Para os governantes tradicionais
da Europa – reis, aristocratas, clérigos -, a Revolução Francesa foi um grande
mal que abriu um ferimento quase fatal na civilização. Indignados e
aterrorizados com a violência revolucionária, o terror e as guerras, os
governantes tradicionais buscaram refutar a visão de mundo dos philosophes, que dera origem à Revolução.
Para eles, os direitos naturais, a igualdade, a bondade do homem e o progresso
permanente eram doutrinas perversas que haviam produzido os “assassinos”
jacobinos. Encontraram, no conservadorismo, uma filosofia política capaz de
combater a ideologia iluminista.
O Congresso se diverte, charge de Forceval, 1814. Enquanto os imperadores da Áustria e da Rússia e o rei da Prússia dançam de mãos dadas, o rei da Suécia segura firmemente sua coroa.
A obra de Edmund Burke, Reflexões sobre a revolução na França
(1790), contribuiu para a formação do pensamento conservador. Burke
(1729-1797), estadista e teórico político britânico, quis advertir seus conterrâneos
dos perigos inerentes à ideologia dos revolucionários. Embora escrevendo em
1790, Burke vaticinou astuciosamente que a Revolução levaria ao terror e à
ditadura militar. Para ele, fanáticos armados com princípios perniciosos –
ideias abstratas divorciadas da experiência histórica – haviam arrastado a
França ao atoleiro da Revolução. Burke desenvolveu uma filosofia política
coerente que serviu de contrapeso à ideologia do Iluminismo e da Revolução.
- Hostilidade à Revolução Francesa. Os filósofos iluministas e os
reformadores franceses, fascinados pelas descobertas na ciência, haviam
acreditado que a mente humana podia também transformar as instituições sociais
e as tradições antigas de acordo com modelos racionais. O progresso através da
razão tornou-se sua fé. Dedicados a construir um novo futuro, os revolucionários
romperam abruptamente com os velhos costumes, a autoridade tradicional e os
modos familiares de pensamento.
Para os conservadores, que, como
os românticos, veneraram o passado, essa era a arrogância e o mal supremos. Consideravam
os revolucionários como homens presunçosos que irrefletidamente rompiam os elos
da sociedade com as instituições e tradições antigas e tachavam de ignorância
as veneráveis crenças religiosas e morais. Ao atacarem os costumes consagrados
pelo tempo, os revolucionários haviam privado a sociedade francesa de liderança
moral e aberto a porta à anarquia e ao terror. “Vocês tiveram um mau começo”,
escreveu Burke a respeito dos revolucionários, “porque começaram por desprezar
tudo o que lhes pertence. [...]. Quando as antigas opiniões e as velhas normas
de vida são postas de lado, a perda talvez não possa ser estimada. A partir
desse momento não temos nenhuma bússola para nos guiar; nem podemos saber
claramente a que porto nos dirigir”.
Os philosophes e os reformadores franceses tinham manifestado uma
confiança ilimitada no poder da razão humana de compreender e mudar a
sociedade. Embora apreciassem as capacidades racionais do homem, os
conservadores também reconheciam as limitações da razão. Consideravam a Revolução
como um desenvolvimento natural de uma filosofia iluminista arrogante, que
atribuía demasiado valor à razão e buscava reformar a sociedade de acordo com
princípios abstratos.
Para os conservadores, os seres
humanos não eram naturalmente bons. A maldade dos homens não se devia a um meio
imperfeito, como haviam proclamado os filósofos, mas estava no íntimo da
natureza humana, como ensinava o cristianismo. O mal era controlado não pela
razão, mas por instituições, tradições e crenças experimentadas e testadas. Sem
esses hábitos herdados dos ancestrais, afirmavam os conservadores, a ordem
social era ameaçada pela pecaminosa natureza humana.
Em razão de terem durado séculos,
afirmavam os conservadores, a monarquia, a aristocracia e a Igreja tinham seu
valor. Ao desprezar e erradicar essas antigas instituições, os revolucionários
tinham endurecido os corações das pessoas, pervertido sua moral e instigado-as
a cometer terríveis afrontas umas contra as outras e contra a sociedade. Para os
conservadores, os revolucionários haviam reduzido o povo e a sociedade a
abstrações separadas de seus contextos históricos; haviam elaborado constituições
baseadas no inaceitável princípio de que o poder do governo emana do consenso
dos governados.
Para os conservadores, Deus e a
história eram as únicas fontes legítimas de autoridade política. Os Estados não
eram constituídos; eram apenas uma expressão da experiência moral, religiosa e
histórica de uma nação. Nenhuma constituição legítima ou sólida podia ser
elaborada por um grupo reunido com tal finalidade. Tiras de papel com
terminologia legal e visões filosóficas não podiam produzir um governo efetivo;
ao contrário, um sistema político sólido desenvolvia-se gradual e
inexplicavelmente em resposta às circunstâncias.
- A busca da estabilidade social. A filosofia liberal do Iluminismo e
a Revolução Francesa começaram com o indivíduo. Os filósofos e os revolucionários
almejavam uma sociedade em que o indivíduo fosse livre e autônomo. Os
conservadores acreditavam que a sociedade não era uma combinação de indivíduos
desconexos, mas um organismo vivo que se mantinha unido por laços centenários. O
individualismo colocaria em risco a estabilidade social, destruiria a obediência
à lei e fragmentaria a sociedade em átomos isolados e egoístas.
Os conservadores consideravam a
igualdade como outra abstração perniciosa que contradizia toda a experiência
histórica. Para eles, a sociedade era naturalmente hierárquica, e acreditavam
que alguns homens, em virtude de sua inteligência, educação, riqueza e
nascimento, eram mais bem qualificados para governar e instruir os menos
capazes. Afirmavam que, ao negar a existência de uma elite natural e erradicar
uma classe governante há muito estabelecida, que aprendera sua arte através da
experiência, os revolucionários haviam privado a sociedade de líderes efetivos,
trazido a desordem interna e preparado o caminho para uma ditadura militar.
O conservadorismo apontou uma
limitação do Iluminismo. Mostrou que os seres humanos e as relações sociais são
muito mais complexos do que haviam imaginado os filósofos. As pessoas nem
sempre aceitam a lógica rigorosa do filósofo e não estão prontas a romper com
os costumes antigos, por mais ilógicos que possam parecer. Muitas vezes, as
pessoas julgam que os costumes familiares e as religiões dos antepassados são
guias mais satisfatórios do que os programas dos filósofos. O inflexível poder
da tradição continua sendo um obstáculo para todas as visões de reformadores. Os
teóricos conservadores advertiram que a violência revolucionária, quando se
perseguem sonhos utópicos, transforma os políticos numa cruzada ideológica que
termina em terror e despotismo. Essas advertências deram frutos amargos no século
XX.
MARVIN, Perry. Civilização ocidental: uma história concisa.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 383-385.
NOTA: O texto "Conservadorismo: o valor das tradições" não representa, necessariamente, o
pensamento deste blog. Foi publicado com o objetivo de refletirmos sobre a construção
do conhecimento histórico.
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