Brasil, primeiro quartel do século XXI
Às nações civilizadas do mundo
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.
Clarice Lispector
Clarice Lispector
Como
primeira medida tomada pelos líderes da irmandade fundamentalista cristã, que
tomaram o poder em nome de Deus, temos uma nova Constituição. Ela foi outorgada
pelos teólogos. Nela está escrito que “todo poder emana de Deus” e,
portanto, o Estado é teocrático. Na Educação ocorreram mudanças drásticas: os
manuais de Biologia agora trazem em suas capas uma tarja preta com os
dizeres “a evolução é apenas uma teoria”; livros de História e Arte
não tem mais ilustrações de obras produzidas na Antiguidade Clássica ou no
Renascimento – afinal, o nu artístico é pecado - está escrito na Bíblia, dizem
os fundamentalistas cristãos; os clássicos da literatura universal estão sendo
queimados em grandes fogueiras; professores de Filosofia e História que
insistem em trabalhar com manuais antigos são perseguidos; um grupo mais
radical da irmandade fundamentalista cristã quer abolir essas disciplinas dos
currículos das escolas. Antropólogos estão sendo coagidos a reescrever suas
obras e tem que afirmar publicamente que os índios são bárbaros, primitivos e
precisam ser convertidos de sua bestialidade; também foram obrigados a dizer
que os negros trazidos da África eram idólatras e que a escravidão foi a forma
encontrada para que eles pagassem seus pecados. Praticantes de religiões de
matriz afro, ateus e seguidores de outras religiões tradicionais são
demonizados, presos ou convertidos à força. Gays, lésbicas e travestis são
presos e usam cruzes invertidas e coloridas e são sumariamente enviados a
campos de "purificação da alma" - lá realizam
trabalhos forçados para purgarem seus "abomináveis pecados" e,
depois de algumas semanas - se os psicólogos não conseguem curá-los - são
queimados vivos em fogueiras nas praças públicas; Evas se tornaram submissas ao
homem – sexo só para efeitos de reprodução -; Marias Madalenas são apedrejadas nas ruas. Comunistas,
socialistas e libertários são aprisionados, banidos ou viram desaparecidos
políticos; artistas são severamente vigiados e proibidos de produzir poesia,
literatura, romances, obras de arte sob pena de serem exilados ou presos. Danceterias
e clubes são fechados e tem suas portas lacradas com uma cruz invertida e os
dizeres "aqui frequentavam libertinos e pecadores";
cinemas, bibliotecas, galerias de arte e museus também estão sendo fechados; as
rádios só tocam música gospel; as emissoras de TV tem horários nobres pautados
por cultos teatrais onde tudo é demonizado; novelas e séries são todas com
temáticas bíblicas. O Estado não é mais laico: o país agora tem religião
oficial. Tudo em nome do Deus único e verdadeiro - deles. Da Bíblia reescrita.
Tem até uma passagem exdrúxula: Cristo transformou "água em
Coca-Cola". Só há um partido político permitido: o PFC (Partido Fundamentalista Cristão). O Congresso e o Senado foram fechados por tempo indeterminado. Tudo é demonizado. Tudo é pecado. Tudo é proibido. O
terror e o horror avassala. Há toque de recolher. Resistências? Quase não há.
Apenas os lúcidos resistem. O povo tem medo do fogo dos infernos e dos
gladiadores fundamentalistas. O mundo assiste atônito ao obscurantismo que eclipsou a terra do carnaval,
do samba e do futebol. A alegria estampada no rosto do brasileiro se esvaiu em
dor, sofrimento e humilhação. Tenho medo. Muito medo. Queria acordar desse
pesadelo tenebroso e ter a sensação de alívio de que tudo isso que relatei foi
apenas um delírio. Mas é real. Muito real.
De um cidadão brasileiro que pede asilo em
qualquer parte do mundo onde não é proibido sonhar, viver em paz e ser feliz!
Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História
e Sociedade •●ϟ
MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do
tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 69-70.
© 2015
by Orides Maurer Jr.
Infelizmente o Brasil corre esse risco. Temos que ficar atentos.
ResponderExcluirCom certeza Prof. Adinalzir. O risco é real. O povo precisa acordar dessa letargia em que se encontra. Não podemos retroceder às trevas medievais. Abraços.
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