"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O aparecimento do Estado

Afresco. Palácio de Cnossos, Creta

Junto aos grandes rios, os chefes encarregaram-se de controlar os sistemas de canais. Aí, onde a terra era fértil, os camponeses produziam uma quantidade suficiente de cereais para alimentarem dezenas de milhares de pessoas.

Todas as condições se reuniam então para que aparecesse uma nova organização na vida dos homens.

[Algumas aldeias tornaram-se cidades] As profissões multiplicaram-se e as riquezas também. Entre uma e outra aldeia começou-se a trocar objectos de artesanato e alimentos. O comércio fez assim a sua aparição. As primeiras cidades apareceram cerca de 4000 anos a.C., na Mesopotâmia. A Mesopotâmia é a região fértil situada entre os rios Tigre e Eufrates.

Depois, o vale do Indo, o do Nilo e, mais tarde, o do rio Amarelo na China, viram nascer cidades. No vale do Indo, Harapa e Mohenjo-Daro tinham 60 000 habitantes. Em Mohenjo-Daro as casas eram construídas em torno de um pátio interior. Possuíam mesmo casas de banho. Na China, a primeira cidade conhecida foi fundada cerca de 1900 a.C.

[Como surgiram os primeiros reis] Doravante, na superfície da Terra, os homens viviam de maneiras diferentes. Os caçadores-recolectores era ainda os mais numerosos, por exemplo na América. Em todos os continentes, as pessoas agruparam-se em aldeias. Na África, na Ásia, criadores de gado percorriam grandes extensões de terreno atrás dos seus rebanhos. E, nas primeiras cidades do Médio Oriente, surgem ainda novas mudanças.

Entre os caçadores-recolectores não havia propriamente ninguém que comandasse, as decisões eram tomadas pelo grupo e, por vezes, pelos homens mais velhos.

Mas nas cidades, um chefe único, descendente de uma grande família conseguiu impor a sua autoridade. Ele tornou-se rei fazendo crer aos outros que era protegido pelos deuses. Os sacerdotes, que pertenciam às famílias ricas, apoiavam-no. Os templos desempenhavam um papel muito importante. Eram ao mesmo tempo entrepostos de mercadorias e lugares de culto.

[O rei e seus funcionários] O rei, cada vez mais poderoso, rodeava-se de pessoas que executavam as suas ordens e as faziam respeitar pela população. Desde então, o poder de decidir pertencia ao rei, que governava sozinho com a ajuda de funcionários, homens que deviam obedecer às suas ordens. Tinha nascido o Estado, ou seja, um conjunto de pessoas que decide e dá instruções aos outros. Os camponeses e os artesãos apenas tinham que se submeter. A cidade tinha-se tornado numa cidade-estado governada por um rei.

[Uma praga para a humanidade: a guerra] Será que a guerra, que nunca deixou de assolar a história do homem, existiu sempre? Ou foi uma terrível invenção que acompanhou as outras grandes mudanças do Neolítico?

É uma questão muito grave e muito difícil, sobre a qual os estudiosos discutem há muito tempo. E eles nunca estiveram todos de acordo. A violência é, sem dúvida, uma característica do homem, desde o tempo dos austrolopitecos. Os caçadores do Paleolítico davam largas à sua agressividade na caça; provam-no as hecatombes de mamutes. Mas a caça servia para se sustentarem.

Os caçadores-recolectores cuja maneira de viver foi estudada por etnólogos não tinham todos a mesma atitude. Por exemplo, os esquimós ignoravam a guerra, e ainda hoje a ignoram. Por outro lado, certos grupos de índios da América praticavam-na contra outros índios. Mas essas guerras eram ataques breves, incursões de surpresa. Tinham, sobretudo, por objectivo, o prestígio do guerreiro que obtém o escalpe do inimigo que matou. As guerras não impediam as dádivas recíprocas e os hábitos de troca entre os clãs.

[Escaramuças e pilhagens através de grandes expedições armadas] Quando as riquezas aumentaram, quando os aldeãos fizeram grandes armazenamentos, a guerra começou a ter outro objectivo. A separação entre os agricultores instalados nas suas aldeias e os criadores de gado que continuavam a ser nómadas, atrás dos seus rebanhos, agravou a violência entre os homens. Clãs de criadores de gado foram tentados a pilhar os celeiros dos aldeãos.

A partir do nascimento das cidades-estados, os reis, não contentes por reinarem apenas a sua cidade, procuraram expandir os seus territórios. Graças à metalurgia do bronze, os chefes dispunham de armas novas mais eficazes. Os reis, em luta uns contra os outros, criaram exércitos, ou seja, juntaram homens cuja tarefa era combater. As guerras multiplicaram-se.

[Uma outra praga: a escravatura] Nas suas campanhas assassinas, os guerreiros começaram a fazer numerosos prisioneiros. E um terrível hábito nasceu do triunfo dos fortes sobre os fracos: a escravatura. Os prisioneiros foram deportados para as cidades-estados vitoriosas, e homens, mulheres e crianças tornaram-se os escravos do rei e das grandes famílias. Isto quer dizer que eram a propriedade de outros homens, que dispunham inteiramente das suas vidas e das suas mortes. As crianças que nasciam de pais escravos sê-lo iam, por sua vez. Angariar escravos tornou-se um outro objectivo da guerra. Os escravos eram indispensáveis para os grandes trabalhos que os reis mais poderosos tinham iniciado.

No Médio Oriente, graças às suas vitórias, certos reis apoderaram-se de vastos territórios. Nasciam assim os primeiros impérios, ou seja, a reunião sob o comando de um rei e dos seus funcionários de um grande território com as suas aldeias e cidades. Os mais antigos são Acad e a Suméria a sul da Mesopotâmia. Mas o Império Egípcio é o mais conhecido.

[Grandes impérios, grandes trabalhos, grandes monumentos] À força de vitórias e de derrotas, em todo o Médio Oriente, numerosos impérios surgiram e desapareceram durante vários milhares de anos.

Do mesmo modo, quando a agricultura se tornou próspera, surgiram impérios em outras partes do mundo: na China e nos Andes, na América do Sul. Os chefes desses grandes impérios rivalizavam no orgulho. Queriam mostrar as suas riquezas aos olhos de todos e adular os sacerdotes que os apoiavam. Tinham como ponto de honra construir os maiores e os mais belos monumentos, palácios, templos ou túmulos. Ainda hoje se podem admirar alguns. As pirâmides do Egipto são os mais célebres.

Mas houve muitos outros monumentos desses. Foi necessário o trabalho de milhares de escravos. de camponeses e de artesãos para criar essas "maravilhas do mundo".

[Todas as maravilhas do mundo] Os megálitos encontram-se entre os mais antigos monumentos do mundo. Trata-se de enormes pedras que foram levantados cerca de 3000 a.C., e que serviam de túmulos. Encontramo-los dispersos em torno do oceano Atlântico e do norte da Grã-Bretanha até o sul de Espanha.

Mais ou menos na mesma altura, dois magníficos templos ornados de mosaicos, de pedras preciosas e de diamantes foram construídos em Uruk.

As pirâmides egípcias de Gizé remontam a cerca de 2500 a.C.

Ao sul da Mesopotâmia os zigurates eram enormes edifícios de tijolos. Eram construídos em terraços tendo ao alto um templo consagrado a um dos deuses da cidade. Os primeiros foram construídos cerca de 2000 a.C.

Na ilha de Creta, o palácio mais antigo, o de Cnossos, data dessa mesma época.

CITRON, Suzanne. A história dos homens. Lisboa: Terramar, 1998. p. 37-43.

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