"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 25 de abril de 2013

"Admoestações de um sábio egípcio": uma revolta social no Egito antigo?

Papiro Leiden

* Natureza e data do texto: 

O Papiro Leiden 344 parece ter sido redigido durante a XIIª dinastia na sua forma original (o texto que temos é uma cópia tardia, da XIXª dinastia). Contém uma composição literária bastante longa - da qual reproduzimos somente pequenos excertos -, conhecida como "Admoestações de um sábio egípcio" ou "Admoestações de Ipuwer". A. Gardiner e outros autores acreditam que seja o reflexo de fatos reais acontecidos durante o Primeiro Período Intermediário (2134-1040 a.C.), mas recentemente S. Luria, M. Lichtheim e outros têm defendido a opinião de que se trata de texto de pura ficção.

* Texto:

Os porteiros dizem: "- Vamos saquear!"...O aguadeiro recusa-se a carregar a sua carga... os que capturam pássaros formaram-se em linha de combate. [... os habitantes] do Delta usam escudos. ... Um homem vê seu filho como inimigo. ...O homem virtuoso anda de luto devido ao que aconteceu no país... as tribos do deserto tornaram-se egípcias por toda parte.

[...]

Em verdade, os saqueadores [estão] por toda parte, e o servidor leva o que acha.

Em verdade, o Nilo inunda, mas ninguém toma o arado. Todos dizem: "- Não sabemos o que vai acontecer pelo país."

[...]

Em verdade, homens pobres se tornaram donos da riqueza, e aquele que não podia fazer sandálias para si é agora um possuidor de fortuna.

[...]

Em verdade, os nobres estão angustiados, enquanto o homem pobre está cheio de alegria. Cada cidade diz: "- Acabemos com os poderosos entre nós!"

[...]

Em verdade, escritórios públicos são abertos e seus inventários retirados; o servo tornou-se um dono de servos.

Em verdade, [escribas] são mortos e seus escritos retirados. Ai de mim por causa da miséria desta época!

Em verdade, os escritos dos escribas do cadastro são destruídos, e o cereal do Egito é propriedade comum.

Em verdade, as leis do tribunal são jogadas fora, em verdade, homens as pisoteiam nos lugares públicos, e homens pobres as destroem nas ruas.

[...]

Vede, coisas foram feitas que há muito não aconteciam: o rei foi deposto pela turba.

[...]

Vede, aconteceu que o país foi privado da realeza por alguns homens sem lei.

[...]

Vede, o segredo das terras cujos limites eram desconhecidos é divulgado, e o Palácio Real é derrubado num momento.

[...]

* Observações:

O documento dá a entender que a revolta se restringiu ao Delta, ou foi aí mais intensa. Ao dizer que as tribos do deserto "se tornaram egípcias", o que se quer significar é que os estrangeiros arrogaram-se os privilégios dos naturais do país. Note-se que o povo se voltou em primeiro lugar, com muita lógica, contra os documentos que serviam de base à corvéia, ao imposto e ao controle da propriedade da terra.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. Trabalho compulsório na antiguidade. Rio de Janeiro: Graal, 2003. p. 88-90.

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