À memória de meu pai, Orides Eleutério Maurer (1937-1977)
A “civilização cristã ocidental” entre roubos, assaltos, guerras e imperialismos
Vivemos
no Mundo Ocidental. Nossa civilização é comumente chamada de “Civilização
Ocidental Cristã”. Entre nós – ocidentais – costumamos dividir a trajetória do
homem em dois grandes processos históricos: antes de Cristo e depois de Cristo.
Assim procedemos porque nossa civilização usa como ponto de partida a data do
nascimento de Cristo.
Podemos
representar a “nossa” História da seguinte maneira: iniciamos nossa trajetória
na África, o berço da humanidade, o berço da civilização faraônica – com suas pirâmides,
suas múmias, sua primeira religião monoteísta da história, a fabricação da
cerveja e do pão! Daí nossa “evolução” percorreria as heranças culturais
das civilizações da Ásia Ocidental, cujo legado será absorvido pelas civilizações clássicas greco-romana.
Uma
das principais heranças do Oriente Antigo, transmitidas pelos fenícios, será o
alfabeto. Os gregos, adaptando a escrita fonética fenícia, introduzem-lhe as
vogais. Com pequenas modificações, os romanos, herdeiros e admiradores da
cultura grega, transformam esse alfabeto que é, com outras pequenas
modificações, o alfabeto usado pelas civilizações europeias e americanas.
Do
mundo clássico chegaram até nós as olimpíadas, a democracia, a filosofia, o
Direito, a república, as línguas latinas...
No
período medieval, com o predomínio político-econômico-ideológico da Igreja
católica – oficializada no final do Império Romano – torna todo aquele que
professasse outra crença – os chamados “pagãos” – em inimigos da nova ordem: a
ordem dos senhores feudais, dos cavaleiros e dos papas. As Cruzadas contra os
“outros”, isto é, os muçulmanos, os judeus, os hereges, os pagãos, tornam-se
rotina num mundo dopado pela ideologia do Deus único. Perseguições às bruxas
(mulheres), sodomitas (homossexuais), hereges, leprosos, pobres... são
característicos desse período obscuro da formação do Ocidente.
Segue-se
a chamada época renascentista. “Renascença” de quê? De um espírito aventureiro,
avassalador, impiedoso. Os homens lançam-se aos mares e oceanos até então
desconhecidos. “Descobrem” novas terras e novas gentes. Fincam suas cruzes – em
nome dos reis e da Igreja. Trazem seus canhões, suas espadas, suas bazurcas,
seus cães, seus cavalos. Trazem – invisíveis – a podridão de seus corpos.
Catequizam. Impõe a ferro, fogo e sangue sua religião única, verdadeira.
Escravizam. Violentam mulheres virgens. Queimam crianças e homossexuais.
Destroem um patrimônio cultural construído por centenas de milhares de anos em
pouco tempo. Toda uma civilização é subjugada, humilhada, saqueada. Quanto
conhecimento científico, artístico, literário é jogado no limbo da história!
Quanto a humanidade perdeu com a insanidade de homens estúpidos e analfabetos!
Conquista-se
o continente que viria a ser chamado de América. E segue-se a colonização. E o
massacre. E a exploração. E a escravidão indígena. Tudo numa época chamada de
Renascimento. Época em
que Leonardo da Vinci pintava a famosa Mona Lisa, Michelangelo esculpia Davi, Shakespeare escrevia Romeu
e Julieta e Thomas Morus A Utopia.
Época em que Lutero
afixava na catedral de Wittenberg as 95 teses. Época em que Galileu Galilei ,
Copérnico e tantos outros cientistas demonstravam que a terra era redonda – e
se movia! Época em que a Igreja Católica perseguiu, prendeu, torturou e queimou
milhares de mulheres – acusadas de bruxaria -, cientistas e tantos outros fora
dos padrões admitidos pelos poderosos. Ou que contestavam o status quo, a Bíblia...
E
a Europa conheceu o absolutismo monárquico dos reis, o despotismo, a cobrança
ultrajante de tributos, a espoliação do povo. E o tráfico Atlântico que
transplantou milhões de homens, mulheres e crianças acorrentados nos podres porões de seus navios negreiros –
tumbeiros - do berço da humanidade para a América. Milhões de seres humanos
passaram a ser expostos e vendidos nos mercados coloniais; daí eram encaminhados para os engenhos de açúcar do Nordeste brasileiro, para as áreas
mineradoras de ouro e prata da América hispânica, para as fazendas de algodão e
tabaco nas colônias inglesas da América do Norte, para as plantações de açúcar
no Caribe, para as casas-grandes, para as vilas e cidades de todo o continente
americano. E para o pelourinho. E os escravos resistiram. Fugas, rebeliões,
quilombos, abortos, assassinatos de feitores... E o povo pobre resistiu.
Resistiu nas colônias americanas. Resistiu nas metrópoles.
E
surgiram ideias de liberdade, igualdade, fraternidade. Explodiram revoluções na França e na América do Norte. Ecos da Marselhesa se fizeram sentir na América
colonial. Explodiram revoltas e rebeliões na América portuguesa (Inconfidências Mineira e Baiana), na rebelião de escravos no Haiti e nas independências das colônias
espanholas e na independência do Brasil. E novamente índios, negros e
pobres são excluídos do poder.
E
surgem as máquinas e as fábricas. E o capital. E o proletariado. E a exploração
capitalista. E os operários quebram as máquinas. E vem a repressão. E surgem
novas ideias. Ideias socialistas, anarquistas. E novas revoluções. E novas
repressões.
E
os burgueses não se cansam de conquistar. Voltam seus olhos novamente para o
berço da humanidade – a África. E para as civilizações milenares da Ásia. E
para a América recém-liberta do domínio europeu. É o novo colonialismo vestido
de nova roupagem. É o chamado imperialismo. Novos massacres. Novas ocupações e
roubos. E tudo isso desembocará numa corrida imperialista entre as grandes potências
industrializadas que resultará na eclosão da 1ª grande guerra mundial. Massacre
das populações civis na Europa. Massacre dos trabalhadores. Quantas crianças e
jovens poderiam ter aprendido outras lições nas escolas da época?
E
os homens não aprendem com a grande guerra. E vem o fascismo, o nazismo, o
franquismo, o salazarismo, o getulismo... E os campos de concentração, os
bombardeios de vilas e cidades, as bombas atômicas na 2ª guerra mundial... E a "guerra fria" quente nos quatro cantos do mundo, o cinismo, a
maldade, a estupidez, a arrogância, a crise de valores morais e éticos, a
superprodução, o subconsumo, a violência, o trabalho infantil, a miséria, a fome, o terrorismo, os
fundamentalismos de todo tipo, a crise ecológica...
E
a humanidade não aprendeu nada com o passado! Admirável mundus novus!
Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História
e Sociedade •●ϟ
MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do
tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 15-18.
© 2015 by Orides Maurer Jr.
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