"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

Tempo presente: explosão e implosão

Segunda Classe, Tarsila do Amaral

“O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.
 Carlos Drummond de Andrade

“Me respeitem, que sou um sonhador!” 
Vital Farias, poeta popular da Paraíba

[...]
Sei que é sonho
Incomodado estou, num corpo estranho
Com governantes da América Latina
[...]

Qual esquina dobrei às cegas
E caí no Cairo, ou Lima, ou Calcutá
Que língua é essa em que despejo pragas
E a muralha ecoa

Em Lisboa
Faz algazarra a malta em meu castelo
Pálidos economistas pedem calma
[...]

Em Macau, Maputo, Meca, Bagdá
Que sonho é esse de que não se sai
[...]

Sei que é sonho
Não porque da varanda atiro pérolas
E a legião de famintos se engalfinha
Não porque voa nosso jato
Roçando catedrais
[...]
Sonhos sonhos são, Chico Buarque

Desde o limiar do século XXI a situação do mundo está se tornando cada vez mais complexa, com um aumento sem precedentes de tensões políticas, econômicas, sociais, conflitos étnicos e religiosos em todos os continentes. É difícil um balanço dos fatos históricos que se sucedem, no tempo presente, numa espécie de aceleração do tempo histórico. Vivemos, portanto, uma época de explosão e implosão.

A humanidade, ao aportar nesse universo global de sua longa trajetória de uma rica e luxuriante diversidade, não se libertou das mazelas que marcaram o percurso dos nossos antepassados: a desigualdade dos padrões de vida, a miséria, a fome, as doenças, as violências, a exclusão social-racial, os desastres ecológicos...

No quadro internacional, o desemprego crônico tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a criminalidade crescente, as rebeliões nas cidades norte-americanas, as manifestações nas cidades brasileiras e o aumento da miséria em todo o mundo sugerem que o atual sistema capitalista globalizado não tem o que comemorar. O capitalismo criou uma elite – os “cidadãos do mundo” – e uma gigantesca massa de excluídos - os "não-cidadãos".

O terrorismo, as guerras e os atentados gestados em regiões instáveis são habitadas por uma parcela considerável de pobres e jovens. Esses podem ser traficantes das favelas brasileiras, terroristas muçulmanos do Al-Qaeda, guerrilheiros colombianos...

O consumo de maconha, de cocaína e outras drogas tem aumentado consideravelmente em todo o mundo, acirrando ainda mais a violência urbana A rentabilidade proveniente do tráfico de drogas é maior do que qualquer outra atividade econômica. 

A violência urbana também pode ser explicada pelas privações materiais a que estão submetidas parcelas significativas de homens e mulheres tanto dos países ricos como no que convencionalmente hoje designamos comodamente pela expressão "países emergentes", com um alto nível de desrespeito aos direitos humanos. Diariamente somos bombardeados com reportagens em que os "bandidos" são perseguidos de forma truculenta pelas polícias e submetidos ao julgamento do grande público.

Ainda na esfera interna dos vários países, há graves tensões raciais (como entre brancos e negros nos Estados Unidos), religiosas (a luta entre árabes e judeus no Oriente Médio) e étnicas (como em Ruanda, na África).

Além disso, temos em âmbito mundial a explosão demográfica que faz proliferar megalópoles onde as questões sociais e ambientais se agravam cotidianamente em virtude da concentração industrial e da poluição. Parcelas significativas da sociedade mundial tem se manifestado contra os excessos da civilização tecnológica; os excluídos estão empenhados em buscar alternativas de existência.

Todo esse cotidiano pautado pela falta de perspectivas de um futuro melhor em virtude da desesperança leva parcelas da sociedade a buscar refúgio na astrologia, na leitura de livros de auto-ajuda ou de religiões que pregam a teologia da prosperidade.

Tempo presente. Explosão. Implosão. Globalização... de quê?


MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 53-55.

Orides Maurer Jr. é historiador e autor do blog ϟ●• História e Sociedade •●ϟ

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