"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 5 de março de 2014

A sociedade asteca: os que mandam

Em primeiro lugar, são os guerreiros, os sacerdotes e os funcionários. No momento da conquista os comerciantes tinham adquirido privilégios consideráveis, mas ainda não se igualavam às três castas anteriores.

A palavra Tecuhtli (dignatário, senhor) se referia ao escalão superior dos chefes militares, dos hierarcas administrativos e dos funcionários judiciais. O soberano da cidade derrotada e incorporada à dominação asteca recebe o tratamento de Tecuhtli, da mesma maneira que o próprio Imperador.


Nezahualpilli, tlatoani de Texcoco. Codex Ixtlilxochitl

Qual é o processo de escolha dos mais altos postos? Sob o reinado do último soberano, ele e quatro altíssimos dignatários que o rodeiam são eleitos. O resto do funcionalismo é nomeado pelo soberano, ou deve ser confirmado por ele.

Na maioria das vezes, o novo Tecuhtli - que pode, também, um simples chefe do bairro ou a autoridade suprema de uma cidade - é escolhido entre os descendentes daquele que está terminando suas funções. Num passado talvez não muito remoto, os funcionários eram escolhidos mais ou menos democraticamente. Nos últimos tempos, o poder de designação é do soberano e, eventualmente, o poder de legitimação. Os escolhidos - e isto implica em privilégios - passam a depender não mais do povo, mas sim da autoridade suprema, a qual devem acatar e prestar contas. A fidelidade se desloca e, com ela, a responsabilidade. O processo se encaminha para um tipo de autocracia.

O Tecuhtli, independentemente de qual fosse sua gradação, goza de privilégios que se expressam exteriormente na roupa que veste e nas jóias que ostenta. Vive em palácio, mansão ou casa de melhor qualidade que seus concidadãos. Quando governa uma aldeia ou cidade, os habitantes prestam-lhe serviços pessoais. Recebe terras em usufruto, trabalhadas por outros e apropria-se totalmente dos produtos. O soberano lhe envia presentes tais como tecidos, roupas, alimentos e outras coisas.

Supõe-se que o Tecuhtli represente o povo ante a autoridade suprema. No entanto, esta suposição não tem muito sentido, pois vimos que ele deve fidelidade a quem lhe deu o cargo e que, ainda, lhe concede privilégios. Ele tem obrigações militares e deve manter a ordem. É responsável pelo cultivo das terras e, principalmente, daquelas cujos produtos serão inteiramente tributados. Possui a atribuição de designar funcionários subalternos, seus colaboradores. Mas, se o fizer, terá que pagá-los de seu próprio bolso. Por fim, o Tecuhtli e sua família estão isentos de pagar tributos. Sua fidelidade ao que chamamos de Imperador é, assim, altamente recompensada.

Cada bairro da cidade de Tenochtitlán tem um chefe chamado Calpullec, escolhido pelos habitantes do Calpulli ou bairro. Sua escolha deve ser confirmada pelo poder supremo. O Calpullec deve ter sem atraso o registro das terras de propriedade coletiva de Calpulli e distribuídas em parcelas às diferentes famílias que formam a comunidade. A origem democrática deste funcionário também foi mudando para a de um burocrata que recebe ordens do soberano e ao qual deve a máxima lealdade.

No ponto mais alto da hierarquia social, junto ao Imperador, encontramos quatro dignatários cujas funções são essencialmente militares. Frequentemente, são familiares do soberano e é entre eles que se costuma escolher o próprio Imperador. Além da luxuosa roupagem que os diferencia dos demais, gozam de prerrogativas na distribuição dos tributos pagos pelas províncias. Vivem em magníficas mansões e possuem numerosos empregados. São ricos. Mas sua riqueza é o resultado dos méritos e honras conquistadas na guerra. Não constituem uma nobreza hereditária. Os privilégios foram ganhos servindo a Huitzilopochtli e ao soberano. Não são poucos os de origem humilde, pois o que conta para ser nobre não é pertencer a uma família que ostenta o título de nobreza, mas o valor pessoal e os serviços prestados.

Num Império que está em formação mediante o recurso da guerra, uma nobreza de linhagem ainda não tem lugar. Os êxitos bélicos, fontes de maiores tributos e maior dominação política, é que determinam as maneiras para a ascensão social. Os bens materiais dos mercadores - ainda que não nos conste, supostamente os tiveram - representam um valor absolutamente secundário.

No entanto, parece evidenciar-se uma tendência a valorizar a linhagem na escolha do Imperador e nos papéis dados a seus parentes. Da mesma maneira, os filhos dos Tecuhtli que ocupavam postos menos importantes na hierarquia, não voltam à condição de plebeus ou Macehualli. Ao nascer adquirem um status social intermediário ou a dignidade de Pilli que de fato significa: filho de Tecuhtli (ou fidalgo, na expressão espanhola).

Nascer na condição de Pilli significa ter vantagens consideráveis, a começar por aquelas derivadas da fama e prestígio do pai - personagem respeitado -, o direito a uma educação superior e a probabilidade de ser nomeado funcionário do Imperador.

A outra grande hierarquia é a dos sacerdotes. Se estão livres da participação na guerra e na administração, têm uma tarefa não menos árdua: conseguir a boa vontade dos deuses. No topo da pirâmide sacerdotal, há dois personagens que poderiam ser considerados como sumos pontífices, responsáveis respectivamente pelos cultos a Huitzilopochtli e ao deus Tlaloc. Em alguns casos, aldeias inteiras - e não eram poucas - tinham como tarefa exclusiva construir, consertar e manter os templos, conseguir lenha para manter o fogo sagrado aceso permanentemente, oferecer tributos em milho e outros alimentos para o consumo dos sacerdotes, que também serviriam de reservas alimentícias em caso de necessidade.

Finalmente, podemos dizer que os Tecuhtli podiam trabalhar com as mãos, mas não podiam ser lavradores e comerciantes, sem dúvida ofícios que implicavam em menor valia e considerados vis.

POMER, León. História da América hispano-indígena. São Paulo: Global, 1983. p. 12-3.

NOTA: O texto "A sociedade asteca: os que mandam" não representa, necessariamente, o pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção do conhecimento histórico.

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