"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A História dos índios da América

Chac Mool. Templo Mayor, México. 
Foto: Adriel A. Macedo Arroyo

"Hoje estamos começando a sonhar do fundo dos 500 anos que passamos mergulhados no túnel do tempo. Durante o longo caminho desse túnel, foram exterminadas muitas culturas... Só agora é que estamos com direito de ter comunicação, através da escrita na nossa própria língua, e recuperar nossas tradições. Mas este túnel do tempo mostra que somos capazes de realizar sonhos que sempre tivemos como povos diferentes e valorizados dentro de nós mesmos."
(João Mana, Kaxinauá, 1997)

Índios iaunauás
 Foto: Cecon/Agência de Notícias do Acre

Muitos povos indígenas foram atingidos pela conquista. Os conquistadores desejavam se apossar de tudo e subjugar a todos.

Que estranha é essa raça humana!

Nos primeiros tempos, era somente a conquista, a depredação, o espanto. Depois, os conquistadores foram criando os mecanismos da colonização; enviaram pessoas para administrar, cumprindo as ordens da coroa. Dividiram as terras e escolheram as estratégias para produzir o maior lucro possível.

Para as coroas europeias, as colônias precisavam ser muito lucrativas para compensar os gastos investidos. Dessa forma, era necessário cercar-se de todos os cuidados para garantir a produção. Principalmente nas regiões onde os impérios indígenas possuíam riquezas fabulosas e conhecimentos para produzir ainda mais, os colonizadores espanhóis, rapidamente, puseram em prática os esquemas armados pela coroa espanhola.

Mas, na verdade, tanto Portugal quanto a Espanha tiveram que se preocupar com os índios. Era uma realidade da qual não podiam fugir.

Para o colonizador, não era bom ter índios fortes. Era importante apossar-se de suas riquezas, de seus saberes, de seus segredos, mas não havia interesse em tê-los como amigos.

Aos olhos dos europeus, os índios eram inferiores. Nem sempre eram reconhecidos como gente. Na maioria das vezes, referiam-se a eles como seres estranhos e exóticos. Chegaram a levar alguns deles para ser expostos nas cidades europeias.

Foi um imenso choque cultural. De um lado, os europeus com sua cultura, seu grau de desenvolvimento, suas formas de vida. Do outro, a América, com uma variedade imensa de grupos indígenas, possuindo uma História completamente diferente.


Tipis  
Foto: Edward Curtis

Sem dúvida, foi um choque doloroso para os povos americanos, mas mexeu também com a cabeça dos europeus. Muitos valores foram derrubados, muitas ideias foram colocadas de lado e, em seus lugares, apareceram novos conhecimentos do mundo, dos homens e da vida. Se o Velho Mundo conhecido já não era mais o único, suas crenças e saberes também não eram mais.

Hoje, estudando aquele momento da História, nós somos capazes de enxergar os dois lados da cultura, mas naquela época era muito difícil para a maioria dos europeus tratar principalmente os índios americanos e os negros africanos como seus iguais. Para os europeus do século XVI, vivendo um nível de vida cultural muito diferente, os outros eram inferiores.


Petróglifo: guerreiro comanche. 
Foto: Jerry Willis

Enquanto os homens da Europa viviam a época do Renascimento - na arte, na ciência, na técnica, na literatura -, os homens da América, da África negra e das ilhas da Oceania viviam outro momento de sua História, que em nada lembrava a forma de viver dos europeus.

Os conquistadores não foram capazes de entender as diferenças e respeitá-las. Os reis, em sua política de colonização, não estavam preocupados em respeitar o modo de vida de povos tão diferentes, mas em trazer para as colônias o seu próprio modo de pensar, administrar, construir etc. Assim, por exemplo, nasceu nas colônias uma arquitetura - igrejas, palácios, residências - dentro do estilo de suas metrópoles. As colônias passaram a ser lugares onde as metrópoles expandiam os seus interesses econômicos e políticos, onde demonstravam o seu grau de cultura e religiosidade.

Na forma de pensar dos europeus, as culturas indígenas não tinham valor. Nem mesmo as dos incas, astecas e maias, que eram muito mais sofisticadas do que, por exemplo, as culturas dos índios do Brasil.¹

¹ Cada civilização americana desenvolveu processos históricos específicos e originais. [...]

A atividade econômica predominante era a agricultura de subsistência, destacando-se, na América Central, a cultura do milho.

As técnicas de irrigação e fertilização do solo eram suficientemente desenvolvidas para possibilitar o atendimento das necessidades de populações bastante densas. Utilizava-se o guano, adubo produzido com as fezes de um pássaro que, por isso, não podia ser morto.

A propriedade da terra era coletiva. Cada grupo familiar ou clã tinha direito a receber e utilizar uma área que suprisse suas necessidades. As terras não distribuídas eram consideradas propriedades do Sol. O povo era obrigado a cultivá-las também para o sustento de sacerdotes, governantes e suas famílias. A produção excedente das terras do Sol era armazenada e distribuída para a população quando as colheitas eram insuficientes.

Entre maias, astecas e incas havia atividades manufatureiras bem desenvolvidas, por meio dos quais se produziam utensílios domésticos, objetos de ornamentação e de culto e tecidos.


Arte erótica chimu em madeira e tecido.
Museu de Artes Walters

Os três grupos manipulavam metais. Os astecas utilizavam o cobre, e os incas dominavam a técnica de obtenção do bronze. O ouro, a prata e as pedras preciosas eram largamente empregados em uma sofisticada produção de jóias e objetos ornamentais que maravilharam os europeus e aguçaram sua cobiça. Contudo, não utilizavam o ferro, por isso não tinham desenvolvido uma atividade industrial mais complexa. Esses povos eram também excelentes ceramistas. Produziam obras magníficas, com os quais enfeitavam grandes construções arquitetônicas.


Estatueta de cerâmica representando um cacique.
Foto: Michel Wall

[...] Sua arquitetura era grandiosa. Os maias e astecas construíram grandes pirâmides. Os templos, palácios e as residências dos ricos eram construções monumentais, nas quais se usavam pedras. As casas pobres, por sua vez, eram de adobe (tijolo feito com argila crua, seco ao Sol).


Pirâmide do adivinho.
Uxmal

O comércio era bastante evoluído. Feito, de modo geral, em espécie (os astecas usavam cacau como moeda), foi responsável pelo surgimento de um grupo de comerciantes socialmente muito forte.


Reconstituição do mercado de Tlatelolco.
Joe Ravi

As civilizações americanas tornaram-se, apesar da importância da atividade agrária, predominantemente urbanas. Grandes cidades surgiram tanto na América Central como nos Andes.


Reconstituição de Tenochtitlán
México

As cidades possuíam sistema de esgoto e canalização de água, as ruas eram calçadas e havia jardins bem construídos. As estradas interligavam as cidades de cada império.

Em diversos aspectos da cultura e dos conhecimentos científicos, destacando-se a medicina e astronomia, os variados registros das civilizações centro-americanas e andinas indicam níveis elevados e complexos de elaboração.


Tiahauanaco, Bolívia. 
Foto Silvio Martins

Conheciam as propriedades medicinais de diversas plantas. Estudavam os movimentos dos astros, previam os eclipses e elaboravam calendários lunares precisos. Os maias possuíam um calendário, adaptado depois pelos astecas, com ano de 365 dias, dividido em 18 meses de 20 dias e um mês complementar de 5 dias, que a cada quatro anos tinha um dia a mais, resultando em um ano bissexto. Os cálculos astronômicos promoviam e valiam-se de bons conhecimentos matemáticos.

Os maias e astecas possuíam uma escrita ideográfica, há bem pouco tempo decifrada, em fase de evolução para a fonética, e os incas utilizavam um sistema de nos atados em pequenos cordéis coloridos - os quipos.

[...]

A organização social expressava a estrutura econômica e a organização religiosa. A grande importância da religião tornou muito poderoso o grupo sacerdotal, que se identificava com o dos governantes, também considerados ligados aos deuses. Em seguida, na escala social, havia o grupo dos guerreiros, muito prestigiados por seu papel na defesa da sociedade e na expansão do império. A base social era formada pelos trabalhadores que cultivavam a terra e desenvolviam as atividades manufatureiras. [...] Os escravos eram prisioneiros de guerra, incumbidos dos serviços mais pesados. Contudo, a escravidão não era hereditária. (NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277-279)


Representação do deus Jaguar do lírio aquático. Período Clássico da cultura maia.
Foto: Simon Burchell

Hoje é difícil estudar a vida dos índios daquele tempo. Destruíram-se quase todos os documentos, as cidades indígenas foram transformadas em cidades espanholas, foram queimados muitos conjuntos de escrita, chamados de códices, milhares de peças de arte confeccionadas em ouro e prata foram fundidas e transformadas em barras.

Além do mais, um número altíssimo de índios morreu durante a conquista e a colonização. Foram mortos em combates, por doenças e pelo excesso de trabalho imposto pelo colonizador. Tribos inteiras tiveram suas vidas completamente desorganizadas, pois as famílias, muitas vezes, foram esfaceladas, os grupos desmembrados e as imagens dos deuses destruídas.

Considerando-se, também, que em todos os impérios e tribos indígenas a cultura era passada de uma geração a outra pela tradição oral², com a morte de centenas de sábios, morreram também muitas experiências e conhecimentos.


²  Oração para pedir paz e sabedoria (Prece sioux)


Ó grande espírito de nossos antepassados,
A ti levanto meu cachimbo!
Levanto-o também aos teus mensageiros,
Os quatro ventos, e à nossa mãe terra,
Que sustenta nossos filhos.
Dá-nos a sabedoria para ensinar nossas crianças
A amar, a respeitar os outros,
Para que sejam boas entre elas,
E para que cresçam com a paz na mente.
Ensina-nos a dividir todas as boas coisas
Que tu enviaste para nós nesta terra...
(Povo sioux*)

* Texto de autor desconhecido. Este povo vivia na região central das planícies dos Estados Unidos e resistiu bravamente ao avanço europeu, autodenominando-se Dakota, que significa "povo".

Xamã da Amazônia 
Foto: Veton Picq

Pouca coisa restou produzida inteiramente pelos índios daquele tempo. Alguns religiosos que chegaram no período da conquista ou depois, com os colonizadores, foram os responsáveis pela preservação da obra indígena. Não somente recolheram e guardaram documentos, como também ouviram os índios e registraram as suas histórias.

Entre os diários de viagem, os relatórios e as crônicas dos primeiros tempos dos europeus na América, estão também as obras escritas pelos missionários. Frei Bartolomeu de Las Casas foi um que escreveu bastante, denunciando o tratamento que o colonizador espanhol dispensava aos índios. Outro, o padre Bernardino de Sahagún, pôs-se a ouvir os índios e foi registrando as histórias, as lendas, as canções, as experiências e, assim, chegou até nós um pouquinho daqueles tempos.


Guerreiros astecas
Códice florentino. Artista indígena desconhecido.

Somente através de documentos pode-se conseguir reconstruir a História de um povo. Onde não há documentos, o passado nada mais pode ser além de silêncio.

Mas, quando há documento verdadeiro, não há silêncio. Os livros, os diários, os relatos falam, como falam também as artes, as lendas, as crônicas, os mitos, as ruínas das cidades...

GARCIA, Ledonias Franco. Estudos de história: sociedades dos tempos modernos. Goiânia: UFG, 1998. p. 115-118.
GUARANI, Emerson; PREZIA, Benedito (orgs,). A criação do mundo e outras belas histórias indígenas. São Paulo: Formato Editorial, 2011. p. 5 e 50.
NEVES, Joana. História Geral - A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 277-279.

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