dos grandes feitos das elites dominantes. A velha História limitava-se assim a exaltar e a justificar a supremacia dos poderosos, ao passo que desvalorizava e até omitia a presença das classes e grupos sociais dominados. Era uma História que não fazia menção a desigualdades, injustiças e conflitos sociais. Uma História, enfim, sem povo ativo e criativo: de um lado (é o faroeste!), havia os "heróis da pátria"; de outro, estava um povo, ora passivo (portanto ausente da cena histórica), ora "desordeiro", povo-bandido, uma mera perturbação na vida das elites.

Era inevitável que esta História, ao invés de ampliar o conhecimento dos brasileiros a respeito de si próprios, provocasse um distanciamento crescente entre si mesma e o povo. Esse último, em consequência, não se reconhece inteiramente na sua História, nem a valoriza como devia. A falta de consciência histórica somava-se, assim, a tantas outras faltas (de direitos, informação, saúde etc.), dificultando ou mesmo impedindo a consolidação em nosso país de uma cidadania plena.

Um bom exemplo disto é a incapacidade de grande parte do povo brasileiro para agir como sujeito da sua história até hoje, ou seja, como soberano, o que é um dos pré-requisitos básicos para haver democracia em qualquer país.

Mas a História (e o seu ensino) mudaram no Brasil nas últimas décadas. Hoje, os historiadores a consideram - tal como as demais "ciências" do homem: a Sociologia, a Antropologia, Ciência Política etc. - como um meio importante para se compreender e problematizar o processo de constituição e transformação das sociedades. [...]

[...]

Num país como o Brasil, de profundos contrastes e injustiças, entendemos o processo educativo, tal como propõem alguns de nossos melhores educadores, essencialmente como um ato de amor. [...]

Hoje, a meta principal da educação em História no Brasil não é buscar o "conteúdo crítico" (isto há muito já foi iniciado), nem "descobrir" as técnicas milagrosas de ensino e aprendizagem. Urgente é trilhar os caminhos que propiciem, antes de tudo, a identificação dos estudantes com a História do seu país. Esta, a nosso ver, a condição indispensável para que prosperem tanto o conhecimento, quanto o amor pelo que é ensinado, valores fundamentais no trabalho dos verdadeiros educadores, e que infelizmente andam em falta.

ALENCAR, Francisco et al. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996. 

Ouça e reflita:


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