“Para os navegantes com desejo
de vento, a memória é um porto de partida.”
Eduardo Galeano
Sobre as eleições de 2014
Pela
primeira vez na história política da sociedade brasileira uma eleição
presidencial deixou marcas profundas de ódio, rancor e acirrou os ânimos de
toda a sociedade. Por que? Porque nossa tão cantada “democracia” é mero
palavrório. A ditadura militar implantada em 1964 e parcialmente finalizada em
1985 foi um período histórico onde as “massas” – depois das manifestações
pró-Diretas-já - foram alijadas de toda participação popular. As primeiras
eleições para presidente pós-ditadura ocorreram ainda através do voto indireto
dos congressistas e muito do entulho da legislação anti-democrática permanece,
incluindo práticas de tortura.
Historicamente,
nosso país se “uniu” para manter as fronteiras nacionais, mesmo tendo despojado
de suas terras os povos indígenas, massacrado comunidades quilombolas e pobres.
Hoje vemos ressuscitarem movimentos nazi-fascistas como ‘O Sul é meu País”, “A raça paulista” e assemelhados sem fundamentação científica, meras cópias de uma
das ideologias mais trágicas da história da humanidade. Pobre país o nosso.
Continuamos a pagar um preço alto em termos civilizatórios por temos tido uma
ditadura que estuprou, torturou, matou e massacrou uma sociedade inteira em
nome da ideologia da “ordem e do progresso”.
Temos
uma formação étnico-cultural de várias matizes: indígenas, africanas, européias
e, mais recentemente, asiáticas. Formação essa que, em toda a história
brasileira, sempre foi escravizada e manipulada pelas
elites. Na Colônia eram os portugueses; no Império, os britânicos; e na
República, os norte-americanos, os europeus e os interesses de todos os bancos
internacionais, do agronegócio, mídias podres e partidos políticos que defendem todos os interesses dos
grupos citados.
E
as eleições de outubro de 2014 trouxeram à tona a questão do “outro” e os
velhos ódios conhecidos em outras plagas que aqui também se aportaram e
ganharam força nessa disputa eleitoral. Veja-se, por exemplo, a atual
composição político-partidária do Congresso eleito: é o mais conservador e
fundamentalista em toda a história republicana, com pautas que colocam o país
fora da rota do mundo civilizado.
E,
somando-se a todos esses fatores, continuamos vivendo e nos aprofundando numa
crise ética que vem desde os tempos coloniais, com escândalos de corrupção,
crise sócio-econômica, resultado de um modelo imposto pelos donos do capital
internacional que não visa dar conta aos anseios de antigos e novos movimentos
sociais e populares.
Um
quadro de confronto – sem visão crítica da verdadeira história brasileira - é
extremamente perigoso para o esfacelamento de toda a sociedade. A história já
demonstrou que todas as sociedades que passaram por uma guerra civil ficaram
com feridas abertas até o presente. Um exemplo clássico é a Guerra Civil
Norte-Americana, ocorrida na segunda metade do século XIX, cujas seqüelas ainda
se fazem presente no país que é considerado uma democracia estável e uma das
potências mundiais.
Um
pequeno grupo fundamentalista, racista, homofóbico, misógino coordena e insufla
multidões através das câmaras legislativas estaduais e federais e senado, de
seus púlpitos, de suas redes de rádio e TV, jornais, panfletos, revistas, redes
sociais... e, por termos uma sociedade manipulada, com pouco grau de senso
crítico – haja vista que a própria população não reivindica uma Educação
pública de qualidade -, e do mesmo modo para outras questões (saúde,
segurança), acaba buscando refúgio e aceitando as “mentiras” que parecem
“verdades”.
Aí
mora o perigo. O perigo de jogar irmão contra irmão, Estado contra Estado,
levando a uma guerra generalizada e de consequências catastróficas para toda a
sociedade, acirrando ainda mais os ânimos. Há outras soluções possíveis. E a
principal passa pelos interesses de toda uma sociedade e não de políticos – e
partidos, instituições... – com interesses pessoais.
Uma
sociedade justa, humana, fraterna, solidária deve ser a meta de todo o povo
brasileiro. Não podemos ficar brigando por motivos vaidosos e mesquinhos. O
grande inimigo da nação não é a presidência da República. São os grupos acima
citados que governam o país através de seus representantes políticos. A maioria
deles eleita pela população. O que fazer? Apenas destituir um Presidente é a
solução? Vide o último presidente deposto: Collor.
Por
sermos um país de dimensões continentais e de formação étnico-cultural tão
diversa e falarmos a mesma língua deveríamos ser o grande exemplo de democracia
e convivência pacífica e solidária para o mundo civilizado. E não o contrário.
MAURER JUNIOR, Orides. Ecos do
tempo: uma viagem pela história. Joinville: Letradágua, 2015. p. 57-59.
© 2015 by Orides Maurer Jr.
Infelizmente estamos vivendo esta realidade e todo o empenho do povo que sai às ruas não será suficiente, não fará diferença, sem antes de sairmos de casa nos propormos a uma reelaboração ética de nossa própria conduta cidadã diante do inconformismo. Transformemos o nosso pensar onde não impere o descaso e nem exacerbem-se os ânimos em relação às reais necessidades da nação. Que atitudes de gestores, do povo, busquem tão somete reger seus atos com toda dignidade democrática, afim de construir exemplares transformações.
ResponderExcluirGrato pela leitura e comentário Lira Lírica. Abraços poéticos.
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