"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

As cores do preconceito

Em memória dos milhões de indígenas e africanos mortos nos últimos cinco séculos





"Enquanto a cor da pele for mais importante que o brilho dos olhos, haverá guerra".
(Bob Marley)

"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".
(Nelson Mandela)


“A razão pela qual intolerância, sexismo, racismo, homofobia existem é o medo. As pessoas têm medo de seus próprios sentimentos, medo do desconhecido.”
(Madonna)

"Padre, pintame el mundo en mi cuerpo".
(Canto indígena de Dakota del Sur)

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito".
(Albert Einstein)



“Dia negro” para os dias que não nos são auspiciosos; “ovelha negra” para nossos parentes e/ou amigos que apresentam condutas que reprovamos; “alma negra” para as gentes de maus sentimentos; “a situação tá preta” quando a nossa vida é confusa... Entretanto, se um “negro (a)” possui um comportamento que consideramos afável, dizemos: “eis um negro (a) de alma branca!” ou, quando desejamos que as coisas se esclareçam, dizemos: “que tudo fique às claras!”.

O branco representa a “pureza”. A “maldade” – sob as formas da bruxa, do nordestino, do gay, do pobre, do índio, do cigano – está sempre vestida de negro. Branca é a vida. Negra é a morte. Bem e mal. Cores do preconceito. Forma estigmatizada  e estereotipada de interpretar a realidade.

[...] o discurso preconceituoso - diz o historiador Jaime Pinsky - procura enquadrar as diferentes minorias, a partir de um prejulgamento decorrente de generalização não demonstrada. [...] Afirmações do tipo "os portugueses são burros", "os italianos são grosseiros", "os árabes são desonestos" [...] têm a função de contrapor o autor da afirmativa como a negação, o oposto das características atribuídas ao membro da minoria. Assim, o preconceituoso, não sendo português, considera-se inteligente; não sendo italiano, acredita-se fino; não sendo árabe, julga-se honesto [...]. 

Por que o negro, o gay, o índio, o nordestino, o pobre, a mulher estão sempre ligados em nossa consciência às coisas de que não gostamos, que consideramos maléficas?  Onde tudo começou?

Racismo não tem embasamento científico. É político-ideológico. O homo sapiens sapiens surgiu na África. Portanto, somos todos africanos! Foram as migrações e as guerras que colocaram os humanos em contato uns com os outros. Os intercursos sexuais e intercâmbios culturais proporcionaram à humanidade ter toda essa luxuriante diversidade.

Os homens – do passado e do presente – criam ideias para justificar o seu poder político-econômico-ideológico. Daí brotaram - e brotam - venenosas ideologias racistas que duvidaram se os índios tinham alma, que escravizaram os negros, que perseguiram judeus... Daí a misoginia que levou às fogueiras centenas de milhares de mulheres! Daí o fundamentalismo religioso cristão nas Cruzadas e na conquista da América! Ou o fundamentalismo judeu na Terra Santa ou o fundamentalismo islâmico da jihad. Daí a xenofobia que exclui o cigano e o africano na Europa Ocidental e o latino-americano nos Estados Unidos.  Daí o ódio ao “outro”, ao “diferente”. Daí nossa sociedade excludente. São os "skinheads" na Europa, a Ku Klux Klan nos Estados Unidos,  os Carecas do ABC em São Paulo... Racismo made in Europe. Racismo made in United States. Racismo made in tupiniquim! Doentio. Maléfico. Arrogante. Que mata todos os dias centenas de milhares de seres humanos.

Mas como pode um homem
escravizar outro homem?

O homem negro não é melhor
que o homem branco, nem pior
a pele branca não é pior
que a vermelha, nem melhor
a pele negra, branca, vermelha, amarela
é apenas a roupa que veste um homem
- animal nascido do amor
criado para pensar, sonhar e fazer
outros homens
com amor.
("A cor do homem", Milton Nascimento e Fernando Brandt)

Qual o compromisso que as gerações atuais devem assumir, sejam brancos, índios, negros, ciganos, judeus, nordestinos no Brasil atual? Coloque-se no papel de um negro, de um índio, de um cigano, de um nordestino... É um exercício salutar.


“Quando o português chegou aqui
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio.
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
E o índio teria despido o português...”
(Oswald de Andrade)



MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 41-43,

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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